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STJ. 4ª T. Família. Filiação. Investigação de paternidade. Paternidade responsável. Parentesco. Relação avoenga. Medida cautelar. Produção antecipada de prova. Exame DNA. Indeferimento. Direito à identidade genética. Pedido de neto em relação ao avô (pai ainda vivo). Hipótese em que houve tentativas judiciais, sem sucesso, do pai do neto em obter o reconhecimento paternidade. Legitimidade ativa. Ilegitimidade ativa ad causam de pretensa neta, enquanto vivo seu genitor, de investigar a identidade genética com a finalidade de constituição de parentesco. Coisa julgada. Relatividade. Relativismo. Relativização. Princípio da dignidade da pessoa humana. Segurança jurídica no âmbito das relações de família. Amplas considerações do Min. Marco Buzzi sobre o direito à identidade genética. Precedentes do STF e STJ. CCB/2002, art. 1.606, «caput». CPC, arts. 3º e 267, VI. CCB/2002, arts. 1.591 e 1.594. ECA, art. 48. CF/88, arts. 1º, III, 226, § 7º e 227, § 6º. CCB, arts. 350, 351 e 363. Lei 8.560/1992, art. 1º, e ss.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/03/2012
... 5. O direito à identidade genética deve ser interpretado harmonicamente com aquele de filiação, assegurando-se a salvaguarda de seus núcleos essenciais.

No presente caso, o lastro da demanda é o direito fundamental e personalíssimo de pretensa neta investigar sua identidade genética, autorizando a postulação da realização de exame de DNA para ulteriormente se valer dessa prova no bojo de ação dirigida à constituição de relação de parentesco (avoenga).

É imperioso esclarecer que o direito de buscar a identidade genética não acarreta, necessariamente, uma relação de parentesco, valendo registrar, a título de exceções: (a) adoção; (b) fecundação heteróloga; e, (c) paternidade socioafetiva.

A única regulamentação específica desse direito encontra-se no art. 48, da Lei 8.069/90, segundo o qual a pessoa adotada pode ter acesso às informações de ascendência biológica, sem que isso implique na desconstituição do parentesco civil estabelecido com seus adotantes.

Não obstante a ausência de maior regulamentação, quando a pessoa não possui registro de ascendência em sua certidão de nascimento, o reconhecimento do vínculo biológico implica, no caso sub judice, confessadamente, na constituição de parentesco, com repercussão na sucessão patrimonial, sendo este o caso dos autos, na medida em que a recorrente e seu genitor não possuem registro atinente ao seu pretenso avô e pai, respectivamente, sendo que a investigante indica expressamente na inicial da produção antecipada de provas, que irá propor ação de investigação avoenga, não sendo meta apenas conhecer a sua origem biológica.

Nessa conjuntura, a questão controvertida que deve ser solucionada é se o art. 1.606 do CC e art. 27, da Lei 8.069/90, ao regularem o direito de filiação, restringindo-o em relação a quem e quando se pode buscar seu reconhecimento, implicaria em uma limitação desproporcional ao direito à identidade biológica, a ensejar uma flexibilização de sua interpretação, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, tal como proposto pelo voto do eminente Relator originário.

Consta do art. 1.606 do CC:


A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz


Parágrafo único - Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.(grifou-se)

No mesmo rumo, o disposto no art. 27, da Lei 8.069/90, que prescreve:


O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça. (grifou-se).

Mais um vez, necessário introduzir a argumentação com uma distinção. Nos primeiros precedentes que reconheceram a legitimidade própria dos netos postularem a declaração judicial de relação avoenga, esta Corte considerou uma situação deveras peculiar para fixar esse entendimento: o filho do investigado (pai dos pretensos netos), jamais teve interesse em promover a investigação de paternidade em vida, vez que já titularizava a posse de estado de filho, surgindo a necessidade de estabelecer formalmente aquele estado, mas apenas após a morte do progenitor dos pretensos netos.

Isso é, não era proporcionalmente legítimo que os filhos daquela pessoa que durante toda a sua vida sempre gozou de uma aparente relação de filiação (posse de estado de filho), ficassem ao desabrigo de direitos sucessórios ante o só fato de seu pai não ter, em vida, manejado ação judicial voltada ao reconhecimento de uma situação de estado já titularizada no mundo dos fatos, mas não formalmente estabelecida no plano jurídico.

Recentemente, o precedente da Segunda Seção já citado, avançou no exame da matéria, constando do voto condutor que o direito ao reconhecimento da ancestralidade seria personalíssimo e de titularidade dos próprios netos, ressalvando-se em duas oportunidades, na própria ementa do julgado, o fato de o pai dos investigantes ser falecido e não ter demandado em vida, daí advindo um vácuo no tronco familiar dos netos a ensejar ação própria voltada ao reconhecimento de sua ascendência e correspondente parentesco.

