Jurisprudência em Destaque

STJ. Corte Especial. Ação popular. Ressarcimento dos cofres públicos. Administrativo. Servidor público. Contratação de servidores. Contrato nulo. Nulidade do contrato. Serviço efetivamente prestado. Existência de boa-fé. Prestígio à confiança e segurança jurídica. Efeitos patrimoniais restritos podem advir do contrato nulo. Enriquecimento sem causa. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre a questão do ressarcimentos dos cofres públicos. Precedentes do STJ. Lei 8.666/1993, art. 59. CF/88, art. 5º, LXXIII. Lei 4.717/1965. CCB/2002, art. 884.

Postado por legjur.com em 19/07/2013
«... Delimitação da controvérsia.

Extrai-se dos autos que Dania do Nascimento, Maria Aparecida Jerônimo Brait e Mohamad Ahmad Ramadan são ligados a vereadores do Município de Colina, no Estado de São Paulo, seja por matrimônio, afinidade ou consangüinidade, e que, não obstante, ocuparam cargos públicos em violação ao art. 87 da Lei Orgânica daquele Município.

Não se discute a invalidade dessas contratações. A sentença, o acórdão proferido pelo TJ/SP e o acórdão embargado são uníssonos nesse sentido.

A controvérsia, tal como trazida pelos embargos de divergência, cinge-se apenas a definir os efeitos patrimoniais que decorrem da invalidade desses contratos administrativos. Quer-se saber em que medida os co-réus, ora embargados, devem ressarcir o erário.

II. A divergência na jurisprudência desta Corte.

Em regra, a invalidação do contrato administrativo, como espécie do ato administrativo, produz efeitos ex tunc (retroativos), fazendo com que as partes retornem ao status quo ante (art. 59, Lei 8.666/93).

No entanto, esta Corte tem, freqüentemente, se deparado com a invalidade de atos negociais que envolvem a entrega à Administração Pública de bens ou serviços consumíveis e que, por isso, naturalmente não podem ser repetidos.

Conquanto o problema seja veiculado por meios processuais diversos, como a ação popular, a ação civil pública ou a ação de improbidade administrativa, a doutrina e a jurisprudência lhe atribuem duas soluções diversas, que, grosso modo, podem ser assim sintetizadas:

a) Os gastos efetuados pela Administração Pública devem ser ressarcidos.

Segundo a primeira corrente que se estabeleceu sobre o tema, os gastos efetuados pela Administração Pública devem ser ressarcidos, independentemente de outras considerações, pelo agente público responsável pela contratação e pelos particulares contratados. Nessas situações, pode-se apenas resguardar o direito de regresso do particular contra o agente público responsável pela ilegalidade.

Na jurisprudência desta Corte, esse posicionamento está bem representado pelo acórdão paradigma (Resp 94.244/RS, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 01.02.1999).

Na doutrina, essa posição é defendida por Hugo Nigro Mazzilli, Sérgio Ferraz e Lúcia Valle Figueiredo. Esses dois últimos anotam que «quem gastar em desacordo com a lei, há de fazê-lo por sua conta, risco e perigos. Pois, impugnada a despesa, a quantia gasta irregularmente terá de retornar ao erário público [...] o prestador de serviço, o fornecedor ou executor da obra serão indenizados, na medida em tiverem agido de boa fé. Entretanto, a autoridade superior que determinou a execução sem as cautelas legais, provada sua culpa (o erro inescusável ou desconhecimento da lei), deverá, caso se negue a pagar espontaneamente, em ação regressiva indenizar o Erário por sua conduta ilícita. O patrimônio enriquecido, o da comunidade e nunca o da Administração (pois esta é a própria comunidade), não o terá sido com ausência de título jurídico. Mas sim, em decorrência de uma lesão aos seus valores fundamentais, como o da moralidade administrativa. Compete à parte, e não à Administração, a prova de que o dano, decorre da presunção de lesividade, é menor do que a reposição integral». (apud Hugo Nigro Mazzilli. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 193-194).

b) O agente público e os particulares contratados não devem ressarcir qualquer valor à Administração Pública desde que as prestações tenham sido efetivamente entregues, evitando-se assim o enriquecimento sem causa do Poder Público.

