Jurisprudência em Destaque

STJ. Corte Especial. Recurso especial repetitivo. Ação civil pública. Recurso representativo de controvérsia. Consumidor. Direitos metaindividuais. Apadeco x Banestado. Expurgos inflacionários. Execução/liquidação individual. Competência. Foro competente. Alcance objetivo e subjetivo dos efeitos da sentença coletiva. Limitação territorial. Impropriedade. Revisão jurisprudencial. Limitação aos associados. Inviabilidade. Ofensa à coisa julgada. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o foro competente para a liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública. Precedentes do STJ. CPC, arts. 468, 472, 474 e 543-C. CDC, arts. 93 e 103. Lei 9.494/1997, art. 2º-A, «caput». Lei 7.347/1985, arts. 1º, II, 16 e 21.

Postado por Emilio Sabatovski em 09/11/2012
«... 3. Foro competente para a liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública

Saber qual o foro competente para a liquidação/execução individual de sentença coletiva tem sido tema recorrente no âmbito desta Corte Superior, obtendo solução em diversas Turmas, tanto nas de direito privado quanto nas de direito público.

A Quarta Turma, ressalte-se, é o único colegiado que possui precedente dissonante dos firmados pelas demais turmas, no qual fiquei vencido.

Refiro-me ao REsp. 1.113.198/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 25/8/2009, DJe 18/12/2009.

3.1. Porém, observada a devida venia, vincular o foro da liquidação/execução individual ao juízo no qual foi proferida a sentença coletiva, não me parece ser a solução mais consentânea com o sistema do Código de Defesa do Consumidor, o qual, como é de conhecimento cursivo, é também aplicado a ações civis públicas de natureza não consumerista.

Por força do art. 21 da Lei 7.347/85, é de se considerar, seguramente, que o Capítulo II do Título III do CDC e a Lei das Ações Civis Públicas formam, em conjunto, um microssistema próprio do processo coletivo, seja qual for a sua natureza, consumerista, ambiental ou administrativa.

Daí por que os mecanismos de facilitação de defesa do consumidor têm sido utilizados em ações de outro jaez, como corroboram os seguintes precedentes: REsp 972.902/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009; REsp 1049822/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 23/04/2009.

No que concerne ao foro competente para a liquidação/execução individual de sentença coletiva, não me impressiona a tese de que o parágrafo único do art. 97 do CDC fora vetado e por isso não se poderia admitir que o consumidor viesse a ajuizar a demanda em seu próprio domicílio, pois significaria a repristinação do dispositivo rechaçado pelo legislador.

O texto aprovado pelo Congresso Nacional era o seguinte:


Parágrafo único - A liquidação de sentença, que será por artigos, poderá ser promovida no foro do domicílio do liquidante, cabendo-lhe provar, tão-só, o nexo de causalidade, o dano e seu montante.

A mensagem do veto contou com os seguintes fundamentos:


Esse dispositivo dissocia, de forma arbitrária, o foro dos processos de conhecimento e de execução, rompendo o princípio da vinculação quanto à competência entre esses processos, adotado pelo Código de Processo Civil (Art. 575) e defendido pela melhor doutrina. Ao despojar uma das partes da certeza quanto ao foro de execução, tal preceito lesa o princípio de ampla defesa assegurado pela Constituição (Art. 5º, LV).

A bem da verdade, o veto ao parágrafo único do art. 97 não possui o condão, a meu juízo, de alterar a competência para as execuções individuais da sentença coletiva, e não é o único que, se levado ao extremo, causaria a perplexidade sustentada.

Como exemplo, basta mencionar o inciso X do art. 39 do CDC, que previa ser vedado ao fornecedor «praticar outras condutas abusivas», dispositivo também vetado pelo Executivo, o que poderia sinalizar que as práticas abusivas contidas no art. 39 seriam numerus clausus.

As razões do veto foram as seguintes:


O princípio do Estado de Direito (CF. art. 1º) exige que as normas legais sejam formuladas de forma clara e precisa, permitindo que os seus destinatários possam prever e avaliar as consequências jurídicas dos seus atos. É, portanto, inconstitucional a consagração de cláusulas imprecisas, sobretudo em dispositivo de natureza penal.