Portanto, nos precedentes mais remotos e naqueles mais recentes, existiam especificidades que ensejaram o elastério da legitimidade em favor dos netos, flexibilizando a norma do art. 1.606 do CC (na época do julgamento tratava-se dos artigos. 350 e 351 CC de 1916), mas em todos os casos era pré-morto o genitor direto dos proponentes da investigação avoenga.

De sua vez, na situação enfrentada no presente recurso, não cabe uma proporcional relativização da norma do art. 1.606, do CC, pois ausente razoabilidade para tanto, vez que o regramento do direito de parentalidade atribui à geração mais próxima, viva, legitimidade exclusiva para postular essa declaração judicial, afastando expressamente aquelas mais remotas (legitimidade sucessiva), vedadas, pois, em casos tais, a possibilidade jurídica e a legitimatio ad causam de o herdeiro mais remoto propor demanda voltada ao reconhecimento da sua ancestralidade (avoenga), com a agravante, na hipótese, da existência de provimento jurisdicional de mérito, transitado em julgado, ditando a inexistência de parentesco entre o pai da investigante e o pretenso ancestral comum, o avô, agora mais uma vez acionado, em razão de fracassadas tentativas de reconhecimento de paternidade promovidas pelo genitor da autora contra o ora investigado.

No caso em exame é exatamente o princípio da proporcionalidade que não autoriza conferir um caráter absoluto ao direito de identidade genética para, com base nele, afastar a norma restritiva do art. 1.606, do CC, tendo em vista que o valor/princípio da dignidade da pessoa humana informa tanto o direito do indivíduo buscar sua verdade biológica, como também a segurança jurídica e a privacidade da intimidade nas relações de parentesco do investigado, exceto venha o legislador futuramente regular o tema de forma diferente.

Como já enfatizado, segundo o sistema infraconstitucional vigente, apenas o art. 48 da Lei 8.069/90 estabelece o direito da pessoa adotada conhecer sua origem biológica, diferenciando o direito de identidade genética daquele de filiação.

Dessa forma, no âmbito das relações de parentesco não decorrentes da adoção, o exercício do direito de investigação da identidade genética para fins de constituição de parentesco é limitado pelo disposto no art. 1.606 do Código Civil, o qual restringiu o universo de quem (a geração mais próxima viva) e quando se pode postular a declaração judicial de filiação (inexistindo anterior processo em que já se deliberou a esse respeito, especialmente com exame de mérito).

Apenas uma flagrante ausência de razoabilidade dessa otimização legal ensejaria o afastamento da norma ou sua interpretação de forma mais larga, a permitir que quaisquer descendentes vivos, próximos ou remotos, uns independentemente dos outros, pudessem ajuizar autonomamente demandas voltadas ao reconhecimento de relação de parentesco.

Isso porque o direito de toda pessoa humana investigar sua identidade genética não deixa de ser salvaguardado em relação aos descendentes de uma geração mais próxima quando, para fins de constituição de parentesco, apenas a classe de grau mais imediato seja legitimada exclusiva para buscar essa verdade biológica de sua ascendência, vez que todo o tronco familiar derivado de um ascendente comum deve com ele partilhar o mesmo estado de origem biológica a título de parentalidade, sem prejuízo de que cada individuo investigue sua origem genética para fins de conhecimento próprio, à vista de sua saúde ou situação peculiar que enseja essa pretensão, o que, efetivamente, não é a situação ora em julgamento.

Não há base, sequer constitucional, para que existam duas verdades a respeito do parentesco de pessoas que pertencem a idêntico tronco familiar. Em outras palavras, se um determinado sujeito A é reconhecido judicialmente como não ascendente de B, os filhos deste último não podem ser netos do primeiro, mesmo que, por meio de exame informal de DNA se constate que geneticamente os últimos sejam descendentes do primeiro, justo que o parentesco das gerações mais próximas vincula a parentalidade dos mais remotos, ou seja, uma relação avoenga necessariamente deve derivar de uma relação de paternidade entre o pai e avô da pretensa neta.

De outro vértice, a tão-só existência de sentença de mérito, transitada em julgado, não reconhecendo a paternidade do pai da ora autora em relação ao investigado, por ausência de provas, ante a não realização do exame de DNA, ao menos no presente caso, igualmente não justifica alargar o rol dos legitimados para a propositura da ação de investigação de ancestralidade do art. 1.606 do CC, vez que, conforme decisão do Suprema Corte (STF), em sede de recurso com repercussão geral (Informativo 622 – RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, acórdão pendente de publicação- em 23.11.2011), o surgimento de novos meios técnico-científicos de provas, antes inexistentes ou indisponíveis às partes, e que são reputados de absoluta segurança, admite que o pai da autora ajuíze nova demanda voltada a discussão do mesmo tema.