Esse posicionamento foi adotado pelos i. Ministros José Delgado, Francisco Falcão, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki, todos vencedores no acórdão embargado. O entendimento sufragado pela i. Min. Denise Arruda, vencida no acórdão embargado, e pelo Ministério Público Federal (parecer de fls. 414/415) é essencialmente este, com a ligeira diferença de que aceitam a responsabilização do agente político responsável pela contratação nula.

Ademais, essa corrente prevalece em toda a Primeira Seção, como indicam os seguintes precedentes: REsp Acórdão/STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 23/4/2008; REsp 1.085.308/SP, 1ª Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe 17/11/2008; REsp Acórdão/STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 29/06/2007; REsp 391.310/GO, 2ª Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 7/3/05; REsp Acórdão/STJ, 2ª Turma, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 03.05.2004; MC 13.613/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 01/07/2008.

A Terceira Seção, por sua vez, albergou esse entendimento nos seguintes precedentes: REsp 715.369/PR, 5a Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 11/06/2007; e REsp 492.905/MG, 5a Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 27/11/2006.

III. A solução para a hipótese.

A invalidação do negócio jurídico, de direito privado ou de direito público, leva, em regra, ao restabelecimento das partes a sua situação patrimonial anterior.

Entretanto, para que se cumprisse a regra à risca em hipóteses como a presente, o direito haveria de impor aquilo que, de fato, é impossível, pois o particular estaria obrigado a devolver a remuneração percebida e o Estado deveria restituir o trabalho do qual se beneficiou.

A impossibilidade de retorno ao status quo ante não justifica que a Administração Pública receba o que lhe é devido – as remunerações pagas – mas deixe de compensar o particular. Aceitar esse entendimento é dar aval ao enriquecimento sem causa.

Como bem assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, «em hipóteses desta ordem, se o administrado estava de boa-fé e não concorreu para o vício do ato fulminado, evidentemente a invalidação não lhe poderia causar um dano injusto e muito menos seria tolerável que propiciasse, eventualmente, um enriquecimento sem causa para a Administração. [...] Com efeito, e o ato administrativo era inválido, isto significa que a Administração, ao praticá-lo, feriu a ordem jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará, ipso facto, proclamando que fora autora de uma violação da ordem jurídica. Seria iníquo que o agente violador do Direito, confessando-se tal, se livrasse de quaisquer ônus que decorreriam do ato e lançasse sobre as costas alheias todas as conseqüências patrimoniais gravosas que daí decorreriam, locupletando-se, ainda, à custa de quem, não tendo concorrido para o vício, haja procedido de boa-fé». (Curso de Direito Administrativo. 17a ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 440).

Embora não ratifique o entendimento hoje predominante, o acórdão paradigma buscou engenhosa fórmula para impedir esse enriquecimento sem causa. Com efeito, se o particular restitui a remuneração auferida, mas obtém o regresso do agente público responsável pela nulidade, tem-se que ele e a Administração Pública retornaram ao estado patrimonial anterior à contratação. Nesse tipo de solução, as conseqüências patrimoniais do ato nulo recaem sobre o agente público responsável pela nulidade.

A solução do acórdão paradigma é, em tese, aceitável, porém, com as mais respeitosas vênias, encontra-se distante da realidade. O agente público responsável pela nulidade raramente terá condições patrimoniais suficientes para restituir a todos os particulares contratados o valor do trabalho que eles entregaram à Administração Pública. Assim, se prevalecesse esse entendimento, a Administração Pública poderia reaver a remuneração que pagou e os particulares contratados quase nunca poderiam reaver o serviço prestado.

Assim, não há dúvida de que, em circunstâncias análogas, é mais razoável manter apenas os efeitos patrimoniais do contrato nulo. Se a Administração Pública pagou por aquilo que recebeu de fato e o particular recebeu pelo trabalho que efetivamente prestou, não há que se falar em prejuízo ou enriquecimento por qualquer das partes.

Conclui-se, portanto, que a nulidade do contrato administrativo não importa, necessária e inarredavelmente, no dever de restituir as partes ao estado patrimonial anterior quando houver boa-fé do particular contratante e a restituição de sua remuneração puder importar no enriquecimento sem causa do Estado.