Porém, mesmo tendo sido vetada a fórmula ampliativa do inciso X - «outras cláusulas abusivas» -, são remansosas a doutrina e a jurisprudência que entendem que o art. 39 não lista, de forma exaustiva, mas exemplificativa, as práticas consideradas abusivas, exatamente porque remanesceu - no «caput» - fórmula semelhante, a saber: «dentre outras práticas abusivas».

Confira-se, nesse sentido, por todos, a doutrina do Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al]. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, pp. 374-375).

Tal fato ocorre, fundamentalmente, porque o veto presidencial, mantido pelo Congresso Nacional, revela, quando muito, a vontade do legislador historicamente considerado e congelado no tempo, e a reverência exacerbada e isolada ao veto não possui a virtualidade de alcançar traços da lei de elevada importância, como sua teleologia e dinamicidade, que decorre da realidade social subjacente ao ordenamento em que se insere.

A interpretação baseada exclusivamente em veto presidencial, a par de ser demasiado simplista, nega a ação das diferentes realidades temporalmente identificadas e a formação de um «círculo hermenêutico», em que o ordenamento jurídico e a experiência jurídica mutuamente se completam, esclarecem-se e se fecundam, negando-se, também, a interpretação finalística e sistemática da norma.

A filosofia do direito, ainda em lição clássica de Carlos Maximiliano, acusa de forma incisiva o descrédito da hermenêutica que busca a interpretação na investigação da vontade do legislador - mens legislatoris - em desprezo ao espírito da lei - mens legis.

Nesse sentido:


O aplicador moderno da lei antiga, se acaso se refere à intenção do legislador, obedece a um pendor misoneísta, age sob o impulso do hábito inveterado, empresta as cores da realidade a uma figura que não vem ao caso, não cogitou do presente, não poderia prever tudo;


[...]


Em resumo: sob qualquer dos seus aspectos, a interpretação é antes sociológica do que individual. Vai caindo em vertiginoso descrédito a doutrina oposta, que se empenha em descobrir e revelar a vontade, a intenção, o pensamento do legislador. Despreza os postulados da Psicologia moderna, reduz, em demasia, o campo da Hermenêutica, assenta antes em ficções do que em verdades demonstráveis, força a pesquisas quase sempre inúteis e, em regra, não atinge a certeza colimada. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 21-25)

Nesse passo, a investigação pura e simples da vontade do legislador - parcialmente alcançada, por exemplo, com a leitura das mensagens de veto ou das exposições de motivos da lei - reduz a hermenêutica a apenas um elemento de interpretação, qual seja o histórico, olvidando-se de primado essencial à lógica jurídica, o de que o texto interpretado possui vida própria que se forma e se transforma constantemente a cada releitura.

Vale dizer, é criação que se desprendeu de seu criador tão logo veio ao mundo. E, por isso, «o intérprete é chamado a dar vida nova a um texto que por si mesmo é morto, mero símbolo do ato da vida de outra pessoa» (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?. Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993, p. p.22).

Na mesma linha, o mestre Vicente Ráo, no seu clássico O Direito e a vida dos direitos, malgrado reconheça a importância das declarações legislativas na interpretação da norma - como vetos e exposição de motivos -, aconselha não tomá-las com exclusividade, sob pena de o intérprete se afastar do real e social conteúdo da norma, bem como das condições sempre atuais de vida que a lei pretende regular.

Confira-se o seu sempre claro magistério:


Em síntese diremos: é da mais alta valia a investigação histórica para esclarecer, com o conteúdo da norma, os seus fins práticos e sociais e, consequentemente, o seu sentido jurídico; úteis também são, com caráter igualmente subsidiário e não decisivo, os antecedentes legislativos sobre a elaboração das leis, utilidade esta, que mais particularmente se manifesta quando estes trabalhos encontram expressão no conteúdo das leis; excelentes subsídios proporcionam, por sua vez, as declarações de motivos que aos textos legais se incorporam. Mas, nenhum desses elementos tem a força, por si só, de determinar um resultado único e irrecusável, na prática da interpretação.


