Jurisprudência em Destaque
Prazo prescricional. Prescrição. Responsabilidade contratual (prazo decenal) e responsabilidade extracontratual (prazo trienal). Embargos de divergência em recurso especial. Responsabilidade civil. Inadimplemento contratual. Prazo decenal. Hermenêutica. Interpretação sistemática. Regimes jurídicos distintos. Unificação. Impossibilidade. Princípio da isonomia. CCB/2002, art. 205. CCB/2002, art. 206, § 3º, V. Exegese.
Gira a controvérsia no sentido de definir o prazo prescricional nas hipóteses de responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual (Responsabilidade civil). A 2ª Seção do STJ definiu que as controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual, aplica-se a regra geral (CCB/2002, art. 205) que prevê dez anos (prazo decenal) de prazo prescricional e, quando se tratar de responsabilidade extracontratual, aplica-se o disposto no CCB/2002, art. 206, § 3º, V, com prazo de três anos (prazo trienal). Para tanto a Minª. Nancy Andrigui teceu amplas considerações de natureza doutrinária sobre o tema além de ampla análise da jurisprudência do STJ.
Eis o que nos, no fundamental, a relatora:
[...] .
O propósito recursal consiste em determinar qual o prazo de prescrição aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em inadimplemento contratual, especificamente, se nessas hipóteses o período é trienal (CCB/2002, art. 206, § 3º, V) ou decenal (CCB/2002, art. 205). Além disso, o recurso em julgamento também envolve a discussão a respeito da interrupção do prazo prescricional quando envolver fato que deva ser apurado em juízo criminal, nos termos do CCB/2002, art. 200.
[...] .
Considerando os efeitos jurídicos da passagem do tempo, ponderou-se que o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por meio de diversos institutos (prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada).
Como é cediço, o instituto da prescrição tem por finalidade conferir certeza às relações jurídicas, na busca de estabilidade, porquanto não seria possível suportar uma perpétua situação de insegurança: «se perpétuo ou reservado indefinidamente o direito de reclamar, desapareceria a estabilidade de toda a espécie de relações» (RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil. 2. ed. Forense, 2003, p. 593). Nas palavras de Pontes de Miranda:
«violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem aos arts. 205 e 206». O início do prazo coincide com o momento da ofensa ao direito, conta-se da data em que surge a pretensão e, destarte, a lei aplicável é a lei em vigor nessa data: «Sabe-se qual o momento de que se há contar o prazo prescricional, verificando-se quando nasceu a pretensão, ou ação» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Borsoi, t. VI, § 699, item.2, p. 283).
Na hipótese dos autos, como expresso no acórdão embargado, a controvérsia envolve a indenização de danos causados decorrentes do descumprimento do estatuto social do clube de investimentos, o que ocasionou prejuízos aos investidores das ações da CVRD e VALEPAR e, portanto, é uma situação de responsabilidade por inadimplemento contratual.
[...] .
Embora se tenha prontamente reconhecido a aplicação do prazo prescricional de três anos à pretensão fundada na responsabilidade extracontratual, sobreveio dúvida a respeito da possibilidade de igualmente fazê-la incidir sobre a pretensão indenizatória fundada no inadimplemento contratual.
Desde a entrada em vigor do CCB/2002, essa mesma controvérsia analisada por este Superior Tribunal de Justiça algumas vezes, a fim de ser conferida a interpretação uniforme aos art. 205 e 206, § 3º, V, do CCB/2002.
[...]
Em conclusão, para o efeito da incidência do prazo prescricional, o termo «reparação civil» não abrange a composição da toda e qualquer consequência negativa, patrimonial ou extrapatrimonial, do descumprimento de um dever jurídico, mas apenas as consequências danosas do ato ou conduta ilícitos em sentido estrito e, portanto, apenas para as hipóteses de responsabilidade civil extracontratual.
[...] .
