Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 134.7424.2000.4000

1 - STJ Responsabilidade civil. Consumidor. Estacionamento de veículos. Banco. Roubo armado de cliente que acabara de efetuar saque em agência bancária. Responsabilidade civil do estacionamento. Alcance. Limites. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. CCB/2002, art. 186 e CCB/2002, art. 927, parágrafo único. CDC, art. 14.

«... Cinge-se a lide a determinar a responsabilidade de estacionamento de veículos por assalto sofrido pelo cliente nas dependências do estabelecimento, quando retornava de agência bancária onde havia efetuado saque de valores, com subtração do numerário e de outros pertences. ... ()

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Comentário:

Trata-se de decisão da 3ª Turma do STJ, relatado pela Minª. Nancy Andrighi, Julgada em 02/04/2013, DJ 10/04/2013, [Doc. LegJur 134.7424.2000.4000].

A controvérsia gira em torno de definir os limites e o alcance da responsabilidade civil do estacionamento de veículo particular e desvinculado de banco por assalto sofrido por consumidor com subtração de valores e outros pertences, quando retornava da instituição financeira onde havia feito saque de dinheiro. A corte entendeu inexistir a responsabilidade do estacionamento desvinculado da instituição financeira por assalto sofrido pelo cliente desta instituição nas dependências do estacionamento e o fez distinguindo da outra hipótese em que o estacionamento é oferecido pela própria instituição bancária. 

Para tanto vale recordar as palavras da Minª. Nancy Andrighi:

[...]. Acrescente-se, por oportuno, que em se tratando de estacionamento oferecido por instituição financeira, o roubo armado não caracteriza caso fortuito apto a afastar o dever de indenizar, tendo em vista a previsibilidade de ocorrência desse tipo de evento no âmbito da atividade bancária, cuidando-se, pois, de risco inerente ao seu negócio.

Na hipótese específica dos autos, entretanto, verifica-se que, de acordo com a sentença – integralmente mantida pelo acórdão recorrido – o local onde ocorreu ou assalto “se trata de estacionamento privado não ligado a qualquer outra atividade, para que se sustente que serve como atrativo de clientela” (fl. 59, e-STJ).

Constata-se, portanto, ter o recorrente deixado o seu veículo em estacionamento particular e autônomo, absolutamente independente e desvinculado da agência bancária, de maneira que não se lhe pode imputar a responsabilidade pela segurança individual do cliente, tampouco pela proteção de numerário e pertences que carregava consigo, elementos não compreendidos no contrato firmado entre as partes, que abrangeu exclusivamente o depósito do automóvel.

Em situações como esta, o estacionamento se responsabiliza apenas pela guarda do veículo, não sendo razoável lhe impor o dever de garantir a segurança do usuário, sobretudo quando este realiza operação sabidamente de risco, consistente no saque de valores em agência bancária.

Até porque, como bem destacado pelo Juiz de primeiro grau de jurisdição, nesse caso o estacionamento consiste na própria atividade fim da empresa, e não num serviço assessório prestado apenas para cativar os clientes.

Ainda que o usuário, no seu subconsciente, possa imaginar que parando o seu veículo em estacionamento privado estará protegendo, além do seu veículo, também a si próprio – dada a menor probabilidade de vir a ser assaltado – a responsabilidade do estabelecimento não pode ultrapassar o dever contratual de guarda do automóvel, sob pena de se extrair do instrumento consequências que vão além daquelas vislumbradas pelas partes, com clara violação do pacta sunt servanda.

Não se trata, aqui, de resguardar os interesses da parte hipossuficiente da relação de consumo, mas de assegurar ao consumidor apenas aquilo que ele legitimamente poderia esperar do serviço contratado, no caso a guarda de veículo.

[...].» (Minª. Nancy Andrighi).»

Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito este julgado é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito e estar bem fundamentada pela Minª. Nancy Andrighi. Tudo de forma didática, clara, fácil e de prazerosa leitura como é da tradição da ministra relatora.

PENSE NISSO

Esta decisão permite, principalmente ao estudante de direito, interagir com pessoas reais, problemas reais e que requerem soluções reais, mas também introduz o estudante num novo mundo que é a hermenêutica jurídica, onde são necessárias análises de diversos dispositivos legais e constitucionais cada um tendo uma relevância própria que deve ser devidamente analisada pelo interprete para que ao final possa ser entregue uma prestação jurisdicional integral que o jurisdicionado merece e reclama, principalmente ser justa e portar aval da Constituição e por óbvio, quando se fala em aval constitucional deve ser primeiramente desembarcado da Constituição o lixo ideológico que a nega, não custa lembrar que o desembarque do lixo ideológico é, também, uma questão de hermenêutica jurídica, histórica e filosófica e não de ortografia, gramática ou de análise sintática.