E o abuso, bem como a exclusividade de uso do processo histórico, sob qualquer de suas modalidades, só pode causar más consequências, por afastar o intérprete do conteúdo real e social da norma, que lhe cumpre apurar, bem como de seu destino, que visa regular as condições atuais e sociais da vida individual e da vida coletiva. (RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004 (RT Clássicos), pp. 523-524)

3.2. Precisamente no que concerne às técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor, deve-se levar em conta o art. 4º daquele diploma, o qual contém uma espécie de lente pela qual devem ser examinados os demais dispositivos, notadamente por estabelecer os objetivos da política nacional das relações de consumo - dos quais se destaca «o atendimento das necessidades dos consumidores» -, e princípios que devem ser respeitados - dos quais se eleva, em primazia, o «reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor».

Com efeito, não pode ser aceita interpretação que contradiga essas diretrizes, destacadas no Código e alçadas a «objetivos» e «princípios» da política de proteção ao consumidor, sob pena de incongruência lógica com a própria razão de ser desse diploma, ou seja, sob pena de a norma que veio, por imposição constitucional, facilitar a defesa do consumidor, está a embaraçar o acesso do consumidor à jurisdição.

Nesse sentido é o escólio de Eros Roberto Graus acerca da interpretação do Código de Defesa do Consumidor:


[...] eu diria que o art. 4º do Código de Defesa do Consumidor é uma norma-objeto, porque define os fins da política nacional das relações de consumo, quer dizer, ela define resultados a serem alcançados. Todas as normas de conduta e todas as normas de organização, que são as demais normas que compõem o Código do Consumidor, instrumentam a realização desses objetivos, com base nos princípios enunciados no próprio art. 4º. Para que existem, por que existem essas normas? Para instrumentar a realização dos fins definidos no art. 4º. Assim, todas as normas de organização e conduta contidas no Código do Consumidor, devem ser interpretadas teleologicamente, finalisticamente, não por opção do intérprete, mas porque essa é uma imposição do próprio Código. O que significa isso? Sabemos que a interpretação não é uma ciência, é uma prudência. Nela chegamos a mais de uma solução correta, tendo de fazer uma opção por uma delas. A circunstância de existirem normas-objeto que determinam a interpretação de normas de organização e de conduta estreita terrivelmente a possibilidade dessa opção, porque a única interpretação correta é aquela que seja adequada à instrumentação da realização dos fins, no caso, os fins estipulados no art. 4º do CDC. (GRAU, Eros Roberto. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem (org.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 (Coleção doutrinas essenciais, v. I), pp. 165-166)

3.3. Assim, levando-se em conta os princípios norteadores para correta interpretação do código em comento, sobretudo o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, princípio esse que conduz ao subprincípio da facilitação de sua defesa em juízo, causa perplexidade determinar que o consumidor deva, necessariamente, deslocar-se ao juízo onde foi proferida a sentença coletiva, para só então promover a liquidação/execução individual.

Se o consumidor pretendesse ajuizar individualmente a ação de conhecimento, poderia fazê-lo em seu próprio domicílio, cuja execução também poderia nesse foro tramitar (art. 101, inciso I, e art. 98, § 2º, inciso I, do CDC).

O entendimento baseado exclusivamente no veto presidencial ao art. 97, parágrafo único, CDC, retira do consumidor esse benefício nos casos de execução individual de sentença coletiva.

Ou seja, o benfazejo instrumento da ação civil pública, que deve facilitar o acesso do consumidor à justiça, acabaria por dificultar ou mesmo inviabilizar por completo a defesa do consumidor em juízo, circunstância que, por si, desaconselha tal interpretação.

Ademais, caso todas as execuções individuais de ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores, ações essas que comportam, por vezes, milhares de consumidores prejudicados, tivessem de ser propostas no mesmo juízo em que proferida a sentença transitada em julgado, inviabilizar-se-ia o trabalho desse foro, com manifesto prejuízo à administração da justiça.

3.4. Com efeito, deve-se franquear ao consumidor o foro do seu próprio domicílio para o ajuizamento da liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública.

De fato, muito embora tenha sido vetado o parágrafo único do art. 97, permanece hígido o art. 98, o qual possui a seguinte redação:


Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. (Redação dada pela Lei 9.008, de 21.3.1995)


§ 1º A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.


§ 2º É competente para a execução o juízo:


I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;


II - da ação condenatória, quando coletiva a execução.

