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STJ. 4ª T. Família. Filiação. Investigação de paternidade. Parentesco. Paternidade responsável. Relação avoenga. Medida cautelar. Produção antecipada de prova. Exame DNA. Indeferimento. Direito à identidade genética. Pedido de neto em relação ao avô (pai ainda vivo). Hipótese em que houve tentativas judiciais, sem sucesso, do pai do neto em obter o reconhecimento paternidade. Legitimidade ativa. Ilegitimidade ativa ad causam de pretensa neta, enquanto vivo seu genitor, de investigar a identidade genética com a finalidade de constituição de parentesco. Coisa julgada. Relatividade. Relativismo. Relativização. Princípio da dignidade da pessoa humana. Segurança jurídica no âmbito das relações de família. Amplas considerações, no VOTO VENCIDO do Min. Raul Araújo, sobre legitimidade ativa ad causam e possibilidade jurídica do pedido. Precedentes do STF e STJ. CCB/2002, art. 1.606, «caput». CPC, arts. 3º e 267, VI. CCB/2002, arts. 1.591 e 1.594. ECA, art. 48. CF/88, arts. 1º, III, 226, § 7º e 227, § 6º. CCB, arts. 350, 351 e 363. Lei 8.560/1992, art. 1º, e ss.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/03/2012
... VOTO VENCIDO. I - Legitimidade ativa ad causam e Possibilidade jurídica do pedido:

As condições da ação devem ser conjuntamente examinadas, na medida em que em alguns aspectos se inter-relacionam.

Convém sejam transcritas as normas do Código Civil de 1916 e do atual, que mais diretamente disciplinam o tema:

a) no CC/1916:


Art. 350. A ação de prova da filiação legítima compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor, ou incapaz.


Art. 351. Se a ação tiver sido iniciada pelo filho, poderão continuá-la os herdeiros, salvos se o autor desistiu, ou a instância foi perenta.


Art. 363. Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no art. 183, ns. I a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação:


I - Se o tempo da concepção a mãe estava concubinada com o pretendido pai;


II - Se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela;


III - Se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente.

b) no CC/2002:


Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.


Parágrafo único - Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.

Como se vê, no Código Civil de 2002 não há repetição da norma do art. 363 do Código Civil de 1916, a qual referia apenas aos filhos como legitimados para a ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação.

Merece, então, destaque o fato de que, ainda na vigência do Código de 1916, a jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça delineava que a menção a pais feita naquele dispositivo legal não poderia ser tida como limitação à investigação de outras relações de parentesco, além da paternidade.

De fato, no julgamento da Ação Rescisória 336/RS, a Corte chegou à seguinte conclusão:


CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO RESCISÓRIA. CARÊNCIA AFASTADA. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO AVOENGA E PETIÇÃO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. CC DE 1916, ART. 363.


I. Preliminar de carência da ação afastada (por maioria).


II. Legítima a pretensão dos netos em obter, mediante ação declaratória, o reconhecimento de relação avoenga e petição de herança, se já então falecido seu pai, que em vida não vindicara a investigação sobre a sua origem paterna.


III. Inexistência, por conseguinte, de literal ofensa ao art. 363 do Código Civil anterior (por maioria).


IV. Ação rescisória improcedente.


(AR 336/RS, Segunda Seção, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ de 24/4/2006, grifo nosso)

Afirmou-se ali a possibilidade de, sem ofensa ao referido art. 363 do Código Civil de 1916, o pretenso neto ajuizar ação contra o suposto avô visando ao conhecimento de sua identidade genética e, assim, dos direitos e obrigações dela decorrentes. Cabe transcrever trechos dos votos de mérito dos eminentes Ministros Aldir Passarinho Junior (relator) e Jorge Scartezzini (revisor), in litteris:


VOTO DO MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:


Vencido na preliminar, examino o mérito da rescisória, que versa sobre apontada violação literal ao art. 363 do Código Civil anterior, que reza:


É que não compreendo na menção a pais a limitação enxergada pelos autores, e até doutrinária, porquanto dela extraio a mesma compreensão que teve a douta maioria então votante, no sentido de que a substituição é possível na linha ascendente, pois os avós geraram os pais, daí ser absolutamente legítimo que um neto busque a sua identidade verdadeira, a sua família, e, evidentemente, daí decorrendo seus direitos e obrigações.