Considerando a relevância da controvérsia em julgamento e as diferentes orientações jurisprudenciais deste Superior Tribunal de Justiça, o recurso em julgamento impõe a este STJ nova reflexão e aprofundamento sobre o tema. Passa-se, desse modo, a analisar os elementos essenciais para a correta interpretação da prescrição por inadimplemento contratual.
a. Do elemento normativo-literal
Para se determinar o correto prazo prescricional nas hipóteses de responsabilidade contratual, deve-se perquirir, em primeiro lugar, sobre o elemento normativo-literal do dispositivo legal. Nesse sentido, questiona-se a designação «reparação civil» também poderia ser utilizada para se referir a situações de danos gerados a partir do inadimplemento contratual. Para esse mister, é necessário analisar as ocorrências desse termo no CCB/2002.
A primeira ocorrência é no art. 932, em que expande os responsáveis pela reparação civil por danos cometidos por terceiros, por exemplo, de forma que os pais são responsáveis pelos filhos, o tutor, pelos pupilos, o empregador, pelos empregados, etc. Outra ocorrência é no art. 942, em que se estabelece a solidariedade pela reparação em situações de coautoria. Ademais, no art. 943 dispõe que o direito de exigir a reparação é transmissível por meio de herança. Por fim, o «caput» do art. 953 afirma que «a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido».
Repare-se que todas essas ocorrências do uso da expressão «reparação civil» estão contidas no Título IX, do Livro I, da Parte Especial do CCB/2002, que versa sobre responsabilidade civil extracontratual.
Nas hipóteses em que o CCB/2002 se refere à inadimplemento contratual, tal como o Título IV do Livro I da Parte Especial (arts. 389 a 405), não há menção à expressão «reparação civil». Da mesma forma no CC/16, o qual não continha a esse termo nos arts. 955 a 963 e 1056 a 1061, os quais dispunham sobre inadimplemento contratual. Dessa forma, partindo-se de uma interpretação literal do texto normativo, compreende-se que o termo «reparação civil» foi utilizado pelo legislador apenas quando pretendeu se referir à responsabilidade extracontratual.
Como afirmam os doutrinadores Judith MARTINS-COSTA e Cristiano ZANETTI (Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez anos. RT, vol. 979/2017, maio/2017, p. 215-241), a expressão em comento não pode se referir às situações de inadimplemento contratual, mesmo com a tendência normativa de redução de prazos prescricionais, pois «a tendência à redução dos prazos previstos no diploma anterior não permite desconsiderar o dado normativo que o intérprete tem diante dos olhos e que, nos códigos brasileiros, nunca foi empregado para disciplinar a responsabilidade contratual. Maiores ou menores, os prazos prescricionais a se observar são sempre fixados pelo legislador».
Humberto THEODORO JR. também interpreta o conceito de «reparação civil» de maneira restritiva, apesar de sua aparente amplitude, para abarcar apenas os casos de reparação civil dos danos ex delicto, afirma que, com a intenção de reduzir prazos prescricionais, o Código vigente incluiu o prazo da reparação civil no rol das submetidas ao prazo de três anos, independentemente se se cuide de ato ilícito doloso ou culposo, ou de danos materiais ou morais: «a prescrição civil é uma só» (Comentários ao novo Código Civil. Forense, 2003, vol. 3, t. II, item 389, p. 328). Ainda nas palavras desse doutrinador, o CCB/2002 ao mencionar o termo «reparação civil»:
«está cogitando da obrigação que nasce do ato ilícito stricto sensu. Não se aplica, portanto, às hipóteses de violação do contrato, já que as perdas e danos, em tal conjuntura, se apresentam com função 'secundária'. O regime principal é o do contrato, ao qual deve aderir o dever de indenizar como acessório, cabendo-lhe função própria do plano sancionatório. Enquanto não prescrita a pretensão principal (a referente à obrigação contratual) não pode prescrever a respectiva sanção (a obrigação pelas perdas e danos) [...] Esta é a interpretação que prevalece no direito italiano (Código Civil, art. 2.947), onde se inspirou o Código brasileiro para criar uma prescrição reduzida para a pretensão de reparação do dano» (Comentários ao novo Código Civil. Forense, 2003, vol. 3, t. II, item 303, p. 333)