Ora, o só fato de o § 2º prever que é competente para a execução o juízo ou da liquidação ou da ação condenatória revela, seguramente, que o juízo da liquidação pode ser diverso do juízo da ação condenatória. O dispositivo perderia totalmente o sentido caso a liquidação de sentença devesse ser pleiteada, necessariamente, no juízo da condenação.

É claro, pois, que a melhor técnica interpretativa sugere que a lei não possui palavras inúteis.

Com efeito, havendo possibilidade de a liquidação tramitar em foro diverso da ação condenatória, não há dúvida de que esse foro diferente pode também ser o do domicílio do consumidor, levando-se em conta a existência dessa faculdade para a ação individual de conhecimento (art. 101, inciso I), bem como os princípios do próprio Código, dentre os quais se destacam o reconhecimento da vulnerabilidade (art. 4º), a garantia de facilitação de sua defesa em juízo e de acesso aos órgãos judiciários (art. 6º, incisos VII e VIII, do CDC).

Revela-se extreme de dúvidas que o dispositivo engendrou dois sistemas diversos de execução de sentença coletiva, um para o caso de execução individual, outro para o caso de execução também coletiva.

No caso de execução individual da sentença coletiva, levando-se em conta a vulnerabilidade do consumidor, há mais de um foro competente, inclusive o de seu próprio domicílio, ao passo que no caso de execução coletiva, há somente o foro da sentença condenatória.

Confira-se, nesse sentido, a doutrina de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin:


O § 2º do art. 98 difere a execução coletiva da individual em matéria de competência para a execução. Em relação à execução individual, prevê a competência do juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória. Trata-se de regra que deve ser interpretada, como, de resto, todo o Código, em benefício do consumidor-exequente, de modo a atender seu direito básico de facilitação de acesso à justiça (art. 6º, VIII). Assim, parece-nos que, ao mencionar os dois, o CDC determina uma faculdade ao exequente, criando norma especial em matéria processual, a qual tem preferência em relação à regra geral do art. 575, II, do CPC. Trata-se de interpretação que contempla, mais uma vez, a razão de ser do CDC em matéria de ações coletivas, que é a de oferecer uma adequada tutela ao direito de grandes contingentes de consumidores lesados em razão de uma mesma conduta ilícita do consumidor. Admitir-se a prevalência da vinculação entre o juízo competente para o processo de conhecimento e para a execução seria desnaturar a essência das ações coletivas, permitindo situações esdrúxulas como a de um consumidor lesado que tenha domicílio em Manaus, que, para ter seu direito admitido, deveria interpor a respectiva execução em Porto Alegre, na hipótese de nesta cidade ter sido interposta a ação de conhecimento.


Esta situação foi criada, é verdade, pelo veto presidencial oferecido ao art. 97, parágrafo único do Código, que permitia a dissociação entre o juízo do processo de conhecimento e o da liquidação de sentença. Tivesse prevalecido a redação aprovada no Congresso Nacional, as duas possibilidades de foro competente para a execução estariam evidenciadas: o fora da ação de conhecimento ou o da liquidação, podendo este ser distinto a critério do consumidor. Com o veto ao art. 97, é preciso interpretar o art. 98 em conformidade com o espírito do CDC, que, como insistimos repetidas vezes, tem por idéia forçar a promoção do direito de acesso do consumidor à justiça. Assim, ao permitir ambos, e considerando que, em matéria de ação coletiva, a habilitação do consumidor equivale, em termos práticos, ao exercício da pretensão, nada mais correto do que interpretar-se este artigo em conformidade com o disposto no artigo, 101, I, do CDC, que admite o foro da ação individual no domicílio do consumidor. Trata-se não apenas de uma interpretação útil, mas coerente e sistemática das disposições do Código em matéria de competência. Se, nas ações individuais, admite-se expressamente, a regra do domicílio como foro competente, com igual ou maior razão deve-se admitir também para a liquidação das ações coletivas, sob pena de o consumidor, como mencionamos, ser obrigado a promover liquidação em foro completamente estranho a qualquer do elementos de fato envolvidos na relação jurídica determinada pela conduta ilícita do fornecedor, e reconhecida pela sentença em liquidação.» (BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 1.096-1.097)

Ada Pellegrini Grinover corrobora tal entendimento:


E se execução for individual? O inc. I do § 2º dos dispositivo ligava-se aos dispositivo do parágrafo único do art. 97, que foi vetado. Este determinava que o foro competente para a liquidação da sentença poderia ser o do domicílio do liquidante, daí derivando a regra ora sub examine, no sentido de o juízo competente poder, correlatamente, ser o da liquidação da sentença ou da ação condenatória.


