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STJ. 4ª T. Responsabilidade civil. Dano moral. Mãe. Legitimidade ativa da genitora para o ajuizamento de ação indenizatória de danos morais por morte de filho maior e com família constituída. Núcleo familiar inextinguível formado por ascendentes e seus filhos. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186, 927 e 944.

Postado por legjur.com em 22/10/2013
«... 3. A presente controvérsia cinge-se à questão da legitimidade da genitora de vítima fatal para pleitear indenização por danos morais, na hipótese em que o cônjuge e os filhos do de cujus antes já receberam, extrajudicialmente, indenização no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

4. A problemática questão acerca da legitimidade para a propositura de ação indenizatória em razão da morte de pessoas queridas transitou por esta Quarta Turma, de forma bastante refletida, em precedente de minha relatoria, no qual se discutia a legitimidade do noivo para pleitear indenização em razão da morte da falecida nubente (REsp. Acórdão/STJ).

  • 1.076.160/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Legitimidade ativa para o ajuizamento de ação indenizatória de danos morais por morte. Noivo. Ilegitimidade ativa reconhecida. Necessária limitação subjetiva dos autorizados a reclamar compensação. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 12, 186, 927, 944, «caput» e 948, I. CPP, art. 76. CCB, art. 76).


Naquele caso, buscou-se estabelecer uma regra geral para aferição da legitimidade em ações dessa natureza, sem afastar a possibilidade de sua mitigação em situações peculiares.

De fato, conceder legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma forma, suportaram a dor da perda de alguém – como diversas pessoas que se encontram fora do núcleo familiar da vítima –, significa impor ao obrigado um dever também ilimitado de reparar o dano - cuja extensão será sempre desproporcional ao ato causador.

Assim, de tudo o que se debateu naquela ocasião, foi acolhida a tese segundo a qual «como regra - ficando expressamente ressalvadas eventuais particularidades de casos concretos -, a legitimação para a propositura de ação de indenização por dano moral em razão de morte deve alinhar-se, mutatis mutandis, à ordem de vocação hereditária, com as devidas adaptações».

De fato, a ausência de disposição legislativa no ordenamento brasileiro instituindo regra expressa sobre o tema conferiu à jurisprudência e à doutrina o mister de dizer a quem é dado pleitear indenização por dano moral em razão de falecimento.

5. Por isso que, a propósito do presente caso, em que a mãe do de cujus pretende reparação pelo mesmo fato que deu azo à percepção de indenização por dano moral pela esposa e filhos, convém, uma vez mais, proceder à detida reflexão sobre o tema.

Adaptando o raciocínio antes expendido para o caso ora em exame, verifica-se que, conquanto a recorrente (mãe) esteja na ordem de vocação hereditária, existem parentes mais próximos vocacionados a herdar em primeiro lugar (e que inclusive receberam indenização e deram quitação), o que poderia, à primeira vista, afastar sua legitimidade para o pleito indenizatório.

Ocorre que, não obstante a formação de um novo grupo familiar com o casamento e a concepção de filhos, o poderoso laço afetivo que une mãe e filho jamais se extingue, de modo que o que se observa é a coexistência de dois núcleos familiares, em que o filho é seu elemento interseccional, sendo correto afirmar que os ascendentes e sua prole integram um núcleo familiar inextinguível para fins de demanda indenizatória por morte.

Assim, tem-se um núcleo familiar em sentido estrito, constituído pela família imediata formada com a contração do matrimônio, e um núcleo familiar em sentido amplo, de que fazem parte os ascendentes e seu filho, o qual desponta como elemento comum e agregador dessas células familiares.

Nessa linha de intelecção, em regra os ascendentes têm legitimidade para a demanda indenizatória por morte da sua prole, ainda quando esta já tenha constituído o seu grupo familiar imediato, o que deve ser balizado apenas pelo valor global da indenização devida, ou seja, pela limitação quantitativa do montante indenizatório.

Com efeito, em primoroso voto vista no referido julgamento do REsp. Acórdão/STJ, a eminente Ministra Isabel Gallotti fez expressa reserva quanto a casos como o dos autos:

  • 1.076.160/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Legitimidade ativa para o ajuizamento de ação indenizatória de danos morais por morte. Noivo. Ilegitimidade ativa reconhecida. Necessária limitação subjetiva dos autorizados a reclamar compensação. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 12, 186, 927, 944, «caput» e 948, I. CPP, art. 76. CCB, art. 76).



