Jurisprudência em Destaque

STJ. 2ª Seção. Responsabilidade civil. Consumidor. Prestação de serviços. Erro médico. Negligência. Indenização. Responsabilidade solidaria. Solidariedade do hospital. Hipóteses. Contrato de resultado. Contrato de meios. Amplas considerações do Min. João Otávio de Noronha sobre o tema. CDC, art. 14. CCB/2002, arts. 186 e 932, IV.

Postado por Emilio Sabatovski em 20/12/2012
«... A doutrina tem se posicionado no sentido de que a responsabilidade médica empresarial, no caso de hospitais, é objetiva, indicando o § 1º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor como a norma que assim o estabelece:


«Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.


§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:


I - o modo de seu fornecimento;


II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;


III - a época em que foi fornecido.».

Com base em tal dispositivo, se há prestação de serviços defeituosos, responde por eles o fornecedor.

Em se tratando de responsabilidade atribuída a hospitais, cabe impor um divisor para aplicação dessa teoria, ou seja, deve-se avaliar se o serviço tido por defeituoso se inseria entre aqueles de atribuição da entidade hospitalar. Melhor elucido a seguir.

Um hospital é grande prestador de serviços, que conta com extenso corpo de profissionais, visando curar e salvar vidas ou torná-las mais qualitativas. Dessa forma, constatado algum defeito na prestação de serviços que resulte em danos, cabe a responsabilização do hospital, segundo a tese ora discutida.

Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra «Programa de Responsabilidade Civil». (fls. 383/384), cita, a título de exemplo, algumas ocorrências que poderiam levar à responsabilização dos hospitais, detendo-se mais às hipóteses de infecção hospitalar, como contaminação ou infecção em serviços de hemodiálise. Em casos tais, é certo que houve falha na prestação de serviços hospitalares, tendo em vista a falta de cuidados especiais que evitariam tais ocorrências.

Podem ser citados outros exemplos, como a aplicação de remédios equivocados por parte do corpo de enfermagem, negligência na vigilância e observação da qual decorram danos aos pacientes internados, instrumentação cirúrgica inadequada ou danificada, realização de exames etc. Nesses casos, o defeito é decorrente da falha na prestação do serviço cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital.

Todavia, o mesmo não se pode dizer quando se está frente a uma conseqüência gerada por serviços de atribuição técnica restrita ao médico (mormente quando o profissional não tem nenhum tipo de vínculo com a entidade hospitalar), tal como na hipótese dos autos, em que a causa da lesão nos nervos da perna esquerda da autora decorreu de lesão sofrida em conseqüência da cirurgia de varizes realizada por um dos médicos requeridos.

Inexiste falha nos serviços de incumbência do hospital, tanto que a acusação imposta pela autora da ação residiu na imperícia médica. Confira-se:


«2. No entanto, o Dr. Pedro Ramos da Silva, naquele dia, somente chegou ao hospital por volta das 22:00 hs, iniciando desde logo seu trabalho, que realizou com toda velocidade, visto que das 22:00 hs até as 3:00 hs do outro dia, num período de apenas cinco horas, fez cirurgia em oito mulheres, inclusiva a Requerente.


3. Devido a esta precipitação ou pressa, a cirurgia efetuada na Autora não foi bem sucedida. Isto porque, na extração das varizes, por imperícia ou negligência, lhe foram seccionados ou lesionados os nervos da perna, como relatam os especialistas[...]


[...]


4. Devido às lesões provocadas nos nervos da pena, a Autora perdeu o movimento normal desse membro, é o que dizem em resumo os exames». (fls. 3/4).

Diante desses fatos, não se pode dizer que o acórdão recorrido tenha ofendido as disposições do § 1º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto inequívoco que a seqüela apresentada pela autora não decorreu de nenhum serviço de atribuição da entidade hospitalar, razão por que não se lhe pode atribuir a condição de fornecedor a fim de imputar-lhe a responsabilidade pelo dano.

Há outra vertente acerca da questão da responsabilidade objetiva que merecer ser analisada.

II

Data vênia de entendimentos contrários, não posso entender que a responsabilidade civil dos hospitais quanto às atividades desenvolvidas por médicos, independentemente do vínculo de subordinação destes, seja objetiva, pois estar-se-ia abraçando a tese de que o contrato estabelecido entre médico e paciente é de resultado, visto que, em última análise, o hospital estaria garantindo o resultado que o médico não pode assegurar.

Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual – vínculo estabelecido entre o médico e paciente – refere-se ao emprego da melhor técnica e diligência, entre as possibilidades de que dispõe o profissional no seu meio de atuação, em auxílio do paciente. Todavia, a cura em si mesma não constitui objeto deste ajuste em razão da imprevisibilidade do funcionamento do corpo humano. Não se sabe como ele irá reagir. As intervenções cirúrgicas, mesmo quando inevitáveis, podem envolver altos riscos.

Não se pode olvidar que, mesmo que os profissionais envolvidos empreguem toda sua diligência no ato cirúrgico, ainda assim o organismo do paciente pode reagir de forma inesperada. Muitas dessas reações não podem ser previstas antes da intervenção.

Dessa forma, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico (exceto quando se tratar de cirurgia estética), fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, outra não pode ser a teoria da responsabilidade que não a subjetiva, devendo-se averiguar se houve culpa do profissional.

Contudo, se, na ocorrência de dano, tal como a que sucedeu nos presentes autos, impõe-se ao hospital que responda objetivamente, em última análise, estar-se-á aceitando que o contrato firmado seja de resultado, pois, como afirmado acima, se o médico não garante o resultado, o hospital garantirá. Isso leva ao seguinte absurdo: na hipótese de intervenção cirúrgica, ou o paciente sai curado ou será indenizado – daí um contrato de resultado firmado às avessas da legislação.

E nem se diga sobre a teoria do risco empresarial, pois qualquer intervenção médica, por menor que seja, inclui riscos não detectáveis.

É compreensível que a teoria da responsabilidade objetiva empresarial médica venha em decorrência das efetivas mudanças que ocorreram na sociedade nas últimas décadas, entre elas o avanço tecnológico na área médica e o aumento da população assistida, seja saúde pública ou privada.

Há não muito tempo, a medicina era praticamente uma arte, a arte de curar. Médicos de família acompanhavam os indivíduos por toda a vida e também seus descendentes. Conseguiam diagnosticar uma doença tocando o corpo do paciente, considerando o histórico da pessoa, suas tendências e propensões. Curava-se valorizando o indivíduo.

Todavia, essa realidade cedeu lugar à medicina empresarial, na qual o atendimento pessoal é substituído pelo atendimento de massa, impessoal.

Mas não se pode fugir à realidade ainda vivenciada no Brasil, em que, a par da existência de algumas empresas médicas, nos quais os serviços médicos são apenas um meio de atingir o fim de obter lucros (mais atinente ao segmento de diagnósticos), têm-se, em larga escala, os hospitais públicos, nos quais a intenção de lucro não existe e onde os médicos trabalham premidos entre a falta de tecnologia, tempo e a necessidade de atender a um número expressivo de pessoas. Também não se pode olvidar da existência de hospitais tradicionais, que, não obstante sejam organizados empresarialmente, não perdem de vista o objetivo de prestação de serviços médicos, o fim de melhorar a vida do paciente e, em última análise, o fim de curar.

Data venia, não é o fato de os hospitais terem um mínimo de organização que poderão ser inseridos «numa complexa cadeia de produção e circulação de bens e serviços». (voto da Relatora) que atraia as disposições do Código de Defesa do Consumidor, a exemplo do que ocorre com o fornecedor de produtos para o consumo de massa. Não há comparação entre um hospital e um fabricante, por exemplo, de sucos industrializados. A atividade hospitalar não é econômica e não se volta para isso.

Trata-se de atividade organizada sim, mas não vislumbro nela nenhuma relação de consumo, não há interesses econômicos imediatos em jogo. Ou se poderia classificar o hospital como um fornecedor do produto saúde aos consumidores doentes?

Também o fato de receber remuneração pela locação de espaço físico não faz do hospital solidariamente responsável por danos causados por imperícia médica. O lucro é necessário, sob pena de inviabilizar a atividade (até mesmo em razão da nossa organização social), mas ele não é um fim em si mesmo.

Nessa perspectiva, vejo na teoria da responsabilidade objetiva empresarial médica, nas hipóteses de dano decorrente de erro médico, uma forma de assegurar ao paciente indenização sob qualquer circunstância, pois, se o dano decorre de evidente erro médico, condena-se o hospital solidariamente de forma a garantir ao paciente o recebimento de indenização. Se ocorre dano e não se evidencia erro médico, ou não se consegue comprová-lo, o paciente será indenizado, porque o hospital responderá objetivamente. De uma forma ou de outra, ele será sempre indenizado.

