Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 853.0977.7279.5659

1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATOS INFRACIONAIS ANÁLOGOS AOS CRIMES DOS ARTS. 33 E 35, C/C 40, IV, DA LEI 11.343/06. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO E APLICOU A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. RECURSO DA DEFESA OBJETIVANDO O RECEBIMENTO DO APELO NO DUPLO EFEITO. REQUER A NULIDADE DO PROCESSO, ALEGANDO A NÃO APRESENTAÇÃO DO ADOLESCENTE NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. NO MÉRITO, BUSCA A IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO, DIANTE DA FRAGILIDADE DO CADERNO PROBATÓRIO. ALEGA AINDA A DESNECESSIDADE DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA FACE À AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE, E, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, BUSCA A APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISITIDA. CONTRARRAZÕES MINISTERIAIS ARGUINDO PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE.

Inicialmente, a alegação de intempestividade do recurso, contida nas contrarrazões ministeriais, não merece prosperar. A defesa do recorrente foi intimada da sentença em 14/07/2023, e o assistido, pessoalmente intimado pela serventia em 04/07/2023, portanto dentro do prazo estabelecido no CPC, art. 1003 c/c ECA, art. 198, considerando-se ainda que a Defensoria Pública goza de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, na forma do CPC, art. 186. O pleito defensivo de recebimento da apelação no efeito suspensivo não deve ser acolhido. A jurisprudência dos Tribunais Superiores já firmou entendimento de que a revogação do, IV do ECA, art. 198, implementada pela Lei 12.010/09, não se aplica aos feitos deflagrados por ato infracional. Ademais, não sendo a medida socioeducativa uma punição aplicada ao adolescente, mas sim parte do amplo processo de sua recuperação, urge que esta seja implementada imediatamente. A rápida intervenção da rede de apoio é indispensável para que os objetivos estabelecidos pelo Estatuto Menorista, quais sejam, a ressocialização e proteção da criança e do adolescente, considerando sua condição de pessoa em processo de desenvolvimento, sejam alcançados. Também deve ser rechaçado o pedido de nulidade da sentença pela não apresentação do adolescente em audiência de instrução e julgamento realizada em 16/08/2022, alegando que esta obrigação era inerente ao DEGASE por estar o apelante internado no CAI Baixada pela prática de outro ato infracional. Conforme se infere dos autos, a revelia foi decretada em 10/05/2022, anteriormente à audiência designada, quando foi ouvida uma testemunha policial, e, posteriormente, o adolescente veio a ser apreendido em 23/05/2022, tornando desnecessária a sua apresentação na audiência de 16/08/2022. Outrossim, nos termos do parágrafo único do CPC, art. 346, o revel poderá intervir no processo em qualquer fase, no estado em que se encontrar, inexistindo prejuízo para a parte. Como bem exposto pelo Ministério Público, mesmo que implicitamente, não se pode falar que a falta de oitiva do recorrente em juízo lhe gerou prejuízos, eis que ele, em oportunidades anteriores, apesar de devidamente citado e intimado, nunca compareceu aos autos. Passando ao mérito, a peça inaugural narra que o adolescente no dia 20/07/2021, por volta das 21h, na Rua Cachoeira, esquina com Rua Tropiá, nas proximidades da comunidade do Cebinho, Mesquita, com vontade livre e consciente, em união de ações e de desígnios com terceiras pessoas não identificadas, trazia consigo, transportava e guardava, de forma compartilhada, 124g (cento e vinte e quatro gramas) de Cannabis Sativa L. vulgarmente conhecida como Maconha, acondicionada em 34 (trinta e quatro) embalagens semelhantes entre si e 214g (duzentos e quatorze gramas) de Cloridrato de Cocaína, na forma de pó e pedra, esta última vulgarmente conhecida como «Crack, distribuídos sob a forma de 150 (cento e cinquenta) embalagens com pedras em seu interior e 122 (cento e vinte e duas) embalagens que continham pó branco em seu interior, todas semelhantes entre si, tudo pronto para a revenda a usuários, conforme auto de apreensão e Laudo de Exame prévio e definitivo de Entorpecentes adunados aos autos. Ainda narra a representação que nas mesmas condições de tempo e lugar acima descritas, o adolescente, de forma livre e consciente, em comunhão de ações e desígnios com terceiras pessoas não identificadas, portava e mantinha sob a sua guarda, de forma compartilhada, à disponibilidade de todos e para assegurar os atos de traficância da associação criminosa que compunha, sem autorização e em desacordo com determinação legal, 01 (uma) arma de fogo do tipo pistola, calibre.380, numeração de série KDP28022, devidamente municiada com 05 (cinco) cartuchos intactos, tudo conforme Auto de Apreensão acostado à fl. 13. Diante do contexto de sua apreensão, aliado ao caderno probatório, sustenta a inicial que o adolescente se associou, na comunidade do Cebinho e em suas adjacências, a terceiras pessoas não identificadas, para o fim de praticar o tráfico ilícito de entorpecentes, exercendo a função de «vapor, responsável pela venda direta de entorpecentes aos usuários e «atividade". Na ocasião, policiais militares estavam em patrulhamento de rotina pelas adjacências da comunidade do Cebinho, em Mesquita, quando na Rua Cachoeira, esquina com Rua Tropiá, tiveram suas atenções voltadas para aproximadamente 08 (oito) elementos que, ao avistarem a guarnição, imediatamente se evadiram para o interior da comunidade e efetuaram diversos disparos de arma de fogo contra os policiais, sendo certo que o local é dominado pela facção