Há muito se vem abrandando as exigências ao reconhecimento de filiação, e exemplo disso está no afastamento, mesmo antes do ECA, do prazo prescricional para que o filho busque o reconhecimento de paternidade, como se vê do EREsp 237.553/RO, 2ª Seção, Rel. p/acórdão Min. Ari Pargendler, DJU de 05.04.2004.


Se o direito é personalíssimo do filho investigar o pai, também o é em relação ao avô, notadamente porque o pai já é falecido, o que é importante sempre ressaltar. A relação parental não se extingue com uma geração, na linha ascendente ou descendente. É contínua.


E, inobstante a alentada e judiciosa doutrina a respeito, parece-me que em matéria de família – origem natural do ser humano – limitação dessa ordem, que se extrai de uma interpretação diminuta do texto legal, não convence ser a melhor, rogando máxima vênia ao entendimento divergente. (grifo nosso)


VOTO DO MINISTRO JORGE SCARTEZZINI:


O art. 363, caput, do CC/1916, vigente à época da prolatação do v. Acórdão rescindendo, encontrava-se assim disposto, in verbis:


À primeira, não se ignora que, doutrina e jurisprudência, diante da peremptória redação de citado dispositivo, praticamente à unanimidade, sustentavam a restrição absoluta da legitimidade à propositura de ação investigatória de paternidade ao suposto filho, não extensível sequer aos seus herdeiros, os quais poderiam, tão-somente, dar prosseguimento à lide em caso de falecimento do autor na respectiva pendência (cf. fls. 26/79).


Repise-se, porém, que aludido entendimento restritivo encontrava-se, de regra, embasado tão-só na literalidade do dispositivo legal em comento, destacando-se, entre as escassas justificativas agregadas a esposado argumento, as seguintes elucubrações, de cunho moral, extraídas, respectivamente, das obras dos e. CLOVIS BEVILAQUA e CARLOS MAXIMILIANO:


Pois bem, a uma, tenho que, mesmo imprimindo-se ao art. 363 do CC/1916 interpretação estritamente gramatical, conquanto não haja previsão acerca da legitimidade dos herdeiros de pretenso filho à interposição de demanda investigatória de paternidade, analogamente inexiste expressa vedação à mesma, pelo que, de plano, restaria afastada a impossibilidade jurídica de, excepcionalmente, conferir-se legitimidade aos netos para o ajuizamento de ação objetivando o reconhecimento de parentesco com suposto avô. A propósito, oportuna a transcrição das considerações expendidas pelo e. Ministro WALDEMAR ZVEITER , quando do julgamento do REsp 269/RS:


(...)


Ademais, ressalte-se, ainda que não se repute adequada a adoção de exegese genericamente liberalizante ao art. 363 do CC/1916, também é inegável que a interpretação meramente gramatical do mesmo em quaisquer situações, levando à ilegitimidade absoluta dos herdeiros de suposto filho para pleitearem o reconhecimento de parentesco ascendente, não se coaduna com a orientação preconizada no art. 5º da LICC, norma de sobredireito, segundo a qual, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.


Com efeito, não se mostra razoável, à luz dos mais comezinhos princípios de justiça, com fulcro, exclusivamente, na ausência de previsão legal do pedido, ainda mais que tendente ao esclarecimento da genealogia, da própria origem do indivíduo, negar-lhe acesso aos órgãos jurisdicionais, em total detrimento ao princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF/88) e à necessidade de pacificação social, escopo último, aliás, do processo civil moderno:


(...)


A propósito, conquanto não se olvide que, in casu, a análise de afronta a literal disposição legal refira-se, por óbvio, à legislação vigente à época da prolatação do v. Aresto rescindendo, releva considerar que a conclusão pelo mesmo adotada, no sentido de conferir aos então recorrentes legitimidade para buscarem declaração judicial de existência de relação avoenga, encontra-se em consonância com os ditames da nova legislação civil pátria, na medida em que, embora não tenha o CC/2002 explicitamente adotado quanto ao tema orientação liberalizante, também não manteve a posição restritiva, não havendo sequer reproduzido, total ou parcialmente, o art. 363 do CC/1916.