Cumpre mencionar que esta mesma Turma já havia se manifestado no sentido da compreensão restritiva, no julgamento do REsp Acórdão/STJ, associando o termo «reparação civil» ao princípio do «a ninguém ofender» (em latim, neminem laedere) e, portanto, à responsabilidade extracontratual, in verbis:
18.- A expressão «reparação civil», contida no art. 206, § 3º, V, tem acepção bastante ampla, mas, de modo geral, designa indenização por perdas e danos, estando associada, necessariamente, às hipóteses de responsabilidade civil, ou seja, tem por antecedente o ato ilícito. A pretensão de cobrança fundada em reparação civil deve, portanto, decorrer de danos sofridos em razão de ato ilícito (em sentido estrito) praticado, estando associada ao princípio do neminem laedere que serve de lastro para toda a doutrina da responsabilidade civil. (REsp Acórdão/STJ (Terceira Turma, j. 11/03/2014, DJe 18/03/2014)
Em conclusão, para o efeito da incidência do prazo prescricional, o termo «reparação civil» não abrange a composição da toda e qualquer consequência negativa, patrimonial ou extrapatrimonial, do descumprimento de um dever jurídico, mas apenas as consequências danosas do ato ou conduta ilícitos em sentido estrito e, portanto, apenas para as hipóteses de responsabilidade civil extracontratual.
b. Do elemento lógico-sistemático
Obviamente, o elemento literal não encerra toda a interpretação de uma norma jurídica, sem considerar o contexto normativo em que se encontra inserida. Assim, o conteúdo literal é apenas o ponto de partida da interpretação jurídica, impondo ao intérprete a consideração de seu elemento lógico-sistemático. Como nos alerta o Professor Juarez FREITAS, «qualquer norma singular só se esclarece plenamente na totalidade das normas, dos valores e dos princípios» (A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 1995, p.15) e, dessa forma, apenas por meio de uma interpretação sistemática do direito é possível atribuir a melhor significação às normas, de forma a garantir sua integridade e coerência lógica.
Quando se visualiza o ciclo de vida dos contratos, percebe-se que a esmagadora maioria deles se encerra pelo adimplemento das prestações acertadas e a consequente extinção do liame jurídico entre as partes.
Nas hipóteses de inadimplemento contratual, contudo, a regra geral é a execução específica. Assim, ao credor é permitido exigir do devedor o exato cumprimento daquilo que foi avençado. Se houver mora, além da execução específica da prestação, o credor pode pleitear eventuais perdas e danos decorrentes da inobservância do tempo ou modo contratados (arts. 389, 394 e 395 do CCB/2002). Na hipótese de inadimplemento definitivo (art. 475 do CCB/2002), o credor poderá escolher entre a execução pelo equivalente ou, observados os pressupostos necessários, a resolução da relação jurídica contratual. Em ambas alternativas, poderá requerer, ainda, o pagamento de perdas e danos eventualmente causadas pelo devedor.
Há, desse modo, três pretensões potenciais por parte do credor, quando se verifica o inadimplemento contratual, todas interligadas pelos mesmos contornos fáticos e pelos mesmos fundamentos jurídicos, sem qualquer distinção evidente no texto normativo. Tal situação exige do intérprete a aplicação das mesmas regras para as três pretensões. Nas palavras de Judith MARTINS-COSTA e Cristiano ZANETTI (Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez anos. RT, vol. 979/2017, maio/2017, p. 215-241):
«sendo o dever de indenizar pelo inadimplemento substitutivo ao cumprimento contratual (consistindo no «segundo momento» da relação obrigacional) participa, ontológica e funcionalmente, do mesmo fenômeno, razão pela qual, logicamente, há de ser seguido o mesmo prazo previsto para as ações de cumprimento do negócio, isto é, dez anos».