Penso, assim como o Relator, que não deve ser admitida a legitimidade ativa de pessoas que não tenham vínculo conjugal ou de parentesco compreendido no rol de legitimados à sucessão, mesmo que aleguem a condição de noivo (ou seja, de futuro companheiro), amigos íntimos ou fãs, sob pena de pulverizar o direito de indenização dos entes mais próximos ou de tornar excessivamente onerosa a reparação do dano. Ressalvo, todavia, hipóteses excepcionais, não cogitadas no caso em exame, de pessoas que, na vida da vítima, exerciam o papel equiparado ao de descendente, ascendente ou cônjuge. Sendo alegada esta peculiar circunstância de fato, não se justificará a extinção do processo sem julgamento do mérito, devendo, em caso de controvérsia, ser dirimida após a instrução da causa.


Registro, ainda, que, ao contrário da disciplina legal para o caso de sucessão, não considero aplicável a ordem de vocação hereditária para o efeito de excluir o direito de indenização dos ascendentes quando também postulado por cônjuge e filhos. É sabido que não há dor maior do que a perda de um filho, porque foge à ordem natural das coisas.

6. Não obstante seja princípio inafastável a indenizabilidade plena do prejuízo de qualquer natureza, no particular relativo ao dano moral, essa regra deve necessariamente ser analisada pela ótica da equidade, pela singela razão de que a dor, o sofrimento ou a angústia experimentados por alguém não têm jamais condições de ser reparados de forma precisa. Se o abalo moral é algo subjetivo, certamente sua compensação não pode ser objetivamente dimensionada com exatidão.

Porém, nem por isso o STJ se furtou de buscar, na medida do possível, critérios razoavelmente objetivos para liquidar o dano moral, não com a finalidade de tarifar a compensação pelo abalo, mas para buscar soluções equânimes, na medida em que situações assemelhadas devem ser solucionadas de forma também semelhante.

Com efeito, a limitação do valor da indenização propugnada em diversos precedentes - no caso de morte, os conhecidos quinhentos salários mínimos (REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 20/08/1998; REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2001; REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 16/10/2001, dentre outros que consolidaram esse parâmetro -, na verdade, harmoniza o princípio da indenizabilidade plena com a exigência de se proceder sempre com equidade no arbitramento de indenizações por danos que, em essência, não possuem conteúdo econômico.

  • 293.260/STJ (Civil e processual. Ação indenizatória. Atropelamento em via férrea. Morte de pedestre menor de idade. Deficiência no isolamento e fiscalização da linha. Responsabilidade da empresa concessionária do transporte. Danos materiais e morais devidos. Pensão. Juros moratórios. Súmula 54/STJ. Dispensa da constituição de capital garantidor da obrigação. Inclusão em folha de pagamento da ferrovia).


  • 331.295/STJ (Processual civil e responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Atropelamento. Morte de menor. Embargos de declaração. Efeitos infringentes. Exceção. Julgamento fora do pedido. Inocorrência. Culpa do preposto. Súmula 7/STJ. Dano moral. Valor da indenização. Razoabilidade. Honorários advocatícios. Inaplicabilidade do § 5º do art. 20, CPC. Recurso provido parcialmente).


  • 163.484/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Morte da esposa e mãe. Fixação em 500 SM que serão divididos entre os beneficiários. CF/88, art. 5º, V e X).


Por ocasião do julgamento do REsp Acórdão/STJ, tive a oportunidade de externar entendimento no sentido de que o princípio da indenizabilidade plena não pode significar que o causador do dano esteja obrigado à compensação ilimitada e irrestrita, mostrando-se justa e equânime a adoção de padrões limitativos do valor das condenações por danos morais.

Se, de um lado, pode ser imensurável a dor sofrida com a perda de um ente querido - diria mesmo ilimitada, no íntimo de quem a experimenta -, por outro, a obrigação de indenizá-la deve se sujeitar a limites ancorados na equidade.

Àquela ocasião, defendi que o direito à indenização plena dos danos morais, embora amparado em normas constitucionais, assim como outros direitos fundamentais, não é absoluto, podendo ser ponderado com outros de igual grandeza, como a proporcionalidade e a razoabilidade.

