Jurisprudência em Destaque

Previdenciário. Menor sob guarda judicial. Pensão por morte devida. ECA, art. 33, § 3º. Aplicabilidade.

Postado por legjur.com em 01/10/2014
Trata-se de Recurso de Mand. de segurança, julgada pela 1ª Seção do STJ, relatado pelo Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/02/2014, DJ 15/04/2014 [Doc. LegJur 143.1102.6000.1200].

A controvérsia gira em torno de saber se é devida a pensão por morte ao menor sob guarda judicial. A 1ª Seção do Tribunal entendeu que é devida, já que a norma do ECA, art. 33, § 3º tem prevalência sobre a norma específica de direito previdenciário.

Eis no fundamental o que nos diz o Ministro Relator:


[...].

O questionamento a ser dirimido, portanto, é saber qual a legislação aplicável ao caso concreto, se o Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante ao menor sob guarda a condição de dependente, inclusive para fins previdenciários, ou se a Lei Complementar Estadual 197/204, que se adequando à legislação do Regime Geral de Previdência Social, Lei 8.213/91, retirou o menor sob guarda do rol de dependentes.
A quaestio juris vinha sendo decidida nesta Corte Superior pelas Turmas que compõem a Terceira Seção, ao entendimento de que o critério que melhor soluciona a controvérsia é o da especialidade, ou seja, o diploma de regência do sistema de benefícios previdenciários, de caráter especial, deve prevalecer sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, este de caráter geral no confronto com aquele sobre o tema controvertido.

[...].

Assim, com a alteração ou mudança de competência dos órgãos julgadores desta Corte e diante da relevância do tema, entendo que o mesmo deve submeter-se a um novo debate.
Diversamente ao entendimento que vinha sendo adotado por esta Corte, o critério da especialidade, a meu ver, não se mostra como o mais adequado à solução da controvérsia, mormente considerando que os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

[...].
O fim social da lei previdenciária é abarcar as pessoas que foram acometidas por alguma contingência da vida. Nesse aspecto, o Estado deve cumprir seu papel de assegurar a dignidade da pessoa humana a todos, em especial ao menor, cuja proteção, conforme ressaltado, tem absoluta prioridade.

De fato, o princípio da proteção integral da criança ou adolescente, afigura-se como corolário da dignidade da pessoa humana, tido como valor constitucional supremo, o próprio núcleo axiológico da Constituição, em torno do qual gravitam os direitos fundamentais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente não é uma simples lei, representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Tratando-se, portanto, de postulado central do Estado Democrático de Direito, para o qual devem convergir os poderes estatais, as leis devem atentar para a dignidade da pessoa humana e os juízes dela não podem se apartar quando as aplicam no caso concreto.

Em suma, não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.

Desse modo, embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei 8.069/90), norma que representa a política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, «caput», e § 3º, inciso II).

Assim, havendo plano de proteção, como antes demonstrado, alocado, aliás, em arcabouço sistêmico constitucional e, comprovada a guarda, deve ser garantido o benefício para quem dependa economicamente do instituidor, como ocorre na hipótese dos autos.

[...].» (Min. Benedito Gonçalves).»


JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE

Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito este julgado é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Certa, ou errada, podemos ou não concordar com ela, contudo, está bem fundamentada pela Min. Min. Benedito Gonçalves. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição da ministra relatora.

Como pode ser visto nesta decisão o Ministro relator, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica deveriam conter. Neste sentido esta decisão deveria ser lida com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação. Decisões bem fundamentadas estimulam a capacidade de raciocínio lógico do estudioso. O raciocínio lógico é a ferramenta mais importante para qualquer profissional desenvolver sua capacidade criativa.

O que é mais auspicioso e louvável nesta decisão é que a Corte entendeu que o menor precisa de proteção, contudo, os fundamentos que a embasaram já existiam de longa data, a Constituição é de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente é de 1991 e nem por isso, o tratamento ao menor dado pela jurisdição brasileira ao longo do tempo e nas mesmas condições foi o mesmo. Se esta decisão gera algum entusiasmo otimista, esta expectativa de entusiasmo deve ser bem contida, na medida que as evidências históricas são sempre pessimistas em relação a perpetuação de fatos positivos.