criminosa Comando Vermelho. Após breve perseguição e intensa troca de tiros, dois elementos foram alvejados, sendo um deles o adolescente, o qual trazia consigo toda a substância entorpecente acima descrita. O segundo elemento portava, à disposição de todos, uma arma de fogo que foi imediatamente apreendida. O adolescente, em decorrência de ter sido alvejado, foi apreendido em flagrante e encaminhado ao HGNI para atendimento médico hospitalar. Posteriormente, recebeu alta hospitalar, conforme laudo médico, em 23/07/2021 (e-doc. 93). Em Juízo foram ouvidos os policiais militares. Integram o caderno probatório o registro de ocorrência 053-03018/2021 e seus aditamentos (e-docs. 03, 37, 43), AAAPAI (e-doc. 06), termos de declaração (e-docs. 07, 11), auto de apreensão (e-doc. 13), auto de depósito (e-doc. 21), laudo de exame prévio de substância entorpecente (e-doc. 40), laudo de exame definitivo de substância entorpecente (e-doc. 170), laudo de exame em arma de fogo (e-doc. 174), laudo de exame de munições (e-doc. 177), laudo de exame de descrição de material (e-doc. 180), e a prova oral colhida em audiência. E diante do cenário acima delineado, o pleito defensivo de improcedência da representação não deve prosperar. As testemunhas arroladas pelo Ministério Público prestaram declarações firmes e coesas entre si, e, a Defesa não apresentou qualquer razão para que a palavra dos policiais merecesse descredito e nem chegou a indicar motivo para que os agentes da lei imputassem crimes tão graves a um inocente. Aqui, considera-se importante trazer o entendimento já pacificado nos Tribunais Superiores acerca da validade das declarações prestadas pelos agentes da lei (precedente). Nesta linha, consolidado o verbete sumular 70, deste Eg. Tribunal de Justiça, que estabelece, em síntese, que o fato de se restringir a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação. Vale destacar que os policiais foram recebidos a tiros pelo grupo no qual o apelante estava inserido, ocasião em que, como os demais integrantes, empreendeu fuga. Vale destacar, ainda, que o adolescente foi apreendido com o material entorpecente, sendo certo que o local é conhecido por atuação da facção criminosa «Comando Vermelho C. V. Assim, o Ministério Público cumpriu o seu mister acusatório ficando fartamente configurados os atos infracionais análogos aos delitos de tráfico e de associação para o tráfico, com a majorante que se refere ao emprego de arma de fogo. Sobre a desnecessidade de aplicação da medida socioeducativa, em razão da ausência de contemporaneidade, ou o seu abrandamento, a Defesa não tem melhor sorte. O sistema das medidas socioeducativas deve sempre ser observado às luzes dos princípios da proteção integral e do melhor interesse do adolescente (ECA, art. 112, § 1º). Acrescenta-se que a medida socioeducativa não possui caráter punitivo, já que seu objetivo é reeducar e reintegrar o adolescente na sociedade, de modo a que tome consciência da reprovabilidade de sua conduta. O caso concreto revela que o recorrente possui outra passagem pelo mesmo ato infracional aqui analisado, para o qual lhe foi aplicada a medida socioeducativa de Semiliberdade (processo 0052913-39.202.8.19.0038 - e-doc. 371), além de ter recebido medida socioeducativa de internação nos autos do processo de 0043837-20.2022.8.19.0038, medidas estas que se tornaram insuficientes para afastá-lo da vida marginal. E, postas as coisas nesses termos, a internação aplicada ao jovem se mostra escorreita e adequada. Nem se diga acerca da impossibilidade de aplicação da internação em hipóteses como a presente. a Lei 8.069/90, art. 122 merece interpretação sistemática e teleológica. Isto porque o referido diploma é anterior a denominada Lei dos Crimes Hediondos, sendo que esta guindou o tráfico de drogas à condição de equiparado a delito hediondo. Para tanto, soa inconcebível que em uma infração não considerada hedionda, mas apenas grave, como, v.g. um roubo, possa ser aplicada a medida de internação, e no delito de traficância ou mesmo o de associação para o tráfico armada, mais grave, tal não possa ocorrer. Mais injusto ainda, só porque possuem as elementares de violência ou grave ameaça, é afirmar ser possível aplicar a medida de internação nos crimes de constrangimento ilegal, lesão corporal simples, leve ou grave, infanticídio, sequestro e cárcere privado, dano qualificado pela violência à pessoa ou grave ameaça e vários outros, não sendo possível nos atos infracionais ora em análise. Certo é que, se a Lei dos Crimes Hediondos já existisse quando da edição do Estatuto da Criança e do adolescente, não haveria tal incongruência, que é sanada pela interpretação que lhe é emprestada. No que se refere à possibilidade da aplicação da medida socioeducativa de internação em hipótese do cometimento de ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas, somente se cogitará a internação se tal medida se mostrar a mais adequada ao caso concreto, exatamente a hipótese desses autos. Demais disso, verifica-se que a estrutura familiar, se mostrou falha, e, mesmo que não fosse, não apagaria a gravidade concreta da conduta praticada, uma vez que, como já visto, os policiais militares foram recepcionados pelo grupo do qual fazia parte o menor recorrente com disparos de arma de fogo. Tais circunstâncias obviamente demonstram que o adolescente corre risco concreto, necessitando de maior proteção estatal. Considera-se, portanto, lídima a medida socioeducativa aplicada, única capaz de afastar o adolescente das vicissitudes da vida marginal. RECURSO CONHECIDO, REJEITADA A PRELIMINAR, E, NO MÉRITO, DESPROVIDO. ... ()

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