Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Consumidor. Ministério Público. Ação coletiva. Ação de liquidação de sentença prolatada em ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Precedência da legitimidade ativa das vítimas ou sucessores. Subsidiariedade da legitimidade dos entes indicados no art. 82 do CDC. Amplas considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. CDC, arts. 97, 98 e 100. Lei 7.347/1985, arts. 1º e 13.

Postado por Emilio Sabatovski em 05/11/2012
«... 2. Cinge-se a controvérsia a duas questões: a) à alegada ilegitimidade do Ministério Público para ajuizamento de execução de sentença prolatada em ação civil pública versando direitos individuais disponíveis; e b) necessária fase de liquidação do julgado ante a iliquidez da sentença genérica.

3. É importante sublinhar, desde já, que a amplitude da tutela coletiva no Código Consumerista abarca tanto os direitos coletivos e os direitos difusos, quanto os direitos individuais homogêneos, não lhes impondo diferenciação ou exclusão de proteção, mas estabelecendo-lhes tão somente procedimentos diversos no que tange ao reconhecimento dos direitos e à liquidação e execução da sentença coletiva.

Assim, tendo em vista a própria natureza das ações coletivas, a legitimação para impulsionar a liquidação e a execução da sentença coletiva é ampla, admitindo-se que a promovam o próprio titular do direito material, seus sucessores, ou um dos legitimados do art. 82 do CDC:


Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:


I - o Ministério Público,


II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;


III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;


IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

Não obstante, diversamente do que ocorre com a ação cognitiva coletiva de defesa de direitos individuais homogêneos - cujo objeto é indivisível e, por isso, os legitimados a intentam em nome próprio, com vistas à defesa de direito alheio -, quando se trata de requerer o ressarcimento do dano, a indivisibilidade do objeto cede lugar à sua individualização, o mesmo ocorrendo com a legitimação, via de regra.

Em verdade, ocorre que nem a liquidação, tampouco a execução da sentença genérica, ainda que realizada por ente coletivo, tem caráter genuinamente coletivo, uma vez que o direito por ela reconhecido é individual, tornando imprescindível que, na fase liquidatória, proceda-se à nomeação de cada um dos lesados e à verificação da extensão do dano em relação a cada um deles.

Assim, o processo de liquidação em ação coletiva ostenta característica peculiar em relação à liquidação comum, qual seja, a elevada carga cognitiva tendente à individualização do direito conferido na sentença.

Confira-se o magistério de Fredie Didier Jr.:


«A execução coletiva é necessariamente individualizada, abrangendo o grupo de vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas na(s) sentença(s) de liquidação» (art. 98 do CDC). Essa execução coletiva só é assim denominada porque proposta por um legitimado coletivo, tendo em vista que o seu objeto é composto por pretensões individuais já liquidadas. Nesse sentido é a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:


«Ao contrário do que preconiza o art. 98 do CDC, nem a liquidação nem a execução da norma jurídica concreta referida (...) será coletiva, ainda que o legitimado (e desde que a lei autorize a legitimidade extraordinária) seja ente coletivo, pelo simples fato de que o direito tutelado é individual puro.»


E arremata: «Nesse caso, tem-se aí uma ação pseudocoletiva, formada pela soma de parcelas identificadas de direitos individuais».


[...]


(Curso de Direito Processual Civil, Processo Coletivo. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009, p. 385-386)

A jurisprudência desta Corte admite a necessidade da individualização do direito reconhecido na sentença coletiva por ocasião de sua liquidação, enfatizando a instalação do contraditório pleno e a realização da cognição exauriente:


PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. APLICAÇÃO DE TESE JURÍDICA DIVERSA DAQUELAS DEFENDIDAS NOS ACÓRDÃOS EMBARGADO E PARADIGMA. CABIMENTO. AÇÃO CIVIL COLETIVA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Lei 9.494/97, ART. 1º-D. INAPLICABILIDADE.


1.O exame dos embargos de divergência não se restringe às teses em confronto do acórdão embargado e do acórdão paradigma acerca da questão federal controvertida, podendo ser adotada uma terceira posição, caso prevalente. Precedentes das 1ª e 2ª Seções.


