Jurisprudência em Destaque

STJ. 6ª T. Habeas corpus. Falsificação de documento. Uso de documento falso praticados pelo próprio agente. Crime único. Ofensa à fé pública consubstanciada no momento da falsificação. Uso. Post factum impunível. Pena. Substituição da sanção corporal por medidas restritivas de direito. Considrações do Min. Og Fernandes sobre o tema. CP, arts. 43, 297 e 304.

Postado por Emilio Sabatovski em 15/01/2012
... Com efeito, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o agente que pratica as condutas de falsificar e de usar o documento falsificado deve responder por apenas um delito (vide Celso Delmanto, in Código Penal Comentado, 5ª ed., p. 542). A divergência está em saber em que tipo penal – se falsificação de documento público ou uso de documento falso – estará ele incurso. Aqui a doutrina se divide, consoante destaca o saudoso Mirabete, em seu Código Penal Interpretado, 6ª ed., p. 2.313.

Para Guilherme de Souza Nucci, a prática dos dois delitos pelo mesmo agente implica no reconhecimento de um autêntico crime progressivo, ou seja, falsifica-se algo para depois usar (crime-meio e crime-fim). Deve o sujeito responder somente pelo uso de documento falso (Código Penal Comentado, 8ª ed., p. 1010).

De sua vez, Damásio E. de Jesus, in Código Penal Anotado, 18ª ed., pp. 944/945, preleciona que ao autor se atribui apenas a falsificação. Confira-se:


Nossa posição: a unidade complexa que, segundo a doutrina, é considerada uma só conduta, composta de duas ações simples (falsificar e usar o documento), apresenta os requisitos exigidos para que, na progressão criminosa, seja aplicado o princípio do post factum impunível: unidade de objeto material, ofensa ao mesmo bem jurídico (fé pública), de titularidade do mesmo sujeito passivo (o Estado). O delito de falso possui a potencialidade lesiva que o uso do objeto material procura concretizar. Consumado o falso, o sujeito realiza o fato posterior do uso, atingindo o mesmo bem jurídico e do mesmo sujeito passivo, procurando tirar proveito da conduta antecedente, mas sem usar ofensa jurídica diversa. Há, pois, um só delito: o de falso. Não se trata de crime progressivo, uma vez que este exige unidade simples de comportamento. [com destaques]

Esse último entendimento é sufragado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; isto é, se o mesmo sujeito falsifica e, em seguida, usa o documento falsificado, responde apenas pela falsificação. A exemplo, os julgados consubstanciados nas seguintes ementas:


HABEAS CORPUS - FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO - FATO DELITUOSO, QUE, ISOLADAMENTE CONSIDERADO, NÃO OFENDE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO FEDERAL, DE SUAS AUTARQUIAS OU DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL - RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DO CRIME TIPIFICADO NO ART. 297 DO CP - USO POSTERIOR, PERANTE REPARTIÇÃO FEDERAL, PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO, DO DOCUMENTO POR ELE MESMO FALSIFICADO - POST FACTUM NÃO PUNÍVEL - CONSEQÜENTE FALTA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, CONSIDERADO O CARÁTER IMPUNÍVEL DO USO POSTERIOR, PELO FALSIFICADOR, DO DOCUMENTO POR ELE PRÓPRIO FORJADO - ABSORÇÃO, EM TAL HIPÓTESE, DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304) PELO DELITO DE FALSIFICAÇÃO DOCUMENTAL (CP, ART. 297, NO CASO), DE COMPETÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO PODER JUDICIÁRIO LOCAL - PEDIDO INDEFERIDO.


- O uso dos papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da falsificação, configura post factum não punível, mero exaurimento do crimen falsi, respondendo o falsário, em tal hipótese, pelo delito de falsificação de documento público (CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de falsificação de documento particular (CP, art. 298). Doutrina. Precedentes (STF).