PENSE NISSO

Para o estudante de direito que tanto busca modelos de peças processuais, este acórdão é o melhor modelo que poderia consultar uma vez que retrata uma hipótese real, uma tese jurídica real, com pessoas reais, e uma decisão real, certa ou errada, e no fundamental contém o que realmente uma peça processual deve ter, ou seja, as partes, o relatório (fatos), a fundamentação, certa ou errada, e finalmente a parte dispositiva (pedido/decisão) (na forma do CPC, art. 282), ou seja, a controvérsia e os fundamentos legais estão bem delimitados e dispostos, bem como as partes envolvidas, enfim tudo que uma peça processual requer, independentemente se a peça é de natureza penal, administrativa, tributária, previdenciária, trabalhista ou extrajudicial. Quanto aos detalhes cada pessoa tem seu modo particular de redigir e o estudante com o tempo vai encontrar o seu modo de refletir sua identidade e personalidade nas peças processuais que subscrever e ao serviço que prestar.

Note-se, em geral quando um estudante ou um profissional busca um modelo de petição ou de uma peça jurídica, o que ele efetivamente deseja é uma tese jurídica que não consegue desenvolver, ou no mínimo tem dificuldade em fazer, ou ainda, falta-lhe condições materiais para tanto, neste sentido, a leitura sistemática de acórdãos adequadamente fundamentados é um instrumento muito importante para um estudioso possa ser capaz de desenvolver uma tese jurídica acerca de uma questão que lhe é posta e traduzi-la dentro de uma peça jurídica, isto significa qualificação profissional, e esta qualificação não nasce do nada, ao contrário requer considerável esforço intelectual, material, tempo, além da própria vocação em si.

Modelos não qualificam o profissional, na medida que negam a possibilidade deste profissional compreender em toda a extensão e de forma tridimensional o que está produzindo, ou seja, impedem de sentir-se seguro e confiante. Pense, como alguém pode defender uma tese jurídica, quando não está seguro e tem dificuldade de navegar num universo de leis e ainda interpretá-las adequando-as à Constituição, ao momento histórico que vivemos, ao modo republicano de vida, ao modo democrático de vida, ao modo cristão de vida, ao modo muçulmano de vida, ao modo budista de vida, [...] etc, separando o que é de fato um normativo legítimo de um lixo ideológico, elementos dos quais esta tese jurídica deve nascer?. Há que considerar, ainda, que da própria Constituição é necessário separar o que é efetivamente  a Constituição e o que é o lixo ideológico que a nega. Portanto, apenas o conhecimento de verdade oferecer qualificação verdadeira.

É fundamental consultar sempre, e com olhar interpretativo e crítico, a Constituição e as leis, na medida que vige no nosso sistema jurídico o princípio da legalidade, isto quer dizer, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF/88, art. 5º, II), e quando fala-se em virtude de lei, significa lei material avalizada pela Constituição, obviamente, Constituição desembarcada do lixo ideológico que a nega. Assim somente lei, em sentido material, avalizada pela Constituição, também em sentido material, pode criar direitos e obrigações. Não há tese jurídica sem aval legal e constitucional. Não há tese jurídica por ouvir dizer. Não há jurisdição por ouvir dizer ou por qualquer tipo de «achismo», ou seja, «... acho que» «... parece que» ou «... disse que», sem aval material da Constituição há apenas lixo ideológico. Assim só há peça jurídica se houver ali uma tese jurídica, materialmente válida, algo que modelos em geral não proporcionam, nem como ponto de partida.

Não há alternativa para a qualificação profissional. A qualificação profissional no Brasil, ao menos, na área jurídica, não pode ser comprada diante da falta absoluta de fornecedores habilitados. A qualificação é uma questão que está dentro de cada pessoa e da sua capacidade de obter este conhecimento por si só (autodidata) é o que prevalece sempre, não há alternativa para o esforço próprio. A determinação em buscar este conhecimento também é relevante. Todo o conhecimento produzido pelo mundo está a disposição de qualquer pessoa, apreendê-lo é uma questão de vontade, convicção e vocação. Acredite, o «não saber» talvez seja a forma mais cruel de escravidão, na medida que disponibiliza a pessoa para uso, fruição e disposição de qualquer espertalhão, e eles existem em abundância e em geral não revelam nenhuma forma de respeito, consideração ou, mesmo piedade. Qualifique-se de verdade, como dito, ela não nasce do nada. Saber, conhecer, compreender é ser livre, ter alma, ter vida e ter sonhos. Pense muito nisso.