2. A ação individual destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória genérica, proferida em ação civil coletiva, não é uma ação de execução comum. É ação de elevada carga cognitiva, pois nela se promove, além da individualização e liquidação do valor devido, também juízo sobre a titularidade do exeqüente em relação ao direito material.


3. A regra do art. 1º-D da Lei 9.494/97 destina-se às execuções típicas do Código de Processo Civil, não se aplicando à peculiar execução da sentença proferida em ação civil coletiva.


4. Embargos de divergência improvidos.


(EREsp 475566/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2004, DJ 13/09/2004, p. 168)

Dessarte, na fase de cumprimento da sentença, tendo-se como ponto central o dano pessoal experimentado, surge uma gradação de preferência: a legitimidade individual (ordinária) antecede a legitimidade coletiva, que passa então a ser subsidiária daquela.

Doutrina especializada no tema corrobora essa tese, detalhando a questão:


Essa supremacia da legitimidade individual na efetivação do direito individual homogêneo decorre da natureza do direito defendido, pois é certo que os indivíduos terão melhores condições de defender direito próprio pessoalmente. Nesse momento, há uma busca pela reparação individual ligada ao dano que foi reconhecido na sentença genérica. O ressarcimento devido em caráter genérico será agora individualizado. Está claro que o próprio lesado terá mais condições de demonstrar o seu dano pessoal. Outrossim, o nexo com o dano globalmente reconhecido e o quantum debeatur equivalente a sua parcela serão mais facilmente demonstradas se individualmente.


Por essa razão há quem defenda a total ilegitimidade dos entes estabelecidos pelo art. 82 no cumprimento da sentença antes dos próprios lesados. Essa contudo, não parece a solução acertada [...]


Existe uma posição intermediária sobre o tema, e seus argumentos parecem mais adequados. Essa corrente doutrinária não defende a ilegitimidade, mas a preferência dos indivíduos na defesa de seus interesses pessoais com relação aos legitimados coletivos. (SILVA, Érica Barbosa. Cumprimento de sentença em ações coletivas. São Paulo: Atlas, 2009, Coleção Atlas de Processo Civil, coordenação Carlos Alberto Carmona, p. 106)

4. Nessa senda, e analisando primeiro a questão da legitimidade do MPF, identificam-se três espécies de execução da sentença coletiva: (i) a execução individual (art. 97, primeira parte, do CDC); (ii) a execução individual realizada de forma coletiva (art. 98 do CDC) e; (iii) a execução coletiva propriamente dita, considerando o dano globalmente causado (art. 100 do CDC), sendo certo que as duas primeiras têm como objeto a aferição do dano individualmente considerado e, esta última, a do dano globalmente causado, com a quantificação dos respectivos montantes.

4.1. A legitimidade concorrente e disjuntiva característica da fase cognitiva assume novos contornos na fase de execução: se naquela, os legitimados do art. 82 podiam agir em Juízo independentemente uns dos outros, sem prevalência alguma entre si, na execução exsurge uma preferência de legitimidade instaurada pelo art. 97, que permite a legitimidade coletiva subsidiariamente:


Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.


É que, no ressarcimento individual, a liquidação e a execução serão obrigatoriamente personalizadas e divisíveis, devendo, portanto, ser promovidas pelas vítimas ou seus sucessores singularmente, uma vez que o próprio lesado tem melhores condições de demonstrar a existência do seu dano pessoal, o nexo etiológico com o dano globalmente reconhecido, bem como o montante equivalente à sua parcela.

4.2. Por outro lado, o art. 98 do CDC estabelece que:


Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.


§ 1º A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

Assim, nos termos do referido dispositivo, a execução «coletiva» tem lugar quando já houver sido fixado o valor da indenização devida em sentença de liquidação, a qual deve ser - em sede de direitos individuais homogêneos - promovida pelos próprios titulares ou sucessores.