- Reconhecimento, na espécie, da competência do Poder Judiciário local, eis que inocorrente, quanto ao delito de falsificação documental, qualquer das situações a que se refere o inciso IV do art. 109 da Constituição da República.


- Irrelevância de o documento falsificado haver sido ulteriormente utilizado, pelo próprio autor da falsificação, perante repartição pública federal, pois, tratando-se de post factum impunível, não há como afirmar-se caracterizada a competência penal da Justiça Federal, eis que inexistente, em tal hipótese, fato delituoso a reprimir.


- (HC nº 84.533-9, Relator o Ministro Celso de Mello, DJE de 30/6/2004)


- FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO PELO PRÓPRIO FALSIFICADOR.


- O USO DE DOCUMENTO FALSO PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO CONFIGURA UM SÓ CRIME: O DO ART. 297 DO CÓDIGO PENAL. HABEAS CORPUS DEFERIDO PARA CASSAR-SE A CONDENAÇÃO REFERENTE AO ART. 304 DO MESMO CÓDIGO.


- (HC nº 58.611-2, Relator o Ministro Soares Muñoz, DJ de 8/5/1981)


- HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO DE PACIENTE, COMO INCURSO NOS CRIMES DE FALSIDADE DOCUMENTAL E USO DE DOCUMENTO FALSO, EM CONCURSO MATERIAL (CÓDIGO PENAL, ARTS. 297, PAR-2., 304 E 51). O USO DO DOCUMENTO FALSO, PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO, CONFIGURA UM SÓ CRIME: O DO ART-297 DO DIPLOMA PENAL. CONCESSÃO PARCIAL DO HABEAS CORPUS, PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO PELO DELITO DE USO DO DOCUMENTO FALSO, PERMANECENDO, TÃO SÓ, A PENA RELATIVA A INFRAÇÃO DO ART-297, PAR-2., DO CÓDIGO PENAL. TENDO EM CONTA QUE A SENTENÇA FIXOU AS PENAS, NO MINIMO LEGAL, DE CADA TIPO, REDUZ-SE, NO CASO, A PENA IMPOSTA PARA DOIS ANOS DE RECLUSÃO, PODENDO, EM CONSEQUENCIA, SER CONSIDERADA, NA EXECUÇÃO, EVENTUAL CONCESSÃO DO SURSIS.


- (HC nº 60.716/RJ, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 2/12/1983)

Nessa linha, há precedentes deste Superior Tribunal de Justiça:


- - FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOCUMENTO PÚBLICO. USO PELO PRÓPRIO FALSIFICADOR. CONCURSO DE CRIMES. INEXISTÊNCIA.


- - Pacífico o entendimento de que o falsário não responde, em concurso, pelo crime de falso e uso do documento falsificado.


- - O usuário é punível apenas, nesse caso, pelo crime de falsidade, considerado como fato posterior não punível, o uso.


- - Análise de provas. Súmula 7, do STJ. Inaplicável o art. 384, do CPP, se inexistiu inovação quanto aos fatos narrados na denúncia, mas apenas nova definição delituosa desses mesmos fatos.


- - Recurso não conhecido da condenada. Recurso conhecido e desprovido do Ministério Público.


- (REsp 166.888/SC, Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 16/11/1998)


- PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME CONTINUADO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO PELO FALSÁRIO. DELITO ÚNICO.


- - Configura crime continuado duas ações consistentes no preenchimento de laudas assinadas por outrem e utilizadas para os expedientes ideologicamente falsos, dirigidas a um mesmo resultado.


- - A doutrina e a jurisprudência são unânimes no entendimento de que o uso do documento falso pelo próprio autor da falsificação configura um único delito, seja, o do art. 297, do Código Penal, pois, na hipótese, o uso do falso documento é mero exaurimento do crime de falsum.


- - Habeas-corpus concedido.


- (HC nº 10.447/MG, Relator o Ministro Vicente Leal, DJ de 1/7/2002)

Colocadas tais premissas, impõe-se o afastamento da condenação do ora paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo apenas a imputação de falsificação de documento público.