Destarte, in casu, em atenção às respectivas peculiaridades, reputo acertada a exegese emprestada pelo v. acórdão rescindendo ao art. 363 do CC/1916, reconhecendo a legitimidade dos então recorrentes, ora réus, à propositura da Ação Declaratória de Relação Avoenga cumulada com Petição de Herança, notadamente ante a circunstância de se constituir fato público a possibilidade de existência do parentesco aduzido. Não há, pois, que se falar em vulneração a referido dispositivo infraconstitucional, na medida em que, ademais, conforme pacificado nesta Corte (REsp 488.512/MG, de minha Relatoria , DJU 06.12.2004; AR 464/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO , DJU 19.12.2003), para que a Ação Rescisória calcada no inciso V do art. 485, do CPC, prospere, é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade, o que não ocorre no caso. (grifo nosso)

Daí, pode-se inferir que, já na vigência do Código Civil de 1916, o eg. Superior Tribunal de Justiça percebia a necessidade de fazer uma interpretação sistemática dos dispositivos legais que tratavam do direito à filiação. Com isso, afastava a interpretação meramente literal, condizente com a época de criação do Código, mas que engessaria o ordenamento jurídico. A interpretação mais restrita já então mostrava-se desconforme com os princípios constitucionais incidentes, excluindo da apreciação do Poder Judiciário direitos fundamentais cuja relevância se sobrepõe à literalidade da norma.

Foi também essa a orientação esposada no primeiro precedente desta eg. Corte de Justiça que reconheceu a viabilidade do ajuizamento de ação declaratória de relação avoenga, no julgamento do Recurso Especial nº 269/RS. Salientou o Relator, o ilustrado Ministro WALDEMAR ZVEITER, em seu percuciente voto, que vedar aos recorrentes o exercício do direito à ação seria negar-lhes a prestação jurisdicional, o que se não afigura nem jurídico nem justo. Não se põe dúvidas ser majoritário o entendimento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, no sentido de que a ação de investigação de paternidade, assim como posta na redação do artigo 363 do Código Civil, é personalíssima. Contudo hoje, (...) há de se ler a redação dada ao artigo 363 do Código Civil não mais de forma restritiva e na ótica adequada a seu tempo, propugnada pelo grande Clóvis Beviláqua. Mudou a época, mudaram os costumes, transformou-se o tempo, redefinindo valores e conceituando o contexto familiar de forma mais ampla que com clarividência pôs o constituinte de modo o mais abrangente, no texto da nova Carta. E nesse novo tempo não deve o Poder Judiciário, ao qual incumbe a composição dos litígios com olhos postos na realização da Justiça limitar-se à aceitação de conceitos pretéritos que não se ajustem à modernidade (Terceira Turma, DJ de 7/5/1990).

Eis a ementa do referido julgado:


PROCESSUAL CIVIL - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - AÇÃO DECLARATÓRIA - RELAÇÃO AVOENGA.


I - Conquanto sabido ser a investigação de paternidade do art. 363 do código civil ação personalíssima, admissível a ação declaratória para que diga o Judiciário existir ou não a relação material de parentesco com o suposto avô que, como testemunha, firmou na certidão de nascimento dos autores a declaração que fizera seu pai ser este, em verdade seu avô, caminho que lhes apontara o Supremo Tribunal Federal quando, excluídos do inventario, julgou o recurso que interpuseram.


II - Recurso conhecido e provido.

Com isso, tem-se também como afastada a impossibilidade jurídica do pedido.

Como se sabe, a possibilidade jurídica do pedido (ou da causa de pedir) demanda compatibilidade da pretensão com os fins e princípios do próprio ordenamento jurídico. Assim, o reconhecimento dessa condição da ação não tem o condão de dizer, de plano, o direito, julgando procedente o pedido autoral, mas de apurar se o fato afirmado pela parte mostra-se compatível com a possibilidade de eventual entrega de tutela jurisdicional, seja em face da existência de regulação normativa que, em tese, possa amparar a pretensão, seja em razão da inexistência de vedação legal.

Nesse sentido a jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça consagra o entendimento de que a possibilidade jurídica do pedido consiste na admissibilidade em abstrato da tutela pretendida, vale dizer, na ausência de vedação explícita no ordenamento jurídico para a concessão do provimento jurisdicional (REsp 254.417/MG, 4ª Turma, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 2.2.2009).

