Jurisprudência em Destaque

Arrendamento mercantil. Leasing. Contrato. Aquisição de veículo. Pagamento de 31 de 26 parcelas devidas. Resolução do contrato. Ação de reintegração de posse. Descabimento. Medidas desproporcionais diante do débito remanescente. Aplicação da teoria do adimplemento substancial. Cláusula geral do contrato. Princípio da função social do contrato. Princípio da boa-fé objetiva. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o adimplemento substancial do contrato. Precedentes do STJ. CCB/2002, arts. 394, 421, 422 e 475. Lei 6.099/1974. CPC, art. 926.

Postado por Emilio Sabatovski em 23/09/2011
STJ. 4ª T.. Diante da crescente publicização do direito privado, o contrato deixou de ser a máxima expressão da autonomia da vontade para se tornar prática social de especial importância, prática essa que o Estado não pode simplesmente relegar à esfera das deliberações particulares. Instituto nascido no âmbito do Direito Privado, o contrato passou a ter colorido publicístico, exigindo do julgador a aplicação, no caso concreto, das chamadas cláusulas abertas, dentre as quais se destacam a boa-fé-objetiva e a função social. Vale dizer, não se pode mais conceber o contrato unicamente como meio de circulação de riquezas. Além disso - e principalmente -, é forma de adequação e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe dão dignidade.

Sobre as cláusulas gerais - marca identificadora do Código Civil de 2002 -, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery destacam que:


A cláusula geral da função social do contrato é decorrência lógica do princípio constitucional dos valores da solidariedade e da construção de uma sociedade mais justa. (...) As várias vertentes constitucionais estão interligadas, de modo que não se pode conceber o contrato apenas do ponto de vista econômico, olvidando-se de sua função social. A cláusula geral da função social do contrato tem magnitude constitucional e não apenas civilista (Código Civil Comentado, p. 447, 5ª edição. Ed. Revistas dos Tribunais).


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Com efeito, é pela lente das cláusulas gerais previstas no Código, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual [a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Nesse passo, a faculdade que o credor tem de simplesmente resolver o contrato, diante do inadimplemento do devedor, deve ser reconhecida com cautela, sobretudo quando evidente o desequilíbrio financeiro entre as partes contratantes, como no caso dos autos. Deve o julgador ponderar quão grave foi o inadimplemento a ponto de justificar a resolução da avença.

Como bem assevera Athos Gusmão Carneiro, em um sistema de resolução judiciária dos contratos, a apreciação valorativa do inadimplemento contratual é alicerçada na análise global do contrato inexecutado, inclusive de sua natureza, e na consideração do comportamento total dos contraentes, desde o início da avença. Assim, ante eventual adimplemento limitado ou inexato, a decisão judicial, ou pela resolução da avença ou pela simples condenação em perdas e danos, dependerá de uma avaliação da repercussão do incumprimento no equilíbrio sinalagmático do contrato (Inadimplemento Contratual Grave - Discricionariedade do Juiz. In. Revista de Processo. Ano 20. Abril-Junho de 1.995, 78).

Vale dizer que, para a resolução do contrato pela via judicial, há de se considerar não só a inadimplência em si, mas também o adimplemento da avença durante a normalidade contratual. A partir desse cotejo entre adimplemento e inadimplemento é que deve o juiz aferir a legitimidade da resolução do contrato, de modo a realizar, por outro lado, os princípios da função social e da boa-fé objetiva.

Assim, a insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do contrato não responda satisfatoriamente a esses princípios. Essa é a essência da doutrina do adimplemento substancial do contrato.

No direito comparado, essa teoria é amplamente aceita.

O art. 1.455 do Código Civil italiano, por exemplo, proclama que o contrato não pode ser resolvido se o inadimplemento de uma das partes tem escassa importância, resguardado o interesse da outra parte. Regra análoga é encontrada no art. 802, 2, do Código Civil português de 1966: o credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância.

É de se notar, portanto, que a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença quando viável e for de interesse dos contraentes. Ou, como aduz Jones Figueiredo Alves, o suporte fático que orienta a doutrina do adimplemento substancial, como fator desconstrutivo do direito de resolução do contrato por inexecução obrigacional, é o incumprimento insignificante (Adimplemento Substancial como Elemento Decisivo à Preservação do Contrato. In. Revista Jurídica Consulex. Ano XI, 240, Janeiro de 2007).

3. No caso em apreço, afigura-se-me cabível a aplicação da teoria do adimplemento substancial dos contratos.

Colhe-se do acórdão recorrido que o réu pagou: 31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido.

Entendo que o mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil.