Em comentário ao art. 98, confira-se a lição de Antonio Herman Benjamin, notória autoridade em direito consumerista:


Espécies de execução: O art. 98 do CDC prevê duas espécies de execução das sentenças decorrentes das ações coletivas que refere. A execução individual, interposta diretamente pelo interessado, seja ele vítima ou seu sucessor, na qual lhe incumbe a prova do interesse (titularidade do direito lesado conforme reconhecido na sentença de mérito), e os prejuízos que efetivamente sofreu. Já a execução coletiva, promovida pelos legitimados pelo artigo 82 do CDC, tem lugar quando já houver sido fixado o valor da indenização devida em sentença de liquidação, não tendo, entretanto, sido promovida a respectiva execução desta.


Execução coletiva. Requisitos: O § 1º do art. 98 estabelece que a execução coletiva, quando ocorrer, deverá ser realizada com base em certidão das sentenças de liquidação, devendo constar das mesmas a ocorrência ou não do seu trânsito em julgado. Note-se, aqui, que o fato da execução ser coletiva não prescinde do procedimento de liquidação da sentença de mérito, a qual deve ser - no caso de interesses individuais homogêneos - promovida pelos próprios titulares do interesse ou seus sucessores. Dessa forma, ainda que seja apenas um o processo de execução, os valores da condenação são tomados individualmente para cada interessado, na forma da lei processual. (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1.445)

É bem de ver que, considerando-se o caráter pessoal da pretensão veiculada no ressarcimento singular, os entes privados legitimados pelos arts. 5º da Lei 7.347/85 e 82 do CDC atuam subsidiariamente como representantes processuais das vítimas, propondo a demanda executiva em nome alheio, para a satisfação de direito alheio, à exceção dos sindicatos, os quais, consoante precedentes do Pretório Excelso e da Corte Especial, atuam como substitutos processuais em virtude do mandamento insculpido no art. 8º, III, da Constituição da República (RE 213.111/SP, DJ 24/8/2007 e EREsp 760.840/RS, DJ 14/12/2009).

No mesmo sentido, leciona a ilustre Professora Ada Pelegrini Grinover:


[3] LEGITIMAÇÃO E REPRESENTAÇÃO PARA A LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO - O «caput» do art. 97 estabelece poderem a liquidação e execução da sentença condenatória ser promovidas quer pelas vítimas do dano e seus sucessores, quer pelos entes e pessoas legitimadas às ações coletivas pelo art. 82 do Código.


Tanto num como noutro caso, porém, a liquidação e a execução serão necessariamente personalizadas e divisíveis.


Promovidas que forem pelas vítimas e seus sucessores, estes estarão agindo na qualidade de legitimados ordinários.


E quando a liquidação e a execução forem ajuizadas pelos entes e pessoas enumerados no art. 82? A situação é diferente da que ocorre com a legitimação extraordinária à ação condenatória do art. 91 (v. comentário nº 2 ao referido dispositivo). Lá, os legitimados agem no interesse alheio, mas em nome próprio, sendo indeterminados os beneficiários da condenação. Aqui, as pretensões à liquidação e execução da sentença serão necessariamente individualizadas: o caso surge como de representação, devendo os entes e pessoas enumeradas no art. 82 agirem em nome das vítimas ou sucessores. Por isso, parece faltar ao Ministério Público legitimação para a liquidação e a execução individual, em que se trata da defesa de direitos individuais disponíveis, exclusivamente (art. 127 da CF). (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 157-158)

4.3. Portanto, forçoso concluir que a obrigatória particularização do dano, a despeito da autorização para que os legitimados do art. 82 procedam à execução «coletiva», torna imprópria a afirmação de que todos eles possam requerer o cumprimento da sentença genérica com o escopo de ressarcimento individual.

É que os entes públicos, apesar de ostentarem incontestável legitimidade para a ação de conhecimento, na fase de liquidação e execução da sentença genérica perdem-na diante da pretensão de satisfação de interesses individuais meramente agrupados.

Nessa linha:


Já para os demais entes, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista, como visto, verifica-se a legitimidade para a ação cognitiva diante da natureza pública dessas pessoas, presumindo o interesse material. Entretanto, diante do caráter individual que requer a execução coletiva para os lesados, há ilegitimidade desses entes. Está claro que não poderiam atuar especificamente em defesa de cada um dos lesados.