Conforme salientado pelo eminente Ministro Jorge Scartezzini, no voto proferido na mencionada AR 336/RS, acima transcrito, no Código Civil de 2002, ainda que não haja nenhuma previsão explícita de investigação de relação avoenga, também não há nenhuma vedação, explícita ou implícita, nesse sentido.

Portanto, hoje, quando o Código Civil já não reproduz a norma do antigo art. 363, trazendo apenas as dos anteriores arts. 350 e 351, no art. 1.606 do CC/2002, a melhor exegese desse dispositivo não pode permitir restrições quanto ao reconhecimento de relação avoenga. Assim, a este dispositivo também deve ser dada uma interpretação sistemática, prestigiando os direitos à filiação e à ancestralidade, sobretudo porque a própria Constituição Federal prestigia esses direitos, quando adota o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Assim, deve ser afastada qualquer interpretação restritiva da norma, tendo em vista que a filiação não se esgota em uma só geração (relação entre pais e filhos); ao contrário, os vínculos de parentesco em linha reta tendem ao infinito. Há diversas outras relações parentais que surgem da relação pai e filho.

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, ao analisarem o disposto no mencionado art. 1.606 do Código Civil de 2002, ressaltam que não se deve ater a uma interpretação restritiva desse dispositivo. Salientam, para tanto:


Apesar de se tratar de ação personalíssima, como visto alhures, os herdeiros do investigante, que já ajuizou a ação investigatória, têm legitimidade para prosseguir na ação, salvo se houve extinção do processo (parágrafo único do art. 1.606 do Código Civil).


No entanto, é preciso afirmar, mais do que isso, a legitimidade dos herdeiros (netos) para a propositura da ação, iniciando-a contra o avô. É a chamada investigação de parentalidade avoenga.


O art. 1.606 do Codex traz regra exatamente nesse sentido, autorizando os herdeiros a propor a ação se ele morrer menor ou incapaz. Justifica-se a legitimação dos herdeiros em tal hipótese pela impossibilidade do investigante aforar a ação, em face de sua incapacidade. Assim, tendo falecido incapaz, e, por conseguinte, impossibilitado de ajuizar a ação pessoalmente, razoável que estejam legitimados os herdeiros.


Com base no tratamento constitucional da filiação - impossibilitando a limitação do estado de filiação - é preciso ir mais longe. Assim, afirmamos que o neto detém legitimidade ativa ad causam para promover a investigação contra o seu avô, independentemente de ter o investigante falecido no gozo de plena capacidade, exercitando a investigatória avoenga.


É que, como pontifica Belmiro Pedro Welter, o direito personalíssimo do filho é mesmo direito personalíssimo do pai, do avô, do neto etc. Se o filho não quer exercer o seu direito, não se pode proibir que o seu filho (neto) possa exercê-lo, sob pena de se estar negando ao neto o exercício de seu direito nativo de personalidade.


Desse modo, o neto que propõe a investigatória contra o seu avô está perseguindo direito próprio, reclamando a sua ancestralidade, sua identidade genética, afirmando sua própria dignidade. Não fosse só isso, mister seu interesse também econômico, vez que passará a ser possível cobrar alimentos do avô, pleitear herança, alimentos etc.


(in Direitos das Famílias. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 548, grifo nosso)

NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, ao interpretarem o referido art. 1.606 do Código Civil, salientam:


2. A ação declaratória de estado. A ação declaratória do estado de filho, conhecido como de investigação de paternidade, é apenas uma espécie do gênero, declaratória de estado familiar. Ela pode ser exercida por quem tenha interesse jurídico em atribuir a um determinado fato da vida uma conseqüência jurídica. Esse interesse pode ser revelado por alguém que pretenda apontar como sendo descendente de uma estirpe, ainda que longínqua. Os limites do pedido devem ser estabelecidos a partir das possibilidades reais de apuração da verdade e a partir da demonstração efetiva de interesse jurídico. Não contém nenhum fator de quebra do equilíbrio do sistema acolher-se para julgamento a pretensão de quem queira apontar a outrem uma ascendência parental, para apontar-lhe parentesco em linha reta, que o coloca na situação jurídica especialíssima de herdeiro necessário.