Considerando a logicidade e a integridade da legislação civil, por questão de coerência, é necessário que o credor esteja sujeito ao mesmo prazo para exercer as três pretensões que a lei põe à sua disposição como possíveis reações ao inadimplemento.
Não parece haver sentido jurídico nem lógica a afirmação segundo a qual o credor tem um prazo para: (i) exigir o cumprimento da prestação; e (ii) outro para reclamar o pagamento das perdas e danos que lhe são devidos em razão do mesmo descumprimento. Se, em uma determinada situação que não ocorreu a prescrição, o contratante ainda pode exigir o cumprimento integral do objeto contratado (ou a execução pelo equivalente), carece de lógica negar-lhe a possibilidade de pleitear a indenização dos danos originados pelo mesmo descumprimento.
Nesse sentido, o CCB/2002, art. 205 mantém a integridade lógica e sistemática da legislação civil. Assim, quando houver mora, o credor poderá exigir tanto a execução específica como o pagamento por perdas e danos, pelo prazo de dez anos. Da mesma forma, diante do inadimplemento definitivo, o credor poderá exigir a execução pelo equivalente ou a resolução contratual e, em ambos os casos, o pagamento de indenização que lhe for devida, igualmente pelo prazo de dez anos. Como afirma a doutrina, o objetivo da interpretação sistemática do direito é «em atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos» (Juarez FREITAS. Op. cit., p. 54).
Nesse contexto, visando a preservação da coerência do CCB/2002 e para lhe atribuir a melhor significação e evitar antinomias, a melhor interpretação sistemática dos dispositivos normativos em julgamento mostra-se aquela que atribui a mesma regra prescricional para as consequências negativas originadas do mesmo fato e com mesmos fundamentos jurídicos. Em resumo, para as mesmas causas, as mesmas consequências devem ser observadas. Nas palavras da doutrina civilista:
A preservação da coerência do ordenamento jurídico exige que, como regra, o credor tenha à disposição o mesmo prazo para exercer os distintos direitos que possui diante do descumprimento, a saber, a execução específica, a execução pelo equivalente ou a resolução, somadas, em todas as hipóteses, às perdas e danos decorrentes do inadimplemento. O raciocínio em sentido diverso priva de lógica e de coerência o ordenamento e, portanto, não encontra abrigo entre nós. (Judith MARTINS-COSTA e Cristiano ZANETTI. Op. cit. p. 215-241)
Por observância à lógica e à coerência, portanto, o mesmo prazo prescricional de dez anos deve ser aplicado a todas as pretensões do credor nas hipóteses de inadimplemento contratual, incluindo o da reparação de perdas e danos por ele causados.
c. Do elemento de igualdade
Deve-se estar atento à correlação entre fato e valor como pressupostos de aplicação da norma, considerando a filosofia subjacente à elaboração do CCB/2002. Trata-se, nesse ponto, de avaliar a observância do princípio da isonomia na aplicação do prazo prescricional por inadimplemento contratual. Em outras palavras, cumpre analisar se, para os mesmos fatos e valores, não se estaria atribuindo regras distintas.
Para esse mister, vale mencionar o magistério de BANDEIRA DE MELLO, segundo o qual «a lei não pode ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos». Para o jurista, são três os justos critérios para análise das situações de igualdade, acrescido posteriormente por um quarto:
1. A diferenciação não pode tornar-se fator de desigualação ou de obtenção de vantagem desproporcional para uma das partes 2. Deve existir uma correlação lógica abstrata existente entre o fator de discriminação e a disparidade com o tratamento diferenciado. 3. Na implementação de uma igualdade material os valores constitucionais precisam ser respeitados. 4. O vínculo de correlação precisa ser pertinente em função dos interesses constitucionalmente assegurados. A razão da desigualação precisa, pois, ser valiosa para o bem público. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3 ed., 14 tir., São Paulo: Malheiros, 2006. p. 21).