Por esse prisma, a não flexibilização do art. 1.606, CC, constitui entendimento mais adequado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos fundamentais em tensão, respectivamente, identidade genética de descendentes remotos e a privacidade e intimidade do investigado e das próprias gerações de classe mais imediata, além da segurança jurídica que envolve as relações de família e respectivo regime de parentesco, evitando-se o risco de sentenças contraditórias e transtornos irreversíveis ante o aforamento de múltiplas ações judiciais para o mesmo fim, por parte de um número muito maior de legitimados, então concorrentes.

A rigor, pois, a concentração da legitimidade da investigação da identidade genética de determinado tronco familiar na geração mais próxima, enquanto viva, tal qual regulado presentemente no art. 1.606 do CC, representa o mecanismo menos traumático à privacidade do investigado, segurança jurídica das relações de família, assegurando-se, ainda que de forma restritiva, o núcleo essencial do direito fundamental à busca da ancestralidade de qualquer ser humano.

Assim não fosse, restaria pouco razoável obrigar qualquer indivíduo vir a juízo revelar sua intimidade e expor sua vida privada para se defender de demanda dirigida ao reconhecimento de parentesco, como já dito, com consequências sócio familiares irreversíveis, não só apenas em relação a um determinado pretenso filho, mas também, de todos os descendentes desse alegado parente de grau mais próximo, sujeitando-se a um sem número de demandas, com possibilidade de decisões incongruentes, presentes e futuras, nas quais um mesmo tronco de descendência, cada qual por si, poderia postular declaração judicial de parentalidade lastrado em um idêntico vínculo genético.

Não se pode olvidar a existência de um provimento jurisdicional reconhecendo que o pai da recorrente/investigante não é filho do investigado, ainda que por falta de provas e de três outros subsequentes, negando-lhe o direito de relativizar essa primeira deliberação, sendo inviável, enquanto em vida o progenitor da ora demandante, admitir que uma geração mais remota desconstitua aquela norma jurídica do caso concreto, decorrente da autoridade da coisa julgada, sob o fundamento de buscar um direito próprio de personalidade, concernente à sua identidade genética, quando seu verdadeiro objetivo é estabelecer uma relação de parentesco de 2º grau com o investigado, infirmando, de forma oblíqua, a verdade legal a respeito do parentesco do pai da investigante e o presentemente investigado.

Logo, não há razão que justifique, ao menos na situação controvertida em julgamento, atribuir supremacia de razoabilidade ou proporcionalidade ao direito da proponente apurar sua origem genética para fins de reconhecimento formal de ascendência, quando há no sistema jurídico vigente regra instituindo para tanto ordem sucessiva de legitimação ativa, estando vivo o pai da autora, tendo ele movido várias ações contra o mesmo pretenso ascendente comum, já existindo sentença examinando o mérito do pedido, transitada em julgado, negando a descendência.

Por tudo isso, com todas as vênias, ante esse confronto de evidências, ao menos no caso em mira, não há porque relativizar a ordem imposta pelo art. 1.606 do CC, quando esta regula a legitimidade e a possibilidade jurídica de pedido atinente ao reconhecimento de parentesco, conforme adiante ainda mais se justifica. ... (Min. Marco Buzzi).

Doc. LegJur (122.0061.9000.0600) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Família (Jurisprudência)
Filiação (Jurisprudência)
Parentesco (Jurisprudência)
Paternidade responsável (Jurisprudência)
Exame DNA (Jurisprudência)
Investigação de paternidade (v. Família ) (Jurisprudência)
Avoenga (Jurisprudência)
Relação avoenga (v. Paternidade ) (Jurisprudência)
Paternidade (v. Investigação de paternidade ) (Jurisprudência)
Direito à identidade genética (Jurisprudência)
Identidade genética (Jurisprudência)
Medida cautelar (Jurisprudência)
Produção antecipada de prova (v. Medida cautelar ) (Jurisprudência)
Pedido de neto em relação ao avô (v. Relação avoenga ) (Jurisprudência)
Legitimidade ativa (Jurisprudência)
Ilegitimidade (v. Legitimidade ) (Jurisprudência)
Coisa julgada (Jurisprudência)
Relatividade (v. Coisa julgada ) (Jurisprudência)
Relativismo (v. Coisa julgada ) (Jurisprudência)
Relativização (v. Coisa julgada ) (Jurisprudência)
Princípio da dignidade da pessoa humana (Jurisprudência)
Dignidade da pessoa humana (Jurisprudência)
Segurança jurídica (Jurisprudência)
CCB/2002, art. 1.591
CCB/2002, art. 1.594
CCB/2002, art. 1.606, caput
CPC, art. 3º
CPC, art. 267, VI
CPC, art. 468
CPC, art. 472
ECA, art. 48
CF/88, art. 1º, III
CF/88, art. 226, § 7º
CF/88, art. 227, § 6º
CCB, art. 350
CCB, art. 351
CCB, art. 363
(Legislação)
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