Diante do substancial adimplemento do contrato, mostra-se desproporcional a pretendida reintegração de posse e contraria princípios basilares do Direito Civil, como a função social do contrato e a boa-fé-objetiva. A regra que permite a reintegração de posse em caso de mora do devedor - e consequentemente a resolução do contrato -, no caso dos autos, deve sucumbir diante dos aludidos princípios.

Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002.

Pode, certamente, o autor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título.

Esta Corte já manifestou entendimento semelhante nos precedentes abaixo transcritos:


ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso.


Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela.


Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse.


Recurso não conhecido.


(REsp 272.739/MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 01.03.2001, DJ 02.04.2001 p. 299).


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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Deferimento liminar. Adimplemento substancial.


Não viola a lei a decisão que indefere o pedido liminar de busca e apreensão considerando o pequeno valor da dívida em relação ao valor do bem e o fato de que este é essencial à atividade da devedora.


Recurso não conhecido.


(REsp 469.577/SC, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2003, DJ 05/05/2003 p. 310).


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Também a Primeira Seção deste Tribunal tem aplicado a teoria do substancial adimplemento do contrato no âmbito dos contratos administrativos, verbis:


ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 87 DA Lei 8.666/93.


1. Acolhimento, em sede de recurso especial, do acórdão de segundo grau assim ementado (fl. 186): DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INADIMPLEMENTO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 87, LEI 8.666/93. MANDADO DE SEGURANÇA. RAZOABILIDADE.


1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra ato de autoridade militar que aplicou a penalidade de suspensão temporária de participação em licitação devido ao atraso no cumprimento da prestação de fornecer os produtos contratados.


2. O art. 87, da Lei 8.666/93, não estabelece critérios claros e objetivos acerca das sanções decorrentes do descumprimento do contrato, mas por óbvio existe uma gradação acerca das penalidades previstas nos quatro incisos do dispositivo legal.


3. Na contemporaneidade, os valores e princípios constitucionais relacionados à igualdade substancial, justiça social e solidariedade, fundamentam mudanças de paradigmas antigos em matéria de contrato, inclusive no campo do contrato administrativo que, desse modo, sem perder suas características e atributos do período anterior, passa a ser informado pela noção de boa-fé objetiva, transparência e razoabilidade no campo pré-contratual, durante o contrato e pós-contratual.


4. Assim deve ser analisada a questão referente à possível penalidade aplicada ao contratado pela Administração Pública, e desse modo, o art. 87, da Lei 8.666/93, somente pode ser interpretado com base na razoabilidade, adotando, entre outros critérios, a própria gravidade do descumprimento do contrato, a noção de adimplemento substancial, e a proporcionalidade.


5. Apelação e Remessa necessária conhecidas e improvidas.


2. Aplicação do princípio da razoabilidade. Inexistência de demonstração de prejuízo para a Administração pelo atraso na entrega do objeto contratado.


3. Aceitação implícita da Administração Pública ao receber parte da mercadoria com atraso, sem lançar nenhum protesto.


4. Contrato para o fornecimento de 48.000 fogareiros, no valor de R$ 46.080,00 com entrega prevista em 30 dias. Cumprimento integral do contrato de forma parcelada em 60 e 150 dias, com informação prévia à Administração Pública das dificuldades enfrentadas em face de problemas de mercado.


5. Nenhuma demonstração de insatisfação e de prejuízo por parte da Administração.


6. Recurso especial não-provido, confirmando-se o acórdão que afastou a pena de suspensão temporária de participação em licitação e impedimentos de contratar com o Ministério da Marinha, pelo prazo de 6 (seis) meses.


(REsp 914.087/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2007, DJ 29/10/2007 p. 190).


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Sobre o tema, também foi aprovado o enunciado 361, na IV Jornada de Direito Civil promovida pela Conselho da Justiça Federal, que assim dispõe:


Arts. 421, 422 e 475: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475. ... (Min. Luis Felipe Salomão).

Doc. LegJur (116.3012.1000.0700) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Arrendamento mercantil (Jurisprudência)
Leasing (v. Arrendamento mercantil ) (Jurisprudência)
Contrato (v. Leasing ) (Jurisprudência)
Aquisição de veículo (v. Leasing ) (Jurisprudência)
Resolução do contrato (v. Arrendamento mercantil ) (Jurisprudência)
Reintegração de posse (v. Arredamento mercantil ) (Jurisprudência)
Teoria do adimplemento substancial (Jurisprudência)
Cláusula geral (v. Contrato ) (Jurisprudência)
Função social do contrato (Jurisprudência)
Princípio da função social do contrato (Jurisprudência)
Boa-fé objetiva (Jurisprudência)
Princípio da boa-fé objetiva (Jurisprudência)
CCB/2002, art. 394
CCB/2002, art. 421
CCB/2002, art. 422
CCB/2002, art. 475
Lei 6.099/1974 (Legislação)
CPC, art. 926
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