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STJ. 3ª T. Execução. Penhora. Entidade privada. Créditos decorrentes de serviços de saúde prestados por entidade privada. Sistema único de saúde – SUS. Impenhorabilidade absoluta. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. Precedentes do STJ. CPC, art. 649, IX. Lei 11.382/2006.

Postado por legjur.com em 12/04/2013
«... Cinge-se a controvérsia a verificar se os créditos oriundos do SUS - Sistema Único de Saúde, em razão dos serviços prestados pelo executado na área da saúde são absolutamente impenhoráveis.

I – Da impenhorabilidade dos recursos (violação do art. 649, IX, do CPC)

Após tentativas frustradas de localização de bens passíveis de penhora para satisfação do crédito executado, foi deferido o pedido de penhora, feito pelo recorrido, de 30% sobre os créditos repassados mensalmente ao recorrente pelos serviços prestados ao SUS - Sistema Único de Saúde.

A hipótese é peculiar em relação às outras decisões unipessoais já proferidas por esta Corte em casos similares. Isso porque, nas referidas hipóteses, impugnou-se a penhora efetivada diretamente nas contas bancárias dos executados, não sendo possível a identificação da origem desses recursos, ou seja, se se tratavam de verbas públicas destinadas à saúde ou se advinham de outras fontes de renda particulares, havendo, portanto, incidência da Súmula 7/STJ, o que impediu a análise do mérito da suposta impenhorabilidade com base no art. 649, IX, do CPC. Nesse sentido: Ag 1039514/RJ, de minha relatoria, DJe de 01.08.2008; MC 014693/MT, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 05.09.2008; REsp Acórdão/STJ, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJe de 07.04.2010.

Diferentemente, no recurso analisado, o juiz de primeiro grau determinou a intimação da própria Secretaria Municipal de Saúde, gestora das verbas, para que efetivasse o depósito judicial das quantias até o limite da execução, ou seja, a origem pública dos recursos penhorados está claramente definida.

A Lei 11.382/2006 inseriu, no art. 649, IX, do CPC, a previsão de impenhorabilidade absoluta dos «recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde, ou assistência social». Essa restrição à responsabilidade patrimonial do devedor justifica-se em razão da prevalência do interesse coletivo em relação ao interesse particular.

No sistema anterior, embora a impenhorabilidade dos recursos públicos, enquanto pertencentes ao patrimônio de algum ente público, já estivesse garantida pelo disposto no art. 649, I, do CPC, quando eram repassados às entidades privadas, esses recursos passavam a integrar o patrimônio privado, o qual, em regra, está sujeito à penhora.

Nesse contexto, a inserção do inciso IX no art. 649 do CPC visa a garantir a efetiva aplicação dos recursos públicos recebidos pelas entidades privadas às áreas da saúde, educação e assistência sociaNesse sentido: Suzana Henriques da Costa, A Impenhorabilidade de Bens e a Lei 11.382/06, in Suzana Henriques da Costa (coord.), Execução Extrajudicial- Modificações da lei 11.382/2006, São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 192)., afastando a possibilidade de sua destinação para a satisfação de execuções individuais promovidas por particulares.

Nas palavras de DANIEL AMORIM ASSUNÇÃO NEVES:


O que certamente norteou o legislador nessa escolha foi a natureza dos recursos recebidos pela instituição privada e a obrigatoriedade de sua aplicação em importantes áreas, tais como a educação, saúde e assistência social. Ainda que esses valores estejam temporariamente em poder da instituição privada, o legislador levou em conta que essa instituição é meramente intermediária entre o governo e a população que precisa de seus serviços. Esse sistema criado pela nova visão de ajuda das instituições privadas em atender às demandas que deveriam ser cumpridas diretamente pelo Estado, faz com que os valores que tenham esse fim não possam ser penhorados». (Reforma do CPC 2, São Paulo: RT, 2007, p. 225) (sem destaque no original)

Assim, o simples fato da recorrente se tratar de uma instituição privada, constituída sob a forma de sociedade anônima e, posteriormente, transformada em sociedade limitada, como destacado pelo acórdão recorrido às fl. 617 (e-STJ), não constitui justificativa suficiente para que seja admitida a penhora dos recursos públicos que recebe.