O fato é que, mesmo vetado o parágrafo único do art. 97, o inc. I, do § 2º do art. 98 permanece íntegro. A lei não pode conter disposições inúteis. É preciso dar conteúdo ao dispositivo em tela e a única interpretação capaz de fazê-lo parece ser aquela que, reportando-se ao disposto no art. 101, inc. I, e aplicando-o por analogia, extrai do sistema a regra de competência de foro do domicílio do liquidante, ora vetada. (GRINOVER, Ada Pellegrini[...][et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de janeiro: Forense Universitária. 2004. p. 891)

3.5. A jurisprudência deste Sodalício também sufraga tal entendimento:


RECURSO ESPECIAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA NO JULGAMENTO DE AÇÃO COLETIVA. FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE PREVENÇÃO DO JUÍZO QUE EXAMINOU O MÉRITO DA AÇÃO COLETIVA. TELEOLOGIA DOS ARTS. 98, § 2º, II E 101, I, DO CDC.


1. A execução individual de sentença condenatória proferida no julgamento de ação coletiva não segue a regra geral dos arts. 475-A e 575, II, do CPC, pois inexiste interesse apto a justificar a prevenção do Juízo que examinou o mérito da ação coletiva para o processamento e julgamento das execuções individuais desse título judicial.


2. A analogia com o art. 101, I, do CDC e a integração desta regra com a contida no art. 98, § 2º, I, do mesmo diploma legal garantem ao consumidor a prerrogativa processual do ajuizamento da execução individual derivada de decisão proferida no julgamento de ação coletiva no foro de seu domicílio.


3. Recurso especial provido.


(REsp 1.098.242/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 28/10/2010)


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RECURSO ESPECIAL. ART. 105, INCISO III, ALÍNEA «C», DA CF. COTEJO ANALÍTICO. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA. DOMICÍLIO DO AUTOR. POSSIBILIDADE.


1. Não se conhece do recurso especial, interposto com base no art. 105, inciso III, alínea «c», da CF, quando o recorrente limita-se a transcrever ementas de julgados, enfatizando trechos e argumentos que se alinham ao pleito recursal, sem providenciar, porém, o necessário cotejo analítico, a fim de demonstrar a similitude fática entre os casos decididos, na forma dos artigos 541, parágrafo único, do CPC, e 255, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes.


2. Os artigos 98, inciso I, e 101, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor, permitem que a liquidação e execução de sentença coletiva sejam feitas no domicílio do autor.


3. Não se pode obrigar os beneficiários de sentença coletiva a liquidá-la e executá-la no foro em que a ação coletiva fora processada e julgada, sob pena de inviabilizar a tutela dos seus direitos.


4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.


(REsp 1.122.292/GO, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/9/2010, DJe 4/10/2010)


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PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO COLETIVA. EXECUÇÃO INDIVIDUAL NO DOMICÍLIO DO AUTOR. FORO DIVERSO DO FORO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS LEIS 8.078/90 E 7.347/85. CONFLITO CONHECIDO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DO ESTADO DO AMAZONAS.


1. As ações coletivas lato sensu – ação civil pública ou ação coletiva ordinária – visam proteger o interesse público e buscar a realização dos objetivos da sociedade, tendo, como elementos essenciais de sua formação, o acesso à Justiça e a economia processual e, em segundo plano, mas não de somenos importância, a redução dos custos, a uniformização dos julgados e a segurança jurídica.


2. A sentença coletiva (condenação genérica, art. 95 do CDC), ao revés da sentença que é exarada em uma demanda individualizada de interesses (liquidez e certeza, art. 460 do CPC), unicamente determina que as vítimas de certo fato sejam indenizadas pelo seu agente, devendo, porém, ser ajuizadas demandas individuais a fim de se comprovar que realmente é vítima, que sofreu prejuízo e qual o seu valor.