No direito privado brasileiro, a responsabilidade extracontratual é historicamente tratada de modo distinto daquela contratual, por um motivo muito simples: são fontes de obrigações muito diferentes, com fundamentos jurídicos diversos. Essa diferença fática e jurídica impõe o tratamento distinto do prazo prescricional, pois a violação a direito absoluto e o inadimplemento de um direito de crédito não se confundem nem na tradição jurídica pátria, nem na natureza das coisas.
Trata-se da teoria dualista ou clássica das fontes de obrigações do direito civil, cuja origem reside no Direito Romano e foi se perpetuando no ordenamento jurídico brasileiro. A diferença é muito mais que uma designação jurídica, têm fundamento nos fatos, nos valores e nas normas aplicáveis a cada situação.
Apesar do surgimento de teses unitaristas, principalmente após a publicação do CDC, tal distinção foi mantida no CCB/2002, justificada nos diferentes fundamentos fáticos e axiológicos e, especialmente, nos distintos regimes jurídicos aplicáveis a cada espécie de responsabilidade civil. Como afirmam MARTINS-COSTAS e ZANETTI, «a existência de um dever comum – reparar o dano causado – não implica a igualdade de fundamentos fáticos, valores a tutelar e regime jurídico a seguir». Com efeito, é possível encontrar muitas distinções de regime jurídico entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, inclusive com relação: à capacidade das partes, quanto à prova do prejuízo; à avaliação da culpa entre os sujeitos envolvidos no dano; aos diferentes graus de culpa para a imputação do dever de indenizar: ao termo inicial para a fixação do ressarcimento: e, por fim, à possibilidade de prefixação do dano e de limitar ou excluir a responsabilidade, pois somente a responsabilidade contratual permite fixar, limitar ou mesmo excluir o dever de indenizar.
Analisando as diferenças fáticas entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, há uma sensível diferença quanto ao grau de proximidade entre as partes contratuais nas suas relações sociais.
No contrato, que é sempre voluntário, há o maior grau de proximidade entre as partes contratuais, que se aproximam e planejam em conjunto o futuro de suas relações patrimoniais. Nessas hipóteses, o contrato pode ser precedido de longa fase negocial, e podem se protrair longamente no tempo.
De outro lado, na responsabilidade extracontratual, os sujeitos encontram-se no grau máximo de distanciamento. Em realidade, nessas circunstâncias, as partes entram em contato pelo mero fato de viverem em sociedade, sem qualquer negociação ou aproximação prévias.
Também há uma relevante diferença quanto aos bens jurídicos tutelados por cada espécie de responsabilidade civil. Na responsabilidade civil extracontratual, protegem-se bens jurídicos gerais, absolutos, derivados do comando de não ofender ninguém (neminem laedere). A relação jurídica entre vítima e ofensor é pontual, surge com o dano e apenas em razão dele, encerrando-se assim que ocorre a reparação. Seu fundamento é a «reprovação ética à injusta violação de direitos alheios derivada de uma falta de diligência lato sensu compreendida» (MARTINS-COSTA e ZANETTI. Op. cit).
Porém, quando se trata de responsabilidade por inadimplemento contratual, há previamente uma relação entre as partes que se protrai no tempo, normalmente precedidas de aproximação e negociação, que ajustam exatamente o escopo do relacionamento entre elas. Essas relações não ocorrem por acaso, ou pelo mero «viver em sociedade», mas derivam de um negócio jurídico. Normalmente, há um mínimo de confiança entre as partes, e o dever de indenizar da responsabilidade contratual encontra seu fundamento na garantia da confiança legítima entre elas.
