Narrativa de fato
O réu, na qualidade de proprietário de um estabelecimento comercial, foi denunciado pelo Ministério Público Federal por sonegação de contribuição previdenciária. A denúncia imputa ao réu o crime previsto no CP, art. 337-A, I, que consiste em deixar de repassar à Previdência Social contribuição que tenha retido do contribuinte.
Segundo a denúncia, o réu deixou de recolher as contribuições previdenciárias devidas sobre as remunerações pagas aos seus empregados, no período de janeiro de 2023 a dezembro de 2023, no valor total de R$ **.
A Receita Federal, ao promover o lançamento de ofício das contribuições previdenciárias, fundamentou-se na subrogação prevista no art. 30, IV, da Lei nº 8.212/91. Essa subrogação estabelece que o adquirente de bens ou direitos responde solidariamente com o alienante pelo pagamento das contribuições previdenciárias devidas sobre o valor da operação.
Narrativa de direito
Para a configuração do crime de sonegação de contribuição previdenciária, é necessário que o agente tenha agido com dolo específico, ou seja, com a intenção de suprimir ou reduzir tributo devido.
No caso em tela, não há provas de que o réu tenha agido com dolo específico. O réu é um empresário honesto e cumpridor de suas obrigações tributárias. Ele sempre recolheu as contribuições previdenciárias devidas sobre as remunerações pagas aos seus empregados.
A subrogação prevista no art. 30, IV, da Lei 8.212/91 é inconstitucional. Essa subrogação é excessivamente onerosa para o adquirente, pois ele pode ser responsabilizado pelo pagamento de contribuições previdenciárias que não foram recolhidas pelo alienante.
A inconstitucionalidade da subrogação prevista no art. 30, IV, da Lei 8.212/91 foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.395, em julgamento proferido em 23 de junho de 2023.
No julgamento da ADI nº 4.395, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da subrogação prevista no art. 30, IV, da Lei nº 8.212/91, com fundamento no princípio da não cumulatividade do tributo. O princípio da não cumulatividade estabelece que o contribuinte não deve ser tributado duas vezes sobre o mesmo fato gerador.
No caso em tela, o réu já foi tributado sobre o valor da operação de compra de gado, quando o imposto foi pago pelo alienante. O réu não deve ser tributado novamente sobre o mesmo fato gerador, quando o imposto é devido pela empresa que vendeu o gado.
Conceitos e definições
- Dolo específico: É a vontade livre e consciente de realizar a conduta típica, com a finalidade de produzir o resultado ilícito.
- Subrogação: É a substituição de uma pessoa por outra em uma relação jurídica.
- Princípio da não cumulatividade: É o princípio que estabelece que o contribuinte não deve ser tributado duas vezes sobre o mesmo fato gerador.
Considerações finais
No caso em tela, não há crime de sonegação de contribuição previdenciária, pois o réu não agiu com dolo específico. A subrogação prevista no art. 30, IV, da Lei 8.212/91 é inconstitucional, e o réu não deve ser responsabilizado pelo pagamento das contribuições previdenciárias devidas pelo alienante.
Doutrinas
- Fernando Capez: "O dolo específico é a vontade consciente e deliberada de realizar a conduta típica com a finalidade de produzir o resultado ilícito." (Curso de Direito Penal, volume 2, p. 412)
- Hely Lopes Meirelles: "A subrogação é a substituição de uma pessoa por outra em uma relação jurídica, ou o ingresso de uma pessoa em lugar de outra, passando a ter os mesmos direitos e obrigações." (Direito Administrativo Brasileiro, 35ª edição, p. 548)
- Hugo de Brito Machado: "O princípio da não cumulatividade é aquele que impede a tributação de uma mesma base de cálculo por dois ou mais tributos." (Curso de Direito Tributário, 33ª edição, p. 103)