3. Situações diferentes. A) Imagine-se a possibilidade de alguém se dizer e provar ser neto ou bisneto de um grande pintor que aparentemente não tenha deixado bens, mas que tenha tido, após a sua morte, a obtenção de grande soma em virtude do pagamento de direitos autorais. Evidentemente, na ausência do filho que poderia, mas não quis, ver seu estado de filho reconhecido, pode o filho deste, neto daquele, vir a juízo para provar que é neto, descendente pela linha reta, e que faz jus à herança do avô? Será que o CC 1606 lhe impedira a pretensão? Parece-nos que não. O referido comando legal limita o direito de herdeiros postularem o direito próprio do de cujus, a não ser que este tenha falecido menor ou incapaz? Não limita, e se o fizesse seria inconstitucional, o direito próprio do herdeiro, no caso, o neto do pintor e, igualmente, seu herdeiro necessário. B) Observe-se como é diferente a situação de, no mesmo exemplo, o pintor (A) ter deixado filho (B), e este, um irmão por parte de mãe (C), que não fosse filho do pintor. Na ausência do filho do pintor, morto maior e capaz sem ter postulado a filiação em face do pintor, seu irmão não poderia postular o direito de herança, posto que se daria o óbice do CC 1606, aqui, sim, corretamente: o irmão (C), aspirante da herança de B, não é herdeiro, nem poderia sê-lo do pai de B (A), também morto. Sua pretensão limita-se à herança de B e nenhum direito próprio teria em face de A. Mas essa limitação, evidentemente, não alcança, nem poderia alcançar, o neto, igualmente herdeiro necessário, descendente em linha reta do falecido, ainda mais diante do claríssimo comando do CC 1811. É evidente, em casos assim, o interesse jurídico próprio de quem pretende declarar-se o estado de neto, ou de bisneto de outrem.


(in Código Civil Comentado. 6ª ed., rev., amp. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 1.073-1.074, grifo nosso)

Então, no que tange à controvérsia dos autos, é de entender-se que, embora não haja previsão legal que regulamente, de forma direta, a declaratória de relação avoenga, também não há vedação expressa a inviabilizar seu ajuizamento.

E foi essa a compreensão adotada em precedente de que foi relator o ilustre Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, em julgamento que traz a seguinte ementa:


RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. RELAÇÃO AVOENGA. RECONHECIMENTO JUDICIAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.


- É juridicamente possível o pedido dos netos formulado contra o avô, os seus herdeiros deste, visando o reconhecimento judicial da relação avoenga.


- Nenhuma interpretação pode levar o texto legal ao absurdo. (REsp 604.154/RS, Terceira Turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 1º/7/2005, grifo nosso)

Há também recente precedente no âmbito da eg. Segunda Seção desta Corte de Justiça no sentido do reconhecimento da possibilidade jurídica do pedido e da legitimidade ativa ad causam, para o ajuizamento de ação de declaração de relação avoenga, tendo em vista a existência de direito de agir, próprio e personalíssimo, do suposto neto. Eis a ementa:


Direito civil. Família. Ação de declaração de relação avoenga. Busca da ancestralidade. Direito personalíssimo dos netos. Dignidade da pessoa humana. Legitimidade ativa e possibilidade jurídica do pedido. Peculiaridade. Mãe dos pretensos netos que também postula seu direito de meação dos bens que supostamente seriam herdados pelo marido falecido, porquanto pré-morto o avô.


- Os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome e ao conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes.


- Os netos, assim como os filhos, possuem direito de agir, próprio e personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de parentesco em face do avô, ou dos herdeiros se pré-morto aquele, porque o direito ao nome, à identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana.


- O direito à busca da ancestralidade é personalíssimo e, dessa forma, possui tutela jurídica integral e especial, nos moldes dos arts. 5º e 226, da CF/88.


- O art. 1.591 do CC/02, ao regular as relações de parentesco em linha reta, não estipula limitação, dada a sua infinitude, de modo que todas as pessoas oriundas de um tronco ancestral comum, sempre serão consideradas parentes entre si, por mais afastadas que estejam as gerações; dessa forma, uma vez declarada a existência de relação de parentesco na linha reta a partir do segundo grau, esta gerará todos os efeitos que o parentesco em primeiro grau (filiação) faria nascer.


- A pretensão dos netos no sentido de estabelecer, por meio de ação declaratória, a legitimidade e a certeza da existência de relação de parentesco com o avô, não caracteriza hipótese de impossibilidade jurídica do pedido; a questão deve ser analisada na origem, com a amplitude probatória a ela inerente.