3. O art. 98, I, do CDC permitiu expressamente que a liquidação e execução de sentença sejam feitas no domicílio do autor, em perfeita sintonia com o disposto no art. 101, I, do mesmo código, que tem como objetivo garantir o acesso à Justiça.


4. Não se pode determinar que os beneficiários de sentença coletiva sejam obrigados a liquidá-la e executá-la no foro em que a ação coletiva fora processada e julgada, sob pena de lhes inviabilizar a tutela dos direitos individuais, bem como congestionar o órgão jurisdicional.


5. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Amazonas/AM, o suscitado.


(CC 96.682/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2010, DJe 23/03/2010)


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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA. FORO QUE PROLATOU A SENTENÇA EXEQUENDA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE. ESCOLHA DO FORO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA.


1. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico de que a sentença proferida em ação civil pública (ACP) faz coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão julgador que a prolatou (art. 16 da Lei 7.347/1985, na redação dada pela Lei 9.494/1997).


2. A sentença proferida na ação civil pública proposta pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (APADECO) contra o BANCO DO BRASIL S/A teve seus efeitos estendidos, pelo Tribunal estadual, a todos os poupadores do Estado do Paraná que mantiveram contas de poupança iniciadas ou renovadas até 15.06.87 e 15.01.89.


3. A Terceira Turma deste Sodalício, levando em consideração os efeitos da sentença proferida na aludida ação, bem como aplicando os princípios da instrumentalidade das formas e do amplo acesso à Justiça, passou a entender não haver obrigatoriedade das execuções individuais serem propostas no mesmo Juízo ao qual distribuída a demanda coletiva, podendo o consumidor fazer uso do foro da comarca de seu domicílio.


4. Agravo regimental a que se nega provimento.


(AgRg no Ag 633.994/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 24/06/2010)


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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EFICÁCIA TERRITORIAL DA SENTENÇA. EXECUÇÕES INDIVIDUAIS DO TÍTULO. JUÍZO COMPETENTE.


I - A orientação fixada pela jurisprudência sobranceira desta Corte é no sentido de que a decisão proferida no julgamento de Ação Civil Pública faz coisa julgada nos limites da competência territorial do órgão que a prolatou.


II - Dessa forma, se o órgão prolator da decisão é o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, cumpre concluir que o acórdão tem eficácia em toda a extensão territorial daquela unidade da federação. Por outro lado, a eficácia subjetiva do aresto, estendeu-se à todos os poupadores do Estado que mantinham contas de poupança junto ao réu.


III - Considerando o princípio da instrumentalidade das formas e do amplo acesso à Justiça, desponta como um consectário natural dessa eficácia territorial a possibilidade de os agravados, consumidores titulares de direitos individuais homogêneos, beneficiários do título executivo havido na Ação Civil Pública, promoverem a liquidação e a execução individual desse título no foro da comarca de seu domicílio. Não há necessidade, pois, que as execuções individuais sejam propostas no Juízo ao qual distribuída a ação coletiva.


IV- Agravo Regimental improvido.


(AgRg no REsp 755.429/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 18/12/2009)


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Finalmente, é importante ressaltar que a Lei 11.323/05, que acrescentou o art. 475-P ao CPC, no desiderato de facilitação e incremento de efetividade do processo de execução, franqueou ao vencedor optar, para o pedido de cumprimento de sentença, «pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado» (art. 475-P, parágrafo único, do CPC).

3.6. Com efeito, como ocorreu no caso dos autos, pode o consumidor ajuizar a liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública no foro do seu próprio domicílio, e não se há falar em limites territoriais da coisa julgada, como argumenta o recorrente.

Aduz o recorrente, nesse ponto, que o alcance territorial da coisa julgada se limita à comarca na qual tramitou a ação coletiva, mercê do art. 16 da Lei das Ações Civis Públicas ( Lei 7.347/85), verbis:


Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Tal interpretação, uma vez mais, esvazia a utilidade prática da ação coletiva, mesmo porque, cuidando-se de dano de escala nacional ou regional, a ação somente pode ser proposta na capital dos Estados ou no Distrito Federal (art. 93, inciso II, CDC). Assim, a prosperar a tese do recorrente, o efeito erga omnes próprio da sentença estaria restrito às capitais, excluindo todos os demais potencialmente beneficiários da decisão.