Com efeito, a Constituição Federal dispõe sobre a possibilidade de que as instituições privadas participem de «forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos». (art. 192, §1º, da CF/88).

É comum, no âmbito da saúde, a celebração de convênios entre as entidades privadas e o ente público para a prestação de serviços à população. Consigne-se que, nessas hipóteses, o que se verifica é uma confluência de interesses para uma finalidade comum ou, nas palavras de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, para «a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração», em que «todos os partícipes querem a mesma coisa». (Direito Administrativo, 19ª Ed., São Paulo: Atlas, p. 337). No mesmo sentido: HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2003, p.383.

Na hipótese, conforme destacado no voto vencido do acórdão recorrido, a transferência de recursos públicos é feita ao recorrente, pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, «para o fim de prestar serviço público de grande relevância à sociedade local, vez que é credenciada pelo Sistema Único de Saúde para prestar serviços médicos às pessoas carentes». (e-STJ fl. 619/624).

Importante notar que o art. 649, IX, do CPC não exige que o recebimento dos recursos públicos pelas entidades privadas seja prévio ou anterior à sua aplicação na saúde. Apenas exige que essa seja a destinação dos recursos.

Logo, o fato do recorrente já ter prestado os serviços de saúde quando vier a receber os créditos correspondentes do SUS - Sistema Único de Saúde, não afasta a sua impenhorabilidade.

Isso porque não se trata de mera remuneração por serviços prestados ao ente público, que pode ser utilizado pelo recorrente como ele bem entender, conforme apontado pelo acórdão recorrido (e-STJ fl. 617), mas de créditos decorrentes dos serviços de saúde já prestados à população necessitada pelo SANATÓRIO DO RIO DE JANEIRO LTDA.

Em outras palavras, a transferência de recursos só ocorre porque os serviços de saúde são prestados pelo recorrente – há, portanto, a efetiva aplicação dos recursos públicos na saúde, conforme a exigência do art. 649, IX, do CPC.

Nesse sentido, mencione-se a doutrina de ARAKEN DE ASSIS:


Em termos práticos, o art. 649, IX, protege o dinheiro recebido (...) por hospitais, seja a fundo perdido (p. ex. para adquirir equipamentos), seja em contraprestação aos serviços prestados no âmbito do SUS (Serviço Único de Saúde) (Manual da Execução, 11ª ed.; São Paulo: RT, 2007, p. 224). (sem destaque no original)

Em síntese, não é qualquer recurso público recebido pelas entidades privadas que é impenhorável, mas apenas aquele de aplicação compulsória na saúde.

Diante do exposto, considerando que, na hipótese, (i) a penhora incide diretamente na fonte dos recursos, ou seja, é clara a sua origem pública e (ii) os valores recebidos pela recorrente vinculam-se à contraprestação pelos serviços de saúde prestados em parceria com o SUS - Sistema Único de Saúde, conclui-se pela impenhorabilidade absoluta dos créditos.

Fica prejudicada a análise das demais questões.

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para declarar a impenhorabilidade dos créditos advindos do SUS – Sistema Único de Saúde em razão dos serviços de saúde prestados pelo executado. ...» (Minª. Nancy Andrighi sobre o tema).»

Doc. LegJur (132.5182.7001.7400) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Execução (Jurisprudência)
▪ Penhora (Jurisprudência)
▪ Entidade privada (v. ▪ Penhora) (Jurisprudência)
▪ Serviços de saúde prestados por entidade privada (v. ▪ Impenhorabilidade) (Jurisprudência)
▪ Sistema único de saúde – SUS (Jurisprudência)
▪ Impenhorabilidade (v. ▪ Sistema Único de Saúde – SUS) (Jurisprudência)
▪ CPC, art. 649, IX
(Legislação)

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