- A jurisprudência alemã já abordou o tema, adotando a solução ora defendida. Em julgado proferido em 31/1/1989 e publicado no periódico jurídico NJW (Neue Juristische Woche) 1989, 891, o Tribunal Constitucional Alemão (BVerfG) afirmou que os direitos da personalidade (Art. 2 Par. 1º e Art. 1º Par. 1º da Constituição Alemã) contemplam o direito ao conhecimento da própria origem genética.


- Em hipótese idêntica à presente, analisada pelo Tribunal Superior em Dresden (OLG Dresden) por ocasião de julgamento ocorrido em 14 de agosto de 1998 (autos nº 22 WF 359/98), restou decidido que em ação de investigação de paternidade podem os pais biológicos de um homem já falecido serem compelidos à colheita de sangue.


- Essa linha de raciocínio deu origem à reforma legislativa que provocou a edição do § 372ª do Código de Processo Civil Alemão (ZPO) em 17 de dezembro de 2008, a seguir reproduzido (tradução livre): § 372ª Investigações para constatação da origem genética. I. Desde que seja necessário para a constatação da origem genética, qualquer pessoa deve tolerar exames, em especial a coleta de amostra sanguínea, a não ser que o exame não possa ser exigido da pessoa examinada. II. Os §§ 386 a 390 são igualmente aplicáveis. Em caso de repetida e injustificada recusa ao exame médico, poderá ser utilizada a coação, em particular a condução forçada da pessoa a ser examinada.


- Não procede a alegada ausência de provas, a obstar o pleito deduzido pelos netos, porque ao acolher a preliminar de carência da ação, o TJ/RJ não permitiu que a ação tivesse seguimento, sem o que, não há como produzir provas, porque não chegado o momento processual de fazê-lo.


- Se o pai não propôs ação investigatória quando em vida, a via do processo encontra-se aberta aos seus filhos, a possibilitar o reconhecimento da relação avoenga; exigem-se, certamente, provas hábeis, que deverão ser produzidas ao longo do processo, mas não se pode despojar do solo adequado uma semente que apresenta probabilidades de germinar, lançando mão da negativa de acesso ao Judiciário, no terreno estéril da carência da ação.


- O pai, ao falecer sem investigar sua paternidade, deixou a certidão de nascimento de seus descendentes com o espaço destinado ao casal de avós paternos em branco, o que já se mostra suficiente para justificar a pretensão de que seja declarada a relação avoenga e, por consequência, o reconhecimento de toda a linha ancestral paterna, com reflexos no direito de herança.


- A preservação da memória dos mortos não pode se sobrepor à tutela dos direitos dos vivos que, ao se depararem com inusitado vácuo no tronco ancestral paterno, vêm, perante o Poder Judiciário, deduzir pleito para que a linha ascendente lacunosa seja devidamente preenchida.


- As relações de família tal como reguladas pelo Direito, ao considerarem a possibilidade de reconhecimento amplo de parentesco na linha reta, ao outorgarem aos descendentes direitos sucessórios na qualidade de herdeiros necessários e resguardando-lhes a legítima e, por fim, ao reconhecerem como família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus descendentes, inequivocamente movem-se no sentido de assegurar a possibilidade de que sejam declaradas relações de parentesco pelo Judiciário, para além das hipóteses de filiação.


- Considerada a jurisprudência do STJ no sentido de ampliar a possibilidade de reconhecimento de relações de parentesco, e desde que na origem seja conferida a amplitude probatória que a hipótese requer, há perfeita viabilidade jurídica do pleito deduzido pelos netos, no sentido de verem reconhecida a relação avoenga, afastadas, de rigor, as preliminares de carência da ação por ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido, sustentadas pelos herdeiros do avô.


- A respeito da mãe dos supostos netos, também parte no processo, e que aguarda possível meação do marido ante a pré-morte do avô dos seus filhos, segue mantida, quanto a ela, de igual modo, a legitimidade ativa e a possibilidade jurídica do pedido, notadamente porque entendimento diverso redundaria em reformatio in pejus.


Recurso especial provido.