A invocação ao princípio da isonomia insculpido no art. 5º, «caput», da CF, para reduzir a três anos o prazo prescricional de responsabilidade por inadimplemento contratual, acaba em realidade ferindo o próprio preceito que exige, de um lado, o tratamento idêntico a situações semelhantes e, de outro, o tratamento diferenciado para hipóteses que são distintas. Igualou-se inadimplemento contratual com inadimplemento absoluto, que são institutos muito distintos.
Para essa finalidade, cumpre mencionar novamente a lição de BANDEIRA DE MELLO quanto ao conteúdo jurídico do princípio da igualdade ou isonomia, em especial quanto ao fator de discriminação operados pela legislação, afirma-se que:
Sob este segmento [isonomia e fator de discriminação], colocaremos em pauta dois requisitos, a saber: a) a lei não pode erigir em critério diferencial um traço tão específico que singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser colhido pelo regime peculiar; b) o traço diferencial adotado, necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada; ou seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para assujeitá-las a regimes diferentes. (Celso Antônio Bandeira de MELLO. O Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 3ª ed., 11ª tir., 2003, p. 23)
Como demonstrado acima, há muitas diferenças de ordem fática, de bens jurídicos protegidos e regimes jurídicos aplicáveis entre responsabilidade contratual e extracontratual que largamente justificam o tratamento distinto atribuído pelo legislador civil pátrio, sem qualquer ofensa ao princípio da isonomia.
Assim, a distinção dos prazos comporta crítica, mas diz respeito somente a uma possível alteração legislativa, como admite Sérgio Cavalieri Filho, que afirma expressamente que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a tese dualista ou clássica (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 9ª ed., 2010, p. 16), a qual também é adotada em muitos países, como a Itália, Espanha e Portugal.
Do ponto de vista pragmático, também se mostra adequada a distinção dos prazos. Em contratos mais duradouros, sempre é viável e mais provável que as partes se componham de alguma maneira, de forma a evitar longas e dispendiosas disputas judiciais, o que é improvável de ocorrer na responsabilidade extracontratual.
Por fim, como afirmado no acórdão embargado, não é aplicável o prazo prescricional previsto no art. 206, § 3º, IV, do CCB/2002, pois tal dispositivo incide apenas sobre as hipóteses de enriquecimento sem causa. E, nos termos do CCB/2002, o enriquecimento sem causa como instituto de aplicação subsidiária, ao dispor expressamente que «não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido».
[...] .
Em conclusão, pode-se afirmar que o instituto da prescrição tem por finalidade conferir certeza às relações jurídicas, na busca de estabilidade, porquanto não seria possível suportar uma perpétua situação de insegurança.
Com exceção de recursos que não impugnavam o julgamento relativo à prescrição dos Tribunais de origem, é possível afirmar que os julgamentos do STJ, até o segundo semestre de 2016, decidiam pela aplicação da prescrição decenal para as hipóteses de responsabilidade por inadimplemento contratual.
Na qualidade de razões de decidir, pode-se mencionar que, para o efeito da incidência do prazo prescricional, o termo «reparação civil» abrange apenas as consequências danosas do ato ou conduta ilícitos em sentido estrito e, portanto, apenas para as hipóteses de responsabilidade civil extracontratual.
Em cumprimento à logicidade, coerência e integridade da legislação civil, é necessário que o credor se sujeite ao mesmo prazo para exercer as três pretensões que a lei disponibiliza para se insurgir contra o inadimplemento.
Não há sentido jurídico nem lógica a afirmação segundo a qual o credor tem um prazo para: (i) exigir o cumprimento da prestação; e (ii) outro para reclamar o pagamento das perdas e danos que lhe são devidos em razão do mesmo descumprimento. Nesse sentido, o CCB/2002, art. 205 mantém a integridade lógica e sistemática da legislação civil.
Como argumento de reforço, podemos mencionar que, no direito privado brasileiro, a responsabilidade extracontratual é historicamente tratada de modo distinto daquela contratual, por um motivo muito simples: são fontes de obrigações muito diferentes, com fundamentos jurídicos distintos.