O art. 944, parágrafo único, do Código Civil de 2002 traz regra que minimiza a indenização a ser paga pelo causador do dano, mitigando, em alguma medida, o princípio da integral reparação mediante a instituição de um balizador para o juízo de ponderação pautado na proporcionalidade e na equidade.

O mencionado artigo ostenta a seguinte redação:


Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.


Parágrafo único - Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

A meu juízo, encontra-se subjacente a essa regra uma outra principiologia que, a par de reconhecer o direito à integral reparação, ameniza-o em havendo um dano irracional que escapa dos efeitos que se esperam do ato causador.

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em obra doutrinária, bem elucida os fundamentos do artigo ora em análise, como sendo uma erupção tópica no princípio da integral reparação, voltada à correção de injustiças do caso concreto, com base nas regras de sobredireito alusivas à proporcionalidade e à equidade, para que a obrigação de indenizar, em hipóteses limítrofes, não signifique um «inferno de severidade»:


Estabelece-se no parágrafo único do art. 944 do CC/2002 a possibilidade de redução equitativa das indenizações em geral, quando houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e a extensão do dano.


A aplicação irrestrita do princípio da reparação plena do dano pode representar, em algumas situações, para o causador do evento danoso, conforme a aguda crítica de Geneviève Viney, um autêntico inferno de severidade (enfer de severité). Se, na perspectiva da vítima, as vantagens da consagração irrestrita do princípio são evidentes, na do agente causador do dano, a sua adoção plena e absoluta pode constituir um exagero, conduzindo à sua ruína econômica em função de um ato descuidado praticado em um momento infeliz de sua vida.


[...]


O fundamento da redução é a equidade, que, embora seja uma noção um tanto quanto incerta e equívoca em relação à noção de justiça, pode ser caracterizada, em linhas gerais, consoante a lição de François Gèny, como um instrumento de adaptação da ideia de justiça aos fatos, a consideração das circunstâncias individuais, tendo em conta as ideias gerais, modelando-as em conformidade com os elementos concretos. Em outras palavras, pode ser também considerada, na dicção de Francisco dos Santos Amaral Neto, como um critério orientador da regra adequada à solução de um problema concreto, corrigindo eventualmente um texto legal excessivamente rigoroso ou limitado, ou integrando-o, se incompleto. Tércio Sampaio Ferraz Jr. explica que a equidade não se opõe à ideia de justiça, mas a completa, a torna plena.


[...]


Assim, a equidade, na sua concepção aristotélica, acolhida pelo direito brasileiro na norma de redução em questão [art. 944, parágrafo único, Código Civil], não é fundamento para se afastar o direito positivo e se fazer livremente a justiça do caso concreto. Ela aparece, na realidade, como um corretivo da justiça comutativa geral, tendo por finalidade permitir ao juiz, atendendo às particularidades do caso em julgamento, atenuar a rigidez da norma abstrata e dar uma solução concreta mais equitativa. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 84-93)

De fato, o sistema de responsabilidade civil atual rechaça indenizações ilimitadas que alcançam valores que, a pretexto de reparar integralmente vítimas de ato ilícito, revelam nítida desproporção entre a conduta do agente e os resultados ordinariamente dela esperados.

E, observada a máxima vênia, penso que esse exagero e desproporção da indenização estariam presentes caso não houvesse uma limitação quantitativa da condenação, globalmente considerada.

7. Retomando o raciocínio para o caso concreto, constata-se que o falecido era casado e deixou descendentes, que receberam, a título de compensação por danos morais mediante acordo extrajudicial, o valor global de R$ 100.000,00 (cem mil reais), inferior ao que normalmente é concedido na via judicial, apontando para a existência de valor residual apto a compensar a recorrente pelos danos morais sofridos com o falecimento de seu filho.

8. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a legitimidade ativa ad causam da recorrente, determinando o retorno dos autos à instância de origem para o prosseguimento do feito. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (137.0451.3000.6100) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Responsabilidade civil (Jurisprudência)
▪ Dano moral (Jurisprudência)
▪ Mãe (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Legitimidade ativa (Jurisprudência)
▪ Legitimidade ativa da genitora (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Morte de filho maior e com família constituída (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Núcleo familiar inextinguível formado por ascendentes e seus filhos (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ CF/88, art. 5º, V e X
▪ CCB/2002, art. 186
▪ CCB/2002, art. 927
▪ CCB/2002, art. 944

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