É bom sempre lembrar que não há advocacia, não há jurisdição, não há cidadania, não há democracia, não há um modo democrático de vida, enfim não há nada sem o respeito incondicional às pessoas e as suas necessidades e dificuldades. O respeito incondicional às pessoas é modo democrático de viver, e não há alternativas para ele. Num ambiente democrático as instituições públicas e privadas prestam serviços ao cidadão, que é seu cliente, ou até mesmo um paciente. Esta é uma questão de servir ao cidadão e não se servir dele. A sociedade está tão complexa que é impossível um cidadão dispensar ajuda profissional e ela existe em todas as atividades humanas e a jurisdição e a advocacia é apenas mais uma instituição que está a disposição do cidadão para servi-lo, lembre-se servi-lo. Nada indica que a sociedade no futuro fique menos complexa, daí a necessidade do profissional do direito qualificar-se para prestar um serviço de qualidade ao cliente e consumidor, pois é neste serviço de qualidade que reside a sua própria sobrevivência como cidadão e pessoa. 

Devemos sempre lembrar, principalmente ao estudante de direito, que o advogado como depositário da confiança do constituinte é o árbitro natural para resolução das controvérsias e o seio privado é seu foro adequado, demitir-se deste compromisso é abdicar de parcela fundamental da advocacia e da jurisdição, abdicar do compromisso natural de encontrar uma solução justa e aceitável para o constituinte é compromissar-se com a litigância compulsiva que é desnecessária, cara, opressiva, antidemocrática, além de se protrair pela eternidade, mas não é só, tem mais, a litigância compulsiva é o vetor da discórdia, do ódio, do ressentimento eterno entre as pessoas, enfim este paradigma da negação da advocacia não consulta o interesse público e nem o interesse privado de ninguém. Superar este obstáculo exige que todos assumam compromissos mais sérios, construtivos e democráticos, e o principal deles é servir e respeitar incondicionalmente as pessoas. Portanto, encher-se de indumentárias, olhar as pessoas de cima para baixo, é simplesmente opressão e está muito longo da ideia e do compromisso da prestação de serviços ao cidadão que é da natureza de uma sociedade democrática e pluralista. 

Este caso, como muitos outros, bem que poderiam ser decididos, ou melhor, arbitrados, no seio privado, pelos advogados que representam as partes e como estão muito mais próximos delas estão mais habilitados a fazê-lo. Esta confiança depositada no advogado que impõe e legitima esta obrigação. Demitir-se desta obrigação é demitir-se da advocacia.

Arbitrar os conflitos naturais que surgem entre as pessoas que recorrem aos advogados é um compromisso fundamental da advocacia, dado que esta é uma relação, como muitas outras, ela protrai pelo tempo, e é muito importante para o cidadão ter um advogado de confiança, da mesma forma que é importante ter um médico ou um dentista de confiança. A confiança é a eterna fonte da legitimidade e da obrigação. Arbitrar com seriedade os conflitos é permitir que as pessoas possam seguir com dignidade sua vida junto com sua família e em sociedade. Como dito, ajudar as pessoas a resolverem pacificamente seus problemas, arbitrando as controvérsias, se necessário, é consequência natural da atividade da advocacia e do imprescindível respeito incondicional que é devido às pessoas.

Pense muito nisso, principalmente se você é um estudante de direito e ainda mantém vivo algum sonho e está comprometido a futuramente substituir com melhor qualidade uma geração que parecer não ter nada realmente importante para as deixar para aqueles que estão chegando.

Acredite, são os sonhos que sustentam a vida, o suor e o trabalho duro é que produzem riquezas. Portanto, não há vida sem sonhos, nem há parto sem dor e nem riqueza sem suor e sem lágrimas. 

Prestar um serviço de qualidade não é apenas uma questão de certo ou errado é fundamentalmente um bom negócio, pois esta prestação de serviços de qualidade, se prestada com seriedade e da forma esperada, é, e será por todo o sempre uma fonte eterna de recursos, principalmente financeiros, para que cada profissional possa com dignidade viver com sua família. 

Não há alternativas, somente o trabalho duro e o suor são capazes de legitimamente depositar o pão e o alimento na mesa e todos e todos os dias e proporcionar ainda o conforto e a tranquilidade tão necessários para uma vida de qualidade. O Direito é uma questão fundamental de valores.

Pois bem, pense muito nisso.