Sem qualquer ofensa ao princípio da isonomia, há muitas diferenças de ordem fática, de bens jurídicos protegidos e regimes jurídicos aplicáveis entre responsabilidade contratual e extracontratual que largamente justificam o tratamento distinto atribuído pelo legislador pátrio.
Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE dos embargos de divergência e NEGO-LHES PROVIMENTO, para manter o acórdão embargado que aplicou a prescrição decenal porque fundada em pretensão por inadimplemento contratual (CCB/2002, art. 205).
[...].» (Minª. Nancy Andrigui).»
JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE
Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito esta decisão é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante ou para o estudioso é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Certa, ou errada, podemos, ou não, concordar com ela, contudo, está bem fundamentada pela Minª. Nancy Andrighi . Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição do ministro. Ter o hábito de ler jurisprudência de qualidade é qualificar-se.
Como pode ser visto nesta decisão, a ministra relatora, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica, ou peça processual deveriam conter, há, portanto uma tese jurídica definida, se esta tese está correta, ou não, o exame é feito noutro contexto. Neste sentido esta decisão deveria ser lida e examinada com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação. Decisões bem fundamentadas estimulam a capacidade de raciocínio lógico do estudioso e do profissional. O raciocínio lógico é a ferramenta mais importante para qualquer estudioso ou profissional desenvolver sua capacidade criativa e determina a qualidade do serviço que presta. Como dito, ler jurisprudência de qualidade é qualificar-se cada vez mais.
A JURISDIÇÃO, A ADVOCACIA E A DEMOCRACIA
Vale lembrar sempre, que navegam na órbita da inexistência, decisões judiciais ou teses jurídicas que neguem a ideia do respeito incondicional devido às pessoas, que neguem a ideia de que deve ser dado a cada um o que é seu, que neguem os valores democráticos e republicanos, que neguem os valores solidificados ao longo do tempo pela fé das pessoas, que neguem, ou obstruam, a paz entre as pessoas, que neguem o compromisso de viver num ambiente fraternal, igualitário e solidário. Pessoas estas, que para quem presta serviços é o consumidor e para quem presta a jurisdição é o jurisdicionado. Em suma, essas decisões e ou teses jurídicas orbitam na esfera da inexistência porque, negam o modo democrático de viver, negam o modo republicano de viver, negam o modo cristão de viver, negam o modo de viver de qualquer fé, já que nenhuma fé, em sentido material, é incompatível com o modelo democrático e republicano de ser e viver. A jurisdição, a advocacia e a atividade parlamentar é um compromisso e uma missão de fé e não de poder.
Neste cenário, nenhum indivíduo detém legitimamente o poder de dispor destes valores, ou fazer exceções, principalmente quem fez da vida pública o seu meio de vida, e aí incluem-se os que são responsáveis pela advocacia, pela jurisdição e pela atividade parlamentar. Só exercem legitimamente a advocacia, a jurisdição e a vida parlamentar aqueles que acreditam, têm fé, compromissos e condições de serem os guardiões e fiéis depositários dos valores democráticos, republicanos, e da fé do povo e de compartilhar seus valores.
Exceções não são legítimas, devem ser tratadas como lixo ideológico e não obrigam a ninguém. Prestar juramento à Constituição, obviamente despida do lixo ideológica que a nega, materialmente falando, e depois passar a vida negando-a, ou colocar-se na condição de violador, é muito ruim, desnecessário e humilhante para quem o faz. Ainda pior, é um desserviço, e não ajuda ninguém a colocar um prato de comida na mesa. Não há mesa farta num ambiente em que não se respeite as pessoas, sua vida e sua alma. Pense nisso.
DA COMPULSIVA JUDICIALIZAÇÃO
Numa decisão recente de relatoria da Minª. Nancy Andrighi [Doc. LEGJUR 184.3520.1002.1900], ela mencionou a necessidade de desjudicialização dos conflitos.