No voto da ilustre Relatora, restou esclarecido que, no caso em exame, a cirurgia foi realizada nas dependências do hospital recorrente e que este forneceu medicamentos e equipe de enfermagem. Ocorre, porém, que o dano à autora da ação decorreu da imperícia do cirurgião, unicamente. Não se falou em infecção hospitalar nem de imperícia dos serviços de enfermagem, nem mesmo instrumentação cirúrgica. Portanto, inexiste nexo causal entre o dano e a prestação de serviços do hospital, mas tão-somente do médico, que não era empregado do referido hospital.

A doutrina, para justificar a responsabilidade objetiva do hospital, sustenta-se nas disposições do art. 932, IV, do Código Civil. Verbis:


«Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:


[...]


IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;»

Atualmente tem-se remetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor, § 1º do art. 14, como sendo a norma sustentadora de tal responsabilidade. Ocorre que – e aqui também concluo o item I acima exposto –, na hipótese dos autos, não se está diante de falha de serviços de atribuição do hospital, tais como as que indiquei (instrumentação cirúrgica, higienização adequada, vigilância, ministração de remédios etc), mas diante de conseqüências atinentes a ato cirúrgico de responsabilidade exclusiva médica, de profissional sem nenhum vínculo com o hospital recorrente.

Nesse sentido já decidiu a Quarta Turma quando do julgamento do Recurso Especial 351.178-SP, cujo acórdão ainda não foi publicado.

Portanto, não há por que falar em prestação de serviços defeituosos a ensejar a reparação de danos pelo hospital.

III

Quanto ao fato de inexistir vínculo de emprego entre o médico cirurgião e o hospital, não resta dúvida nos autos. Não obstante, os fundamentos do acórdão recorrido para vincular a prestação de serviço do médico com o hospital estão embasados no seguinte (fls. 359/360):


«Ademais, são atribuições do diretor clínico conforme a Resolução 011/95 da CREMESC: a) dirigir, coordenar e orientar o Corpo Clínico da Instituição; b) supervisionar a execução das atividades de assistência médica da instituição; c) zelar pela fiel observância do Código de Ética Medica; d) promover e exigir o exercício ético da medicina.


Assim, verifica-se que a aceitabilidade dos médicos para o exercício de sua profissão no interior dos hospitais depende diretamente do corpo médico e dos diretores de estabelecimentos, mesmo que inexista vínculo contratual ou relação de emprego.».

Os hospitais normalmente mantêm cadastros dos médicos que de suas instalações se utilizam para realização de cirurgias. Tal procedimento é indispensável, pois não se pode pretender que o hospital forneça suas instalações a qualquer um que se apresente como médico especializado em cirurgia.

Todavia, isso não confere ao hospital a atribuição de fiscalizar os serviços prestados pelos médicos que lá operam, e a isso não se reporta a Resolução 11/95, citada no acórdão recorrido. Inexiste, tanto por parte do hospital como de seu corpo clínico, ingerência no trabalho do cirurgião – o que seria um absurdo, pois não se pode pensar que o hospital obrigue o médico a seguir sua orientação e seus métodos operatórios.

Aliás, tais hipóteses, se ocorrentes, feririam a ética profissional, que não admite a intervenção técnica nos serviços do cirurgião, sob pena de, inclusive, colocar em risco a segurança do paciente, ante as divergências que fatalmente surgiriam.

Portanto, não houve intermediação do ente hospitalar. In casu, certo que o médico cirurgião, Pedro Augusto Ramos da Silva, não tinha nenhum tipo de vínculo com o hospital São Lourenço, apenas se serviu de suas instalações para a realização de cirurgias.

Assim, não tendo o médico em questão prestado quaisquer serviços no interesse ou sob as ordens do hospital, não há por que falar em responsabilidade do nosocômio quanto ao sucesso da cirurgia questionada nos autos. ...» (Min. João Otávio de Noronha).»

Doc. LegJur (128.5124.6000.1000) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Responsabilidade civil (Jurisprudência)
▪ Consumidor (Jurisprudência)
▪ Prestação de serviços (Jurisprudência)
▪ Médico (Jurisprudência)
▪ Erro médico (Jurisprudência)
▪ Negligência (v. ▪ Erro médico) (Jurisprudência)
▪ Indenização (v. ▪ Erro médico) (Jurisprudência)
▪ Responsabilidade solidaria (v. ▪ Hospital) (Jurisprudência)
▪ Solidariedade (v. ▪ Hospital) (Jurisprudência)
▪ Contrato de resultado (v. ▪ Médico) (Jurisprudência)
▪ Contrato de meios (v. ▪ Médico) (Jurisprudência)
▪ CDC, art. 14
▪ CCB/2002, art. 186
▪ CCB/2002, art. 932, IV
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