Jurisprudência em Destaque
STJ. 1ª Seção. Desapropriação. Administrativo. Terras de fronteira. Debate acerca da propriedade pública dos imóveis. Possibilidade. Condição da ação: possibilidade jurídica do pedido. Considerações do Min. Mauro Campbell Marques sobre o tema. Dec.-lei 3.365/1941, arts. 20 e 34. Inaplicabilidade. Súmula 477/STF. CPC, art. 267, VI.
Essa posição tem sido sustentada pela maioria dos Ministros da Primeira Turma, notadamente o Ministra Luiz Fux, responsável por relatar a tese no órgão fracionário, quando do julgamento do Recurso Especial 542.056/PR.
Na já oralmente externada linha de pensar do Ministro Luiz Fux, o tratamento que deve ser conferido à questão é o seguinte: caracteriza-se pela impossibilidade jurídica do pedido o títular expropriar bem próprio, pois tal fato encerraria situação que se assemelha ao instituto da confusão. Entende, ainda, que não compete ao ente público expropriar e indenizar aquilo que lhe pertence ou, ainda, o Incra indenizar área pertencente à União.
A Min. Eliana Calmon, em seu voto trazido, nesta ocasião, como divergente, entendeu no sentido de que, ao se interpretar o disposto no art. 34 do Decreto-lei 3.365/41, não se poderia admitir, em sede de ação expropriatória, discussão em torno do domínio, considerando necessária e indispensável a utilização de ação específica para anulação de título translativo de propriedade.
Este foi o breve relato do que ocorreu até então. Passo agora a expor meu raciocínio, com as vênias de praxe para desenvolver premissas que dependem de um escorço histórico e teórico dos institutos envolvidos.
Como bem afirmado pelo Ministro Relator, a Segunda Turma deste Superior Tribunal firmou entendimento no sentido de interpretar estritamente o artigo 20 do Dec.-lei 3.365/41, fixando os pontos que podem ser contestados - vício do processo e impugnação ao preço - já que a utilidade pública, a necessidade pública e o interesse social, bem como os casos específicos, subordinados a essas rubricas, se encontram na esfera discricionária do Chefe do Poder Executivo, informando-o ao editar o decreto expropriatório. O referido artigo 20 delimita, portanto, o âmbito da contestação no feito expropriatório.
Por outro lado, não obstante a limitação legal das matérias passíveis de discussão na ação expropriatória, há que sobrelevar a impossibilidade de o magistrado se desvencilhar, ou melhor, se afastar da verificação da concorrência, mesmo nas ações de desapropriação, dos pressupostos processuais de constituição da relação jurídica processual e de desenvolvimento válido do processo, bem assim, das condições da ação.
Tais condições são também pressupostos que se tornam indispensáveis para que o magistrado possa pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor e, na ausência de qualquer uma delas, mister a extinção do processo sem julgamento de mérito.
Compete sublinhar, porque oportuno, que os artigos 20 e 34 do Dec.-lei 3.365/1941 impõe restrições ao que deve ser discutido em sede de contestação, fato que, à toda evidência, não se amolda ao caso em análise, visto que a referida matéria foi argüida pela própria autoridade desapropriante e não pela expropriada em sua defesa.
Aplicando a teoria aos casos de desapropriação, vale conferir o magistério de José dos Santos Carvalho Filho (in Manual de Direito Administrativo, 14ª edição, revista e ampliada, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, págs. 669-670):
Nos termos do art. 20 do Decreto-Lei 3.365/41, a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.
A expressão vícios do processo judicial tem que ser creditada à época em que a lei foi criada. Adaptando-a ao sistema do vigente Código de Processo Civil, tem-se que a defesa do réu, como matéria preliminar, abrange todas as questões relativas às condições da ação e aos pressupostos processuais. Desse modo, o réu pode suscitar ilegitimidade de parte, falta de interesse de agir, inépcia da inicial, litispendência, coisa julgada e, enfim, todas as matérias contidas no art. 267 do CPC, as quais, se acolhidas, conduzem à extinção do processo sem julgamento do mérito. Como se pode notar, não são matérias apenas relacionadas ao processo, como parece indicar o dispositivo, mas também aquelas que concernem à ação, como é o caso das condições da ação.
O expropriante, como dissemos, faz a oferta do preço na petição inicial. Note-se que o pedido é de fato a fixação do valor indenizatório, porque o direito do expropriante à transferência do bem é, de antemão, albergado na legislação aplicável. O expropriado se incumbirá de impugnar o preço ofertado se com ele não concordar. Daí podermos afirmar que, no mérito, a controvérsia cinge-se à discussão do quantum indenizatório. (grifos do original)
Essa nota que imprimo ao voto se faz necessária pelo fato de que estamos a discutir, nos presentes autos, desapropriação de terras situadas em faixa de fronteira, cujo domínio é da União, mas alienadas a terceiros pelo Estado do Paraná.
A desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, de imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, é competência da União, a teor do disposto no art. 184 da Constituição Federal.
Se não há dúvidas de que as terras desapropriadas são terras devolutas situadas na faixa de fronteira e, por tal razão, assim se caracterizam por serem bens dominicais da União, impossível se mostra o prosseguimento da ação de desapropriação, por ausência de uma das condições da ação, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido.
Ora, se o fundamento da ação expropriatória, como amplamente conhecido, é a aquisição originária da propriedade, é impossível impelir a União, por intermédio de sua autarquia federal, a realizar procedimento para aquisição de propriedade que já lhe pertence.
Sob tal aspecto, seria impossível ao INCRA, com fundamento em um decreto expropriatório expedido pelo Presidente da República, desapropriar uma área já pertencente ao domínio da União. Em eventual demanda situada nesses termos, fica evidente a impossibilidade jurídica do pedido e, por via de consequência, a ausência de interesse processual, a ensejar a extinção do feito sem apreciação do mérito.
Assim, a dúvida quanto à propriedade repercute, inexoravelmente, na própria existência da ação expropriatória e, nessa toada, em duas das condições da ação, quais sejam, impossibilidade jurídica do pedido e interesse processual, e que não devem ser deixadas de lado na apreciação pelo juiz quando da prestação jurisdicional.
Comungo do entendimento explicitado pelo Ministro Relator também quanto ao fundamento de que tanto o artigo 20 quanto o artigo 34 do Dec.-lei 3.365/1941 referem-se à discussão dominial entre particulares e não se aplicam às hipóteses de desapropriação em que o imóvel expropriado pertence ao próprio ente expropriante.
Cumpre-me, pois, destacar, novamente, meu entendimento sobre a impossibilidade de dois particulares travarem debate sobre o domínio das terras, porquanto não pertinente em sede de ação de desapropriação. Só será possível discutir-se domínio em ação expropriatória quando o debate se der entre o particular e a União e jamais entre dois particulares.
Nesse sentido, acolhendo-se a tese da possibilidade de discutir-se, no bojo da ação de desapropriação, questões relativas ao domínio, este só poderá acontecer, ressalte-se, quando se tratar de debate travado entre o ente público e o particular e não entre dois particulares, porquanto tal se afigura questão que transcende o pleito expropriatório, sendo, até mesmo, indiferente para o deslinde da ação de desapropriação, pois qualquer que seja o resultado da ação dominial, em nada afetará a natureza privada da terra e a necessidade do Estado de desapropriá-la, pagando, por conseguinte, pela gleba que expropriar.
Assim, diante das peculiaridades desta circunstância, resta evidenciado que os arts. 20 e 34 do Dec.-lei 3.365/1941 referem-se à dúvida dominial entre os particulares e, por via de consequência, o levantamento da indenização pelo particular deve vincular-se à solução da controvérsia quanto à propriedade do imóvel, nos termos do preceituado pelo artigo 34 do Dec.-lei 3.365/1941.
Há, por fim, questão que a mim me parece merecer particular atenção.
Caso esta Corte de Justiça impeça o debate acerca do domínio público da terra no curso da ação de desapropriação e mesmo que haja a suspensão do processo expropriatório, haverá desnecessária sobrecarga orçamentária a ser suportada pela União, na medida em que serão realizados depósitos judiciais sem qualquer utilidade, já que não poderão ser levantados pelos particulares.
Dessarte, por mais este fundamento, entendo que o STJ não pode deixar de garantir ao Poder Público a possibilidade de debater essa matéria na própria Ação de Desapropriação, sob pena de ratificar uma situação juridicamente insustentável.
Compartilho, portanto, dos argumentos defendidos pelo Ministro Relator para acompanhar-lhe integralmente em seu voto, no sentido de NEGAR PROVIMENTO aos Embargos de Divergência. ...» (Min. Mauro Campbell Marques).»
Doc. LegJur (134.3833.2000.3700) - Íntegra: Click aqui
Referência(s):
▪ Desapropriação (Jurisprudência)
▪ Administrativo (Jurisprudência)
▪ Terras de fronteira (v. ▪ Desapropriação) (Jurisprudência)
▪ Debate acerca da propriedade pública dos imóveis (v. ▪ Terras de fronteira) (Jurisprudência)
▪ Propriedade (v. ▪ Terras da fronteira) (Jurisprudência)
▪ Condição da ação (Jurisprudência)
▪ Possibilidade jurídica do pedido (Jurisprudência)
Dec.-lei 3.365/1941, art. 20 (Legislação)
Dec.-lei 3.365/1941, art. 34 (Legislação)
▪ Súmula 477/STF (Terras devolutas. Faixa de fronteira. Concessão. Direitos).
▪ CPC, art. 267, VI
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