Jurisprudência em Destaque
Evicção. Compra e venda de veículo. Impossibilidade de transferência da propriedade pela adquirente. Bloqueio judicial. Resolução do contrato. Evicção. Ressarcimento. CCB/2002, art. 447. CCB/2002, art. 450, e ss.
Eis o que nos diz, no fundamental, a relatora:
[...] .
Sobre a garantia de evicção, afirma a doutrina que ela representa um sistema especial de responsabilidade negocial, que impõe ao alienante, dentre outras consequências, a obrigação de reparar as perdas e os danos eventualmente suportados pelo adquirente evicto (CCB/2002, art. 450, e ss.), tendo em vista o não cumprimento do dever de lhe transmitir o direito sem vícios não consentidos (Leite, Clarisse Frechiani Lara. Evicção e processo. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 66).
Dessa forma, o ordenamento jurídico protege o adquirente, garantindo-lhe a legitimidade jurídica do direito que lhe é transferido por meio da «regulamentação de direitos, deveres, ônus e obrigações decorrentes do rompimento da sinalagmaticidade das prestações» (COSTA, José Eduardo da. Evicção nos contratos onerosos. São Paulo: Saraiva, 2004).
A evicção, portanto, não se estabelece com a «perda da coisa» em si, como se lê ordinariamente, mas com a privação de um direito que incide sobre a coisa; direito esse, segundo lecionam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, que «paira não apenas sobre a propriedade como igualmente sobre o direito à posse» (Curso de Direito Civil. v. 4. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 502). E, considerando que essa privação do direito pode ser total ou parcial, exemplificam os mesmos doutrinadores que haverá evicção na hipótese de «inclusão de um gravame capaz de reduzir a serventia do bem» (Op. Cit. p. 503), como, segundo o TJ/SP, ocorreu no particular.
Assim, é infundado o argumento do recorrente de não se configurar a evicção apenas porque «inexistiu a perda da posse ou do domínio do veículo por parte da compradora e da recorrida» (fl. 387, e-STJ). Igualmente, não se sustenta a tese de que «a decisão irrecorrível de fls. 108/112, liberando o veículo de qualquer restrição em seu cadastro, afasta por completo a alegada evicção, fundamento para o pedido indenizatório» (fl. 386, e-STJ).
Conquanto, realmente, tenha a adquirente se mantido na posse do veículo por determinado período de tempo, o fato de ter sido em seguida constituído o gravame, tornando necessário o ajuizamento de embargos de terceiro para que ela pudesse obter a respectiva liberação para efetuar o registro, evidencia o rompimento da sinalagmaticidade das prestações, na medida em que se obrigou o recorrente – alienante – a promover a transferência livre e desembaraçada do bem à adquirente, sob pena de responder pela evicção.
Diante desse cenário, registrou o TJ/SP que, «na hipótese dos autos, estão presentes os elementos identificadores da evicção, cujo exame [...] é relevante diante do direito da apelada [recorrida] de cobrar do apelante [recorrente] o valor que pagou à adquirente do automóvel» (fl. 282, e-STJ). E, nessa toada, concluiu, acertadamente: «não tendo o apelante [recorrente] cumprido a sua contraprestação contratual, qual seja, a entrega do bem sem gravame, era de rigor o desfazimento da compra e venda e o ressarcimento da intermediadora do negócio, ora apelada [recorrida]» (fls. 283-284, e-STJ).
[...] .» (Minª. Nancy Andrighi).»
Vale a pena, ainda, ler o voto-vista do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva que manteve o decidido pela ministra relatora com novos fundamentos. O pedido de vista do ministro foi feito para melhor exame da matéria diante do fato de haver histórico de violência doméstica entre os côjuges.
JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE
Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito esta decisão é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante ou para o estudioso é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Certa, ou errada, podemos, ou não, concordar com ela, contudo, está bem fundamentada pela Minª. Nancy Andrighi. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição da ministra.
Como pode ser visto nesta decisão, a ministra relatora, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica, ou peça processual deveriam conter, há, portanto uma tese jurídica definida, se esta tese está correta, ou não, o exame é feito noutro contexto. Neste sentido esta decisão deveria ser lida e examinada com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação. Decisões bem fundamentadas estimulam a capacidade de raciocínio lógico do estudioso e do profissional. O raciocínio lógico é a ferramenta mais importante para qualquer estudioso ou profissional desenvolver sua capacidade criativa e determina a qualidade do serviço que presta.
A JURISDIÇÃO, A ADVOCACIA E A DEMOCRACIA
Vale lembrar sempre, que navegam na órbita da inexistência, decisões judiciais ou teses jurídicas que neguem a ideia do respeito incondicional devido às pessoas, que neguem a ideia de que deve ser dado a cada um o que é seu, que neguem os valores democráticos e republicanos, que neguem os valores solidificados ao longo do tempo pela fé das pessoas, que neguem, ou obstruam, a paz entre as pessoas. Pessoas estas, que para quem presta serviços é o consumidor e para quem presta a jurisdição é o jurisdicionado. Em suma, essas decisões e ou teses jurídicas orbitam na esfera da inexistência porque, negam o modo democrático de viver, negam o modo republicano de viver, negam o modo cristão de viver, negam o modo de viver de qualquer fé, já que nenhuma fé, em sentido material, é incompatível com o modelo democrático e republicano de ser e viver. Neste cenário, nenhum indivíduo detém legitimamente o poder de dispor destes valores, principalmente quem fez da vida pública o seu meio de vida, e aí incluem-se os que são responsáveis pela advocacia, pela jurisdição e pela atividade parlamentar. Só exercem legitimamente a advocacia, a jurisdição e a vida parlamentar aqueles que acreditam, têm fé, compromissos e condições de serem os guardiões e fiéis depositários dos valores democráticos, republicanos, e da fé do povo. Exceções não são legítimas, devem ser tratadas como lixo ideológico e não obrigam a ninguém. Prestar juramento à Constituição, materialmente falando, e depois passar a vida negando-a, ou colocar-se na condição de violador, é muito ruim, desnecessário e humilhante para quem o faz. Pense nisso.
Doc. LEGJUR 183.8754.9000.0100
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