Contudo, pela finalidade institucional, a Defensoria Pública, as associações civis e as fundações de direito privado têm total legitimidade para atuar na defesa dos interesses de seus representados nessa fase processual. Todavia, pela individualidade que requer a execução, devem não só especificar todos os lesados, mas ainda demonstrar a devida regularização para tal defesa, ou seja, devem apresentar instrumento de mandato competente.


Como já dito, a coletivização que permitia a livre atuação dos legitimados pelos arts. 5º da LACP e 82 do CDC não existe nesse momento processual e, sendo assim, os órgãos coletivos que têm caráter público perdem a legitimidade. Essas considerações não se aplicam à Defensoria Pública, pois sua legitimidade persiste obviamente em decorrência de suas finalidades institucionais. Da mesma forma, a legitimidade das associações e fundações privadas será mantida.


Em todos os casos, porém, deve ser feita análise da adequação entre as finalidades institucionais do legitimado coletivo e a demanda existente, para que a legitimidade possa ser integralmente exercida nessa fase processual relacionada especificamente à execução individual de forma coletiva. (SILVA, Érica Barbosa. Op. Cit., p. 108-109)

Nessa fase processual, portanto, a exemplo dos demais órgãos públicos, carece o Ministério Público de legitimidade para instaurar a execução, sendo certo que tal condição da ação só exsurgirá - se for o caso - após o escoamento do prazo de um ano, sem a habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, nos termos do art. 100 do CDC:


Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.


Parágrafo único - O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985.

É que a hipótese versada nesse dispositivo encerra situação em que, por alguma razão, os consumidores lesados desinteressam-se quanto ao cumprimento individual da sentença, retornando, desta forma, a legitimação aos entes públicos indicados no art. 82, CDC, para requerer ao Juízo a apuração dos danos globalmente causados e a reversão dos valores apurados para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (art. 13 da LACP), com vistas a que a sentença não se torne inócua, liberando o fornecedor que atuou ilicitamente de arcar com a reparação dos danos causados.

Nessa esteira, o Ministério Público não ostenta legitimidade para a liquidação/execução da sentença genérica, haja vista a própria conformação constitucional desse órgão e o escopo precípuo dessa espécie de execução, qual seja, a defesa de interesses individuais personalizados que, apesar de se encontrarem circunstancialmente agrupados, não perdem a sua natureza disponível.

É o que se dessume da dicção do art. 127 da Constituição da República:


Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Consoante lição doutrinária:


À luz da Constituição Federal, o parquet não pode defender direitos individuais estritamente disponíveis e é justamente essa a principal característica do direito aqui: a disponibilidade. Tudo que outorgava legitimidade ao MP se perde nesse momento, principalmente a homogeneidade do direito discutido, que volta para o inteiro dispor dos lesados. (SILVA, Érica Barbosa e. Op. Cit., p. 108).

Esposando o mesmo posicionamento, Luiz Rodrigues Wambier:


Sua legitimidade [do Ministério Público] fica reservada para as hipóteses de direitos difusos ou de direitos coletivos em sentido estrito ou, subsidiariamente, para a hipótese de «coletivização» do resultado do processo, o que se dá quando a quantidade de habilitações individuais é inexpressiva (art. 100 do Código de Defesa do Consumidor). Essa excepcionalíssima hipótese, em que admitimos a legitimidade do Ministério Público em causas que versem direitos individuais homogêneos, decorre justamente dessa nova destinação do resultado concreto da ação.


De qualquer modo, como veremos em seguida, tanto a liquidação quanto a execução da sentença pelos legitimados do art. 82 do CDC, são sempre diferenciadas daquelas promovidas pelas vítimas ou seus sucessores. Ao nosso ver, isso está claro no texto do art. 100 do Código do Consumidor.


[...]


A liquidação coletiva, referida no art. 100 do CDC, tem por finalidade exatamente definir o quantum da lesão globalmente causada, e não mais o dano individualmente sofrido, por cada um dos lesados, individualmente considerados.