A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os «efeitos» ou a «eficácia» da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é «efeito» ou «eficácia» da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la «imutável e indiscutível».

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os «limites da lide e das questões decididas» (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

A questão principal, portanto, é de alcance objetivo («o que» se decidiu) e subjetivo (em relação «a quem» se decidiu), mas não de competência territorial.

Pode-se afirmar, com propriedade, que determinada sentença atinge ou não esses ou aqueles sujeitos (alcance subjetivo), ou que atinge ou não essa ou aquela questão fático-jurídica (alcance objetivo), mas é errôneo cogitar-se de sentença cujos efeitos não são verificados, a depender do território analisado.

Nesse sentido é o magistério de Rodolfo de Camargo Macuso, alinhando-se às ácidas críticas de Nelson Nery e José Marcelo Menezes Vigilar:


Qualquer sentença proferida por órgão do Poder Judiciário pode ter eficácia para além de seu território. Até a sentença estrangeira pode produzir efeitos no Brasil, bastando para tanto que seja homologada pelo STF [agora STJ]. Assim, as partes entre as quais foi dada a sentença estrangeira são atingidas por seus efeitos onde quer que estejam no planeta Terra. Confundir jurisdição e competência com limites subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito.

Com efeito, o problema atinente a saber quais pessoas ficam atingidas pela imutabilidade do comando judicial insere-se na rubrica dos limites subjetivos desse instituto processual dito «coisa julgada», e não sob a óptica de categorias outras, como a jurisdição, a competência, a organização judiciária. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 322-323)

A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual «a eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário» (REsp 293.407/SP, Quarta Turma, confirmado nos EREsp. 293.407/SP, Corte Especial), em hora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual objetivado na lide.

Caso contrário, «esse diferenciado regime processual não se justificaria, nem seria eficaz, e o citado interesse acabaria privado de tutela judicial em sua dimensão coletiva, reconvertido e pulverizado em multifárias demandas individuais» (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit. p. 325), «atomizando» as lides na contramão do moderno processo de «molecularização» das demanas.

Com efeito, como se disse anteriormente, por força do art. 21 da Lei 7.347/85, o Capítulo II do Título III do CDC e a Lei das Ações Civis Públicas formam, em conjunto, um microssistema próprio do processo coletivo, seja qual for a sua natureza, consumerista, ambiental ou administrativa.

Assim, com o propósito também de contornar a impropriedade técnico-processual cometida pelo art. 16 da LACP, a questão relativa ao alcance da sentença proferida em ações coletivas deve ser equacionada de modo a harmonizar os vários dispositivos aplicáveis ao tema.

Nessa linha, o alcance da sentença proferida em ação civil pública deve levar em consideração o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor acerca da extensão do dano e da qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo.

O norte, portanto, deve ser o que dispõem os arts. 93 e 103 do CDC, verbis:


Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:


I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;


II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.


Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:


I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;


II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;


III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.


§ 1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.


§ 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.


§ 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.


§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Portanto, se o dano é de escala local, regional ou nacional, o juízo competente para proferir sentença, certamente, sob pena de ser inócuo o provimento, lançará mão de comando capaz de recompor ou indenizar os danos local, regional ou nacionalmente, levados em consideração, para tanto, os beneficiários do comando, independentemente de limitação territorial.

Esse também é o entendimento de Ada Pellegrini Grinover:


De início, os tribunais não perceberam o verdadeiro alcance da coisa julgada erga omnes, limitando os efeitos da sentença e das liminares segundo critérios de competência. Logo afirmamos não fazer sentido, por exemplo, que ações em defesa dos interesses individuais homogêneos dos pensionistas e aposentados da Previdência Social ao recebimento da diferença de 147% fossem ajuizadas nas capitais dos diversos Estados, a pretexto dos limites territoriais dos diversos órgãos da justiça federal. O problema não é de competência: o juiz federal, competente para processar e julgar a causa, emite um provimento (cautelar ou definitivo) que tem eficácia erga omnes, abrangendo todos os aposentados e pensionistas do Brasil. Ou a demanda é coletiva, ou não o é; ou a coisa julgada é erga omnes, ou não o é. E se o pedido for efetivamente coletivo, haverá uma clara relação de litispendência entre as várias ações juizadas nos diversos Estados da Federação.