Sobre o tema, e rememorando um pequeno aspecto da questão, vale lembrar que a CF/88 assegura a inviolabilidade do domicílio, da intimidade e da vida privada, entre outros, não porque um grupo de constituintes resolveu ser generoso com o cidadão, embora este mesmo constituinte concedeu na Constituição com um dedo, e retirou muito mais com as mãos na legislação inferior, como dito, estes são valores fundamentais de um regime democrático e republicano de uma sociedade pluralista, estes valores não estão na esfera de disponibilidade do constituinte, do parlamentar, do magistrado, do advogado, do delegado de polícia, etc., principalmente por quem fez juramento como guardião e fiel depositários deses valores, juramento que o próprio constituinte fez.
Isto quer dizer, no mínimo, que a mão violenta do estado ou de governos não têm acesso ao domicílio do cidadão, a sua intimidade e a sua vida privada, por mais especial que seja a motivação, não é advogado, não é magistrado, nem é parlamentar quem se coloca como violador destes valores ou quaisquer outros valores que se inserem dentro do compromisso democrático.
Quando falamos de vida privada entenda-se em sentido amplo que inclui, não só a vida privada do cidadão, mas, os negócios e as empresas. Nesse sentido por óbvio, os conflitos que envolvem a intimidade é no seio da intimidade que estes conflitos se resolvem, caso necessário com assessoria de quem tem competência material e a confiança das partes, vista sempre sob perspectiva material, da mesma forma o seio privado é o foro adequado para solução dos conflitos privados. Demitir-se deste compromisso é desserviço ao cliente e ao país, a nação e as pessoas e a tudo que elas representam. Cabe a jurisdição garantir que estes conflitos sejam resolvidos no âmbito seio apropriado. Isto é desjudicialização.
Ao profissional que não leva a sério estes compromissos e valores democráticos e republicanos e opta pelo suposto caminho fácil da judicialização desnecessária e compulsiva, tem contra si a pior das penas, que é ter cada vez mais dificuldades para colocar um prato de comida na mesa, para si e para sua família, na medida que, materialmente falando, não prestou nenhum serviço ao seu cliente, quem prestou, se prestou algum serviço, este alguém foi o governo, e por óbvio, se o profissional não prestou materialmente o serviço contratado, onde está a legitimidade para receber honorários por um serviço que foi prestado por outrem, que no nosso caso foi pelo governo? e pago pelo contribuinte? Pense nisso.
Só para melhor esclarecer, e é muito fácil compreender, já que o motorista de táxi não pode receber honorários, e nem ele os exige, pela cesariana que o médico fez na cliente que ele levou para a maternidade, da mesma forma levar o cliente ao representante do governo para que ele preste algum tipo de serviço não legitima a cobrança de honorários por um serviço que não executou, e o que é pior, abdicou dele, principalmente a título de defender o cliente.
Se o cliente foi levado para um lugar que ele precisa ser defendido, certamente foi levado para o lugar errado. Só para argumentar, se o jurisdicionado precisar de defesa quando recorre a jurisdição, é sinal característico de que a jurisdição não tem compromisso democrático com o cidadão e jurisdicionado e por óbvio esta instituição não tem razão para existir e precisaria ser extinta na medida que é apenas um, ou mais um, sumidouro de dinheiro público. Pense nisso.
Da mesma forma, para complementar, se uma pessoa com risco de vida, for levada ao pronto socorro, e com ela for necessário levar alguém para defendê-la, porque os médicos que lá trabalham e que vão atendê-la, não têm o sagrado compromisso com a vida e com a saúde, e podem obviamente tirar-lhe a vida, ali não é um hospital, provavelmente é um centro de extermínio. Pense nisso.
Doc. LEGJUR 186.9443.0000.0000
«1. Ação ajuizada em 14/08/2007. Embargos de divergência em recurso especial opostos em 24/08/2017 e atribuído a este gabinete em 13/10/2017. ... ()
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