Segundo dispõe o art. 100 do Código de Defesa do Consumidor, os legitimados do art. 82 somente poderão propor a liquidação e a execução da sentença condenatória se houver decorrido o prazo de um ano sem que tenha havido qualquer iniciativa dos interessados.


Isso faz com que se possa tratar de duas hipóteses distintas: a primeira, de falta de legitimação para a liquidação e para a execução; já a segunda trata da diferenciação de «objetos», por assim dizer, da liquidação (e da execução) promovida pelos interessados (individualmente prejudicados pelo dano) e daquela que se possa promover, após um ano, pelos legitimados do art. 82.


Assim, só «nasce» a legitimação para o pedido de liquidação e para a posterior execução, se não tiver ocorrido iniciativa dos interessados. (Sentença civil: liquidação e cumprimento, in Liquidação de sentença. São Paulo: Editoras Revista dos Tribunais, 2000, p. 374-375)

Em suma, transcorrido in albis o prazo de um ano do trânsito em julgado para habilitação dos consumidores lesados, exsurge a legitimação subsidiária dos entes públicos relacionados no art. 82 para a liquidação da sentença, uma vez que o que aqui se busca é a responsabilização do causador do dano e a compensação da sociedade lesada (Fluid Recovery), objeto totalmente diverso do encartado na execução «coletiva» prevista no art. 98 do CDC.

5. Não se olvida que o art. 127 da CF/1988 também possibilita ao Ministério Público atuar na defesa dos interesses sociais, o que, em tese, teria o condão de ampliar a legitimidade dessa instituição nas hipóteses em que, a despeito de caracterizada a disponibilidade dos direitos individuais, houvesse interesse social relevante, quer pelo tema veiculado quer pelo notável número de lesados.

É esse o entendimento de Hugo Nigro Mazzili:


[...] quando a Constituição comete ao Ministério Público a defesa de «interesses sociais e individuais indisponíveis», não lhe está tolhendo, em tese, a possibilidade de zelar por interesses individuais homogêneos. Com a norma do art. 17, a Lei Maior quer que o Ministério Público defenda os interesses sociais todos, e os individuais só quando indisponíveis; assim, se num caso concreto os interesses individuais homogêneos, ainda que não indisponíveis, tiverem suficiente abrangência ou relevância, sua defesa coletiva assumirá caráter social, inserindo-se, pois, nas atribuições constitucionais do Ministério Público.


[...]


Vejamos a posição que o Ministério Público assume na liquidação ou no cumprimento da sentença proferida na ação civil pública ou coletiva.


[...]


Tem o Ministério Público legitimidade para promover a liquidação da sentença ou para requerer seu cumprimento: a) na ação civil pública ou coletiva por ele proposta [...]


A exceção que se faz ocorre apenas e tão somente se faltar um dos pressupostos processuais, ou uma das condições da ação, ou se o caso não envolver interesse social relevante, que justifique a atuação ministerial.


A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 179 e 589-591)

Não obstante, o próprio autor reconhece a precedência da legitimidade dos indivíduos lesados em relação à do Ministério Público:


Se os demais legitimados não requererem o cumprimento da sentença condenatória, após ter sido reconhecida a existência do direito transindividual, o Ministério Público deverá fazê-lo. Mas esse argumento também é válido para reciprocamente admitir que, havendo interesse processual, quaisquer dos demais colegitimados podem executar a condenação proferida em ação civil pública ou coletiva, desde que sejam observados a pertinência temática e o prazo de pré-constituição, quando exigíveis. (Op. Cit., p. 589)

6. No caso em exame, o título judicial exequendo transitou em julgado em 2/9/1999, consoante consta do andamento do agravo interposto contra decisão denegatória de admissibilidade do recurso especial (Ag 228908/DF), tendo sido os autos remetidos ao Ministério Público Federal, em 17/9/1999 (fl. 2.725), que ajuizou a liquidação/execução em 21/2/2000 (fls. 2.729-2.736).

