Jurisprudência em Destaque

STJ. 6ª T. Lesão corporal seguida de morte. Agressão com chutes e socos. Vítima era portadora de aneurisma cerebral congênito. Nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado morte. Inexistência. Desclassificação do crime para lesão corporal simples. Considerações da Minª. Maria Thereza de Assis Moura sobre o tema. CP, arts. 13, 18 e 129, § 3º.

Postado por Emilio Sabatovski em 20/12/2012
«... In casu, o laudo médico serviu para embasar o raciocínio do juiz de primeiro grau a fim de isentar o recorrente da responsabilidade pelo resultado morte, irrogado a título de culpa, como qualificadora da lesão corporal. Inusitadamente, o mesmo trabalho técnico prestou-se, ao Tribunal a quo, para suportar o reconhecimento da prática de lesão corporal seguida de morte.

Tanto o juiz quanto o Tribunal laboraram no terreno da causalidade para alcançar suas conclusões, acerca da vinculação do recorrente ao evento morte.

Está-se a tratar dos crimes preterdolosos, nos quais, como é cediço, há dolo no comportamento do agente, que vem a ser notabilizado por resultado punível a título de culpa. Monografista do tema, JUAREZ TAVARES, aponta que se trata de tema espinhoso que, inclusive, deveria ser proscrito no nosso sistema penal.

Especificamente sobre o tipo penal em questão leciona o mencionado Professor Titular da UERJ:


(...)


Assim, por exemplo, no delito de lesão corporal seguida de morte, e poderá trabalhar com critério objetivo de previsibilidade, porque a prática de certe forma de lesão induz a que a todos se torne previsível ou imprevisível um evento mais grave. (...) Afora essas particularidades, que devem ser avaliadas no caso concreto, em todos esses delitos, porém há que se exigir um pressuposto indeclinável: a conduta precedente que constitui o delito-base e o resultado mais grave devem estar em uma relação de causalidade, de modo que o resultado mais grave decorre sempre da ação precedente e não de outras circunstâncias. Assim, por exemplo, não se dará o delito de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP), se o resultado morte não advier das lesões provocadas na vítima, mas da intervenção de outros fatores. (Teoria do crime culposo. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477).

Na espécie, o Tribunal promoveu interpretação, a meu sentir, equivocada. Numa abordagem estritamente causal, o teor do laudo pode induzir à conclusão de que as agressões que o recorrente desferiu contra a vítima são pressupostos do resultado. Neste diapasão, seria, sim, possível invocar-se a vetusta fórmula inserta na cabeça art. 13 do Código Penal, apanágio da teoria da equivalência dos antecedentes.

Todavia, penso que tal comando deve ser lido de maneira contextualizada com os democráticos eflúvios que marcaram a reforma penal de 1984. Em tal ocasião, os artífices do anteprojeto, que culminou na vigente Parte Geral, buscaram expungir do Direito Penal brasileiro as tenebrosas sombras da responsabilidade penal objetiva. Desta feita, o tratamento da causalidade, estabelecido no art. 13, deve se emoldurado pelas disposições do art. 18, a determinar que a responsabilidade somente se cristalize quando o resultado puder ser atribuível ao menos culposamente.

Pois bem, na hipótese, poder-se-ia dizer: alguém que desfere golpes contra uma vítima, bêbada, que cai e bate a cabeça no meio-fio, teria a previsibilidade objetiva do advento da morte. Todavia, o próprio laudo afasta a vinculação a causa mortis do choque craniano:


Não foram constatadas lesões decorrentes de trauma direto que isoladamente pudessem explicar o óbito. Em vista do histórico de agressão física e da presente falta de maiores elementos que pudessem levar a um entendimento mais aprofundado do caso, não podem os peritos afastar a eventual participação de fatores externos como causa do óbito» (fl. 44).

Ao que se depreende, o laudo é absolutamente inconclusivo, porquanto não aponta haver liame entre o choque da cabeça contra o meio-fio e o evento letal. Ademais, não houve golpes perpetrados pelo recorrente na região do crânio. Portanto, reconhecer como típico o resultado morte, imantando-o de caráter culposo é ir demasiado longe.

In casu, a causa da morte foi hemorragia encefálica decorrente da ruptura de um aneurisma cerebral congênito. Ressuma dos autos que sequer a vítima tinha conhecimento de tal condição clínica. A bem de se afastar a responsabilidade penal objetiva, seria imperioso, como constante da sentença, que se apurassem os requisitos de constituição do crime culposo. É da essência de tal modalidade típica o desrespeito do cuidado objetivo necessário nas circunstâncias. Acerca do tema, confira-se a lição do decano do Departamento de Direito Penal Faculdade de Direito da USP, MIGUEL REALE JÚNIOR:


O comportamento culposo tem como seu núcleo, assente na doutrina e na jurisprudência, a omissão de necessária diligência no desrespeito ao dever de cuidado objetivo. (...) Porém, a apreciação do desrespeito do cuidado devido tem de ter em conta as circunstâncias da situação em que ocorre a ação, pois esta cognoscibilidade é questão prévia que permite relevo à inobservância da diligência necessária.


(...)


Esta cognoscibilidade das circunstâncias é de ser avaliada por uma prognose póstuma, em retorno ao momento em que se deu o fato, e denominada por GALLO como «representabilidade», devendo ter em conta os conhecimentos que o agente detém, pois a culpa não é prever o que se devia prever, mas praticar a ação apesar de cognoscível na situação processo causal gerador do evento.


(...)


Há de se unir, então, em relação necessária, o dever de cuidado para evitar o evento com a possibilidade de reconhecer a verificação deste evento. (Instituições de direito penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 232-233).

Retoma-se, então, a lição de WELZEL, para quem era imperioso ter em consideração que a causalidade é cega, sendo a finalidade vidente. Assim, rompendo os laços exegéticos com um modelo puramente causal-natural, buscando-se evitar a cristalização de responsabilidade penal objetiva, é curial restabelecer a sentença pena de primeiro grau, que desvinculou do resultado morte do comportamento do agente, que não tinha ciência da particular, e determinante, condição fisiopatológica da vítima.

Ante o exposto, pedindo vênia aos nobres Ministros que me antecederam, dou provimento ao agravo regimental, provendo, então, o recurso especial para restabelecer a sentença. ...» (Minª. Maria Thereza de Assis Moura).»

Doc. LegJur (128.4474.3000.2300) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Lesão corporal (Jurisprudência)
▪ Lesão corporal seguida de morte (Jurisprudência)
▪ Lesão corporal simples (Jurisprudência)
▪ Nexo de causalidade (v. ▪ Lesão corporal seguida de morte) (Jurisprudência)
▪ Agressão (v. ▪ Lesão corporal seguida de morte) (Jurisprudência)
▪ Agressão com chutes e socos (v. ▪ Lesão corporal seguida de morte) (Jurisprudência)
▪ Aneurisma cerebral congênito (v. ▪ Lesão corporal seguida de morte) (Jurisprudência)
▪ CP, art. 13
▪ CP, art. 18
▪ CP, art. 129, § 3º
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