Realmente, a sentença, mantida em sede de apelação, indica uma série de documentos públicos falsificados pelo paciente: carteiras de habilitação, certificados de dispensa de incorporação, carteiras da Ordem dos Advogados do Brasil e cédulas de identidade, todos apreendidos em sua residência.

Não raro, o paciente, Sebastião Gonçalves da Silva, fazia-se passar pela pessoa de Alessandro Gonçalves da Silva. Curioso que, até mesmo no interrogatório em juízo, assinara com o nome Sebastião, e, no termo de audiência, Alessandro, demonstrando, consoante bem destacou o acórdão, que utilizava os dois nomes com naturalidade e habitualidade.

Contudo, em que pese a reprovabilidade de seu comportamento, a condenação pelo falso (art. 297 do CP) e pelo uso de documento falso (art. 304 do CP) traduz ofensa ao princípio que veda o bis in idem, já que a utilização, pelo próprio agente do documento que anteriormente falsificara, constitui fato posterior impunível, como já observado. Principalmente porque o bem jurídico tutelado, ou seja, a fé pública, foi malferido no momento em que se constituiu a falsificação.

Significa que a posterior utilização do documento, pelo próprio autor do falso, consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da infração anterior.

Veja-se que as penas previstas, em abstrato, para o falso e para o uso são idênticas. Isso porque, em termos de gravidade genérica, não há distinção entre os delitos.

É verdade que aquele que falsifica e outro que se utiliza do documento falso cometem crimes distintos. Todavia, a reprovabilidade, em termos genéricos, é a mesma, porquanto o bem tutelado é um só: a fé pública.

Por não existir gradação ou relação de subsdiariedade entre as mencionadas infrações, a meu sentir, não há falar em crime progressivo, de molde a responder o falsário apenas pelo uso de documento falso.

Penso, na linha do que tem proclamado o Supremo Tribunal Federal, que a ofensa ao bem jurídico, no caso daquele que falsifica e depois se utiliza do documento falsificado, é uma somente, e se configura no instante em que é produzido o documento falsificado, de perigo abstrato.

Impende salientar, muito embora não se pretenda, aqui, incursionar na seara probatória, que o paciente sequer foi surpreendido ou preso em flagrante utilizando algum dos documentos por ele falsificados.

Por todo o exposto, de rigor é o afastamento da condenação pelo crime de uso de documento falso, remanescendo apenas o de falsificação de documento público, cuja dosimetria passo a delinear, consoante diretrizes operadas nas instâncias ordinárias: a pena-base é de 3 (três) anos de reclusão, que, em razão da atenuante de confissão espontânea, é reduzida para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. A pecuniária foi ajustada em 90 (noventa) dias-multa, no piso mínimo. Não há causas de aumento ou diminuição de pena.

O regime semiaberto é mantido em razão da existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, tanto que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, notadamente pela culpabilidade e personalidade voltada para a prática de crimes, indicadas pelo magistrado de piso. Nesse ponto, com acerto a sentença, dado que foram diversos os documentos falsificados pelo paciente.

Tenho, contudo, como socialmente recomendável, e que melhor atende aos fins de reprovação e prevenção do crime, a substituição da sanção corporal por duas medidas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana. O crime é daqueles de perigo abstrato, que não implica ameaça ou violência à pessoa, o paciente é primário, e a pena é inferior a quatro anos. ... (Min. Og Fernandes).

Doc. LegJur (12.2601.5000.2700) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Habeas corpus (Jurisprudência)
Falsificação de documento (Jurisprudência)
Uso de documento falso (Jurisprudência)
Ofensa à fé pública (v. Falsificação de documentos ) (Jurisprudência)
Post factum impunível (v. Uso de documento falso ) (Jurisprudência)
Pena (Jurisprudência)
Restritivas de direito (v. Pena ) (Jurisprudência)
CP, art. 43
CP, art. 297
CP, art. 304
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