Há um mercado enorme, inexplorado e sem fim para quem está habilitado a prestar serviços jurídicos verdadeiros e por serviço jurídico deve ser entendido aquele que é útil e capaz de satisfazer as expectativas do consumidor e jurisdicionado. Não há prestação jurisdicional legítima e nem serviço jurídico legítimo sem o respeito incondicional as pessoas.

Devemos sempre lembrar, principalmente ao estudante de direito, que o advogado como depositário da confiança do constituinte é o árbitro natural para resolução das controvérsias e o seio privado é seu foro adequado, litigar sem necessidade é demitir-se deste compromisso é abdicar de parcela fundamental da advocacia e da jurisdição. O compromisso natural de encontrar uma solução justa e aceitável tanto para o constituinte quanto para a parte contrária, se houver é exercer a advocacia, litigar sem propósito é compromissar-se com a litigância compulsiva que além de desnecessária, é cara, opressiva, antidemocrática, além de protrair pela eternidade uma solução, mas não é só, tem mais, a litigância compulsiva é o vetor da discórdia, do ódio, do ressentimento eterno entre as pessoas, o que é ainda pior, não há honorários, e quando eles chegam são em geral pífios e humilhantes, sem honorários dignos não há uma profissão viável, enfim não consulta o interesse público e nem o interesse privado de ninguém. Superar este obstáculo exige que todos assumam compromissos sérios com as pessoas, com a democracia, com o modelo republicano e democrático de sociedade e de vida, entre outros, como servir e respeitar incondicionalmente as pessoas. Portanto, encher-se de indumentárias, olhar as pessoas de cima para baixo, é simplesmente opressão e despreparo e está muito longo da ideia e do compromisso da prestação de serviços ao cidadão pelo Estado que é da natureza de uma sociedade democrática e republicana.

Nunca devemos esquecer que a litigância compulsiva e a prevaricação compulsiva de que tanto se fala, não é um serviço jurídico ou jurisdicional, é uma patologia, que apenas serve e beneficia governos ineptos, despóticos e antidemocráticos, além de sedimentar e justificar a violência e o descrédito das instituições públicas e privadas perante a sociedade que deveriam servir.

Como dito, para os profissionais do direito que vivem da advocacia e da jurisdição a litigância compulsiva e a prevaricação compulsiva refletem-se diretamente em honorários pífios, futuros e incertos o que pragmaticamente é um negócio muito ruim na medida que é negada completamente a ideia de que o consumidor e o cidadão devem receber uma prestação de serviços legítima e eficiente, como também, não podem conviver num mesmo ambiente em que para um dos lados a remuneração vem todos os meses e em qualquer circunstância, custeado pelo contribuinte, além de recheada com uma abundante aposentadoria e de outro lado a remuneração é patrocinada pelo consumidor e subordinada ao término incerto de uma da prestação do serviço e a boa vontade de alguém que não tem compromisso com as partes como deveria ter.

Nunca deixe de ajudar e cuidar do cliente e consumidor. Vale a pena lembrar que o contribuinte tudo aceita enquanto o consumidor é muito mais exigente, duro e difícil, embora sejam a mesma pessoa.

O advogado, como qualquer outro profissional responsável, é o suporte e o sustentáculo em que se apoiam as pessoas que o procuram e não o algoz delas. A confiança e o respeito não podem ser quebrados sem consequências. Não litigue. Trabalhe com confiança. Cobre honorários pelas consultas e pelo serviço que efetivamente prestar. Pense nisso e liberte-se.

Doc. LEGJUR 143.1102.6000.1200

STJ Seguridade social. Previdenciário. Administrativo. Processo civil. Recurso em mandado de segurança. Benefício previdenciário. Pensão por morte. Menor sob guarda judicial. Aplicabilidade do ECA. Hermenêutica. Interpretação compatível com a dignidade da pessoa humana e com o princípio de proteção integral do menor. ECA, art. 33, § 3º. CF/88, arts. 1º, III e 227. Lei 8.213/1991, art. 16, § 2º. Lei 9.528/1997. Decreto 99.710/1990 (Convenção Internacional sobre Direitos Humanos da Criança).

«1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência do disposto no ECA, art. 33, § 3º (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), sobre norma previdenciária de natureza específica. ... ()


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