Em outras palavras, a realidade impõe a salvaguarda da confiança, da boa-fé e da segurança jurídica, fazendo com que se reconheçam certos efeitos do ato nulo. A propósito, destaco que o reconhecimento de efeitos ao ato nulo não é tema estranho ao Direito Civil, a exemplo do que ocorre no casamento putativo (conf. Marcos Bernardes de Mello. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Validade. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 228 e ss.), não havendo razão para que o Direito Administrativo desconheça solução análoga.

De qualquer forma, essas considerações não impedem que o agente público responsável pela nulidade venha a responder nas esferas administrativa, cível e criminal caso sua conduta revele improbidade e lesividade particulares.

Como se está aqui em sede de ação popular, importam apenas as sanções cíveis ao agente público responsável pela contratação nula. Caso houvesse ele contratado serviços inúteis à Administração, por preço exorbitante, tirado proveito pessoal do negócio jurídico ou auferido qualquer enriquecimento indevido, certamente ele haveria de indenizar. No entanto, as circunstâncias dos autos não revelam qualquer particularidade nesse sentido, tal como reconhecido pelo Juízo em primeiro grau de jurisdição:


«Se tivesse sido comprovado nos presentes autos, que as contratações dos réus resultaram da vontade livre de apadrinhar alguém, contratando servidores desnecessariamente, com fins meramente políticos ou para satisfazer interesses pessoais, a reposição aos cofres públicos, daquilo que foi gasto pela Municipalidade de Colina com a remuneração dos servidores em epígrafe, deveria ser, de rigor, efetuada pelo próprio Prefeito Municipal (que fez as contratações), com recursos do seu próprio bolso. Porém, tal situação não restou demonstrada nos presentes autos [...]». (p. 247).

Ora, se a Administração Pública contratou, mesmo que irregularmente, serviços dos quais necessitava, por preço justo e efetivamente recebeu a prestação avençada, daí não se extrai prejuízo cujo ressarcimento deva ser imposto ao agente responsável pela nulidade. Entendimento diverso também acarretaria enriquecimento sem causa do Estado.

Dessa forma, é irretocável a posição que prevaleceu no acórdão impugnado e que, de modo geral, prevalece nessa Corte.

A conclusão não retira da ação popular sua eficácia. A procedência parcial do pedido impede que as prestações do contrato nulo continuem a ser adimplidas e, desde sempre, retiram deste negócio jurídico quaisquer outros efeitos. A eficácia do contrato nulo fica, assim, adstrita à manutenção das conseqüências patrimoniais de um sinalagma que não pode ser desfeito sem violação à segurança jurídica.

Destaco, por fim, que o acórdão proferido pelo TJ/SP não reconheceu a existência de má-fé dos servidores. Ao contrário, foi atestada a boa-fé e a efetiva prestação do serviço. Por este motivo, suas conclusões se encontram em linha com as premissas que a jurisprudência majoritária dessa Corte delineia. Assim, é certo que a tentativa do embargante de reverter tais premissas fáticas certamente viola a Súmula 7/STJ. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (134.3833.2000.2900) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Ação popular (Jurisprudência)
▪ Ressarcimento dos cofres públicos (v. ▪ Contrato nulo) (Jurisprudência)
▪ Contrato nulo (v. ▪ Ação popular) (Jurisprudência)
▪ Administrativo (v. ▪ Contrato nulo) (Jurisprudência)
▪ Servidor público (Jurisprudência)
▪ Contratação de servidores (v. ▪ Servidor público) (Jurisprudência)
▪ Nulidade do contrato (v. ▪ Contrato nulo) (Jurisprudência)
▪ Serviço efetivamente prestado (v. ▪ Contrato nulo) (Jurisprudência)
▪ Existência de boa-fé (v. ▪ Contrato nulo) (Jurisprudência)
▪ Prestígio à confiança e segurança jurídica (v. ▪ Contrato nulo) (Jurisprudência)
▪ Enriquecimento sem causa (v. ▪ Contrato nulo) (Jurisprudência)
Lei 8.666/1993, art. 59 (Legislação)
▪ CF/88, art. 5º, LXXIII
Lei 4.717/1965 (Legislação)
▪ CCB/2002, art. 884

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