Assim, a falta de informação nos autos acerca da publicação de editais cientificando os interessados constitui óbice intransponível à sua habilitação na liquidação, sendo certo que o prazo decadencial nem sequer iniciou o seu curso, não obstante já se tenham escoado quase treze anos do trânsito em julgado.

Dessarte, no momento processual em que se encontra o presente feito, está-se diante da hipótese prevista nos arts. 97 e 98 do CDC, ou seja, o ressarcimento individual, não ostentando o Ministério Público legitimidade para a liquidação/execução da sentença genérica.

Este é o escólio do Ministro Antônio Herman Benjamin:


A legitimação para promover a liquidação e execução da ação coletiva é ampla, e tem em vista as próprias características da ação coletiva. Assim, podem promover a liquidação e execução a própria vítima, seus sucessores, ou os legitimados no art. 82. Considere-se, contudo, que existindo a necessidade de provar a condição de titular do direito lesado, assim como o prejuízo sofrido (ainda que se admita, em certos casos, que este último seja presumido), a legitimação prevista no art. 82 não é automática, somente podendo se dar na hipótese do art. 100 do CDC, ou seja, se, no prazo de um ano, não houver a habilitação de um número de interessados compatível com a gravidade do dano.


Isto porque se trata de dano a interesse individual, e a própria modalidade de execução não prescinde da prova do interesse e do dano efetivamente sofrido. Neste caso, não pode substituir-se à própria vítima ou seus sucessores o Ministério Público, as pessoas jurídicas de direito público ou os órgãos de defesa do consumidor relacionados no art. 82 do CDC. Para estes, a legitimação é subsidiária, em conformidade com o art. 100, hipótese em que os valores da condenação reverterão em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos, ou de seus equivalentes em nível estadual e/ou municipal. p. 1.436-1.437)

De toda sorte, quer se entenda que o Ministério Público tenha legitimidade para a execução coletiva engendrada nos arts. 97 e 98 do CDC, em face da relevância social do objeto processual, quer se conclua pela sua legitimidade tão somente para a execução prevista no art. 100, é certo que, na fase de liquidação, a legitimidade dos titulares do direito reconhecido na sentença tem primazia, merecendo reforma o acórdão recorrido.

Corroborando esse entendimento, cita-se, mais uma vez, o magistério de Luiz Rodrigues Wambier:


É interessante observar que a legitimidade prevista no art. 82 do CDC serve, num primeiro momento, apenas e exclusivamente para a propositura do pedido genérico de reparação, em razão do que se poderá obter uma sentença genérica em que, como assevera ARRUDA ALVIM, os danos são definidos de modo uniforme. Com a sentença condenatória trânsita em julgado, como que desaparece essa legitimação, que somente estará novamente presente se se der o decurso do prazo de um ano sem a iniciativa dos interessados.


É possível sustentar que os direitos de natureza individual têm primazia sobre os de ordem coletiva, e que estes, no caso do art. 100 do Código do Consumidor, significam de certa maneira a «coletivização» daqueles direitos à reparação individual que não foram reclamados ou que o foram de forma expressivamente insignificante diante de sua extensão coletiva. (Op. Cit., p. 376)

7. Alfim, no que tange ao segundo ponto suscitado nas razões recursais, qual seja, a necessidade de liquidação do julgado ante a iliquidez da sentença genérica, não obstante já tenha sido abordado reflexamente na fundamentação, sua análise especificada encontra-se prejudicada ante o reconhecimento da ilegitimidade do Parquet para, neste momento processual, proceder à liquidação e à execução do feito. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (127.3334.6000.3700) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Consumidor (Jurisprudência)
▪ Ministério Público (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Ação coletiva (Jurisprudência)
▪ Liquidação de sentença (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Ação civil pública (Jurisprudência)
▪ Direitos individuais homogêneos (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ Legitimidade ativa (v. ▪ Ação civil pública) (Jurisprudência)
▪ CDC, art. 82
▪ CDC, art. 97
▪ CDC, art. 98
▪ CDC, art. 100
Lei 7.347/1985, art. 1º (Legislação)
Lei 7.347/1985, art. 13 (Legislação)
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