(REsp 807.849/RJ, Segunda Seção, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de 6/8/2010, grifo nosso)

É, pois, de ter-se como juridicamente possível ao neto investigar o vínculo de parentesco avoengo, como forma de materialização de importante aspecto do direito da personalidade. Sem dúvida, a declaratória de relação avoenga caracteriza-se como ação de estado, fundada no status familiae, destinada a dirimir conflito de interesse relativo ao estado de uma pessoa natural. Envolve discussão de verdadeiro direito da personalidade e, como tal, é imprescritível, irrenunciável e inalienável.

Com efeito, tratando-se de direito próprio, o neto deve ser considerado parte legítima para o ajuizamento de ação visando, em última análise, ao reconhecimento de relação avoenga. A prerrogativa de ver reconhecida a relação de parentesco constitui direito próprio, personalíssimo com relação ao nome e à ancestralidade. Não se trata de exercício do direito de ação em nome de outrem (legitimação extraordinária) - ou seja, ajuizamento de ação pelo neto, em nome do pai, para investigar a paternidade deste -, mas de ação de declaração de relação parental avoenga ajuizada em nome próprio pelo neto para atender a interesse próprio de conhecimento de sua ancestralidade e, consequentemente, dos direitos a ela inerentes.

Portanto, mostram-se presentes as condições da ação ora tratadas para o ajuizamento de ação cautelar de produção antecipada de prova, para instrução de futura declaratória de relação avoenga. ... (Min. Raul Araújo).

Doc. LegJur (122.0061.9000.0300) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Família (Jurisprudência)
Filiação (Jurisprudência)
Parentesco (Jurisprudência)
Exame DNA (Jurisprudência)
Investigação de paternidade (v. Família ) (Jurisprudência)
Paternidade responsável (Jurisprudência)
Avoenga (Jurisprudência)
Relação avoenga (v. Paternidade ) (Jurisprudência)
Paternidade (v. Investigação de paternidade ) (Jurisprudência)
Direito à identidade genética (Jurisprudência)
Identidade genética (Jurisprudência)
Medida cautelar (Jurisprudência)
Produção antecipada de prova (v. Medida cautelar ) (Jurisprudência)
Pedido de neto em relação ao avô (v. Relação avoenga ) (Jurisprudência)
Legitimidade ativa (Jurisprudência)
Ilegitimidade (v. Legitimidade ) (Jurisprudência)
Coisa julgada (Jurisprudência)
Relatividade (v. Coisa julgada ) (Jurisprudência)
Relativismo (v. Coisa julgada ) (Jurisprudência)
Relativização (v. Coisa julgada ) (Jurisprudência)
Princípio da dignidade da pessoa humana (Jurisprudência)
Dignidade da pessoa humana (Jurisprudência)
Segurança jurídica (Jurisprudência)
CCB/2002, art. 1.591
CCB/2002, art. 1.594
CCB/2002, art. 1.606, caput
CPC, art. 3º
CPC, art. 267, VI
CPC, art. 468
CPC, art. 472
ECA, art. 48
CF/88, art. 1º, III
CF/88, art. 226, § 7º
CF/88, art. 227, § 6º
CCB, art. 350
CCB, art. 351
CCB, art. 363
(Legislação)
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Por que o LegJur é a solução que você precisa?

1. Conteúdo Atualizado: Nosso banco de dados é atualizado constantemente, oferecendo as informações mais recentes sobre legislações, súmulas e jurisprudências.

2. Fácil Acesso: Uma plataforma simples e intuitiva que você pode acessar de qualquer dispositivo, a qualquer momento. Seu escritório fica tão flexível quanto você.

3. Busca Inteligente: Nosso algoritmo avançado torna sua pesquisa rápida e eficaz, sugerindo temas correlatos e opções para refinar sua busca.

4. Confiabilidade: Nosso time de especialistas trabalha incansavelmente para garantir a qualidade e a confiabilidade das informações disponíveis.

5. Economia de Tempo: Deixe de lado as horas de pesquisa em múltiplas fontes. Aqui, você encontra tudo o que precisa em um só lugar.

Invista no seu maior capital: o tempo

Você já deve saber que o tempo é um dos ativos mais preciosos na advocacia. Utilize o LegJur para maximizar sua eficiência, oferecendo ao seu cliente uma consultoria de alto nível fundamentada em informações confiáveis e atualizadas.

Depoimentos

"O LegJur transformou a forma como faço minha pesquisa jurídica. Agora, posso concentrar-me mais no desenvolvimento de estratégias para meus casos e menos na busca de informações."
— Maria L., Advogada

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