Por isso, sustentamos que a limitação operada por certos julgados afronta o art. 103, CDC, e despreza a orientação fornecida pelo art. 91, II, por onde se vê que a causa que verse sobre a reparação de danos de âmbito nacional ou regional deve ser proposta no foro da capital do Estado ou no Distrito Federal, servindo, evidentemente, a decisão para todo o território nacional. Esse dispositivo aplica-se aos demais casos de interesses que alcancem grupos e categorias de indivíduos, mais ou menos determináveis, espalhados pelo território nacional. (GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 942)

Embora estacionada a jurisprudência em sentido contrário, houve precedentes a sufragar o entendimento ora proposto, o qual se retoma nesta oportunidade:


Processo civil e direito do consumidor. Ação civil pública. Correção monetária dos expurgos inflacionários nas cadernetas de poupança.


Ação proposta por entidade com abrangência nacional, discutindo direitos individuais homogênios. Eficácia da sentença. Ausência de limitação. Distinção entre os conceitos de eficácia da sentença e de coisa julgada. Recurso especial provido.


- A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogênios surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa.


- A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador.


- O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses.


Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 411.529/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/06/2008, DJe 05/08/2008)


_________________________


PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE - POSSIBILIDADE - EFEITOS.


[...]


3. O efeito erga omnes da coisa julgada material na ação civil pública será de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a indivisibilidade do dano ou ameaça de dano, atuando no plano dos fatos e litígios concretos, por meio, principalmente, das tutelas condenatória, executiva e mandamental, que lhe asseguram eficácia prática, diferentemente da ação declaratória de inconstitucionalidade, que faz coisa julgada material erga omnes no âmbito da vigência espacial da lei ou ato normativo impugnado.


4. Recurso especial provido.


(REsp 557646/DF, Rel. MIN. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2004, DJ 30/06/2004, p. 314)


_________________________

Finalmente, embora haja doutrina e precedentes que, para contornar o art. 16 da LACP, aduzam que o dispositivo somente possui operância quando se tratar de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, sendo inaplicável a direitos individuais homogêneos, o fato é que - para os direitos difusos e coletivos em sentido estrito - é que está a maior dificuldade de aplicação da norma, porquanto supõem, por definição, titulares indeterminados ou indetermináveis, ligados por circunstâncias de fato, sendo imprópria a cisão dos efeitos da sentença em razão de alegada limitação territorial.

Esse é, por exemplo, o magistério de Teori Albino Zavascki, citado por Mancuso, para quem, no caso de direitos difusos e coletivos stricto sensu:


[...] não há como cindir territorialmente a qualidade da sentença ou da relação jurídica nela certificada. Observe-se que, tratando-se de direitos transindividuais, a relação jurídica litigiosa, embora com pluralidade indeterminada de sujeitos no pólo ativo, é única e incindível (indivisível). Como tal, a limitação territorial da coisa julgada é, na prática, ineficaz em relação a ela. Não se pode circunscrever territorialmente (circunstância do mundo físico) o juízo de certeza sobre a existência ou a inexistência ou o modo de ser de relação jurídica (que é fenômeno do mundo dos pensamentos). (Apud. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 320).

Enfim, por todos esses motivos, a tese recursal não pode ser acolhida para limitar o foro em que tramitará o cumprimento individual de sentença proferida em ação civil pública. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (127.6691.2000.0100) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Recurso especial repetitivo (Jurisprudência)
▪ Ação civil pública (Jurisprudência)
▪ Recurso representativo de controvérsia (Jurisprudência)
▪ Consumidor (Jurisprudência)
▪ Direitos metaindividuais (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Expurgos inflacionários (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Execução (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Liquidação individual (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Competência (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Foro competente (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Sentença coletiva (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Limitação territorial (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Limitação aos associados (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Coisa julgada (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ CPC, art. 468
▪ CPC, art. 472
▪ CPC, art. 474
▪ CPC, art. 543-C
▪ CDC, art. 93
▪ CPC, art. 103
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