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STJ. 3ª T. Recurso especial. Responsabilidade civil. Responsabilidade pré-contratual. Contrato. Fase de tratativas. Violação do princípio da boa-fé objetiva. Danos materiais. Matéria de fatos e provas. Especial não conhecido. Considerações do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva sobre a responsabilidade pré-contratual. Precedente do STJ. Súmula 7/STJ. CF/88, art. 105, III. CPC, art. 541. Lei 8.038/1990, art. 26. CCB/2002, art. 422.

Postado por legjur.com em 19/07/2013
«... III) Da responsabilidade civil da recorrente.

Ao que se tem dos autos, a recorrida, instada pela BMW, afirmou sua intenção de vir a contratar, adiantando, nessa oportunidade, os documentos exigidos para a formalização do contrato definitivo, inclusive o depósito prévio. Concluiu-se, portanto, que a partir daí surgiu a responsabilidade pré-negocial, ou seja, da fase preliminar do contrato, tema oriundo da conhecida culpa in contrahendo.

Acerca do assunto, observa Judith Martins-Costa que «a doutrina da culpa in contrahendo foi formulada pioneiramente por Jhering, entendendo-se contemporaneamente, mediante tal noção, que incorre em responsabilidade pré-negocial a parte que, tendo criado na outra a convicção, razoável, de que o contrato seria formado, rompe intempestivamente as negociações, ferindo os legítimos interesses da contraparte” (A boa-fé no direito privado, Revista dos Tribunais, pág. 485).

Para Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, págs. 397/398), a teoria da culpa in contrahendo veio permitir, em um primeiro momento, o ressarcimento de danos causados, na fase pré-contratual, a pessoas ou a bens e, em um segundo momento, exigir a circulação entre as partes de todas as informações necessárias para a contratação.

A propósito, ainda, é de se lembrar que foi a teoria da culpa in contrahendo de Jhering que influenciou o Código Civil alemão (BGB, de 1896), o pioneiro em se tratando de boa-fé objetiva.

Com efeito, o parágrafo 242 do Código Civil alemão (BGB) dispõe que o devedor está obrigado a executar a prestação como exige a boa-fé, em atenção aos usos e costumes.

Na Itália também predomina a opinião de que, para que haja responsabilidade pré-contratual, é necessário que exista «confiança razoável entre as partes, o rompimento injustificado das tratativas, bem como dano decorrente da interrupção» (artigo 1.337 do Código Civil italiano, de 1942).

Igualmente, merece destaque o art. 227 do Código Civil lusitano, de 1967, que assenta: «quem negocia com outrem para conclusão de um contrato, deve tanto nas preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte".

No Brasil, nosso Código Civil de 1916 não possuía dispositivo expresso cuidando da boa-fé objetiva. Todavia, o novo Código Civil prevê que «os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé» (art. 422).

Mas, mesmo antes da incorporação legislativa, Pontes de Miranda já ressaltava, no âmbito das tratativas, a importância da tutela da confiança:


"[...] o que em verdade se passa é que todos os homens têm de portar-se com honestidade e lealdade, conforme os usos do tráfico, pois daí resultam relações jurídicas de confiança, e não só relações morais. O contrato não se elabora a súbitas, de modo que só importe a conclusão, e a conclusão mesma supõe que cada figurante conheça o que se vai receber ou o que vai dar. Quem se dirige a outrem, ou invita outrem a oferecer, expõe ao público, capta a confiança indispensável aos tratos preliminares e à conclusão do contrato.» (Responsabiliade civil pré-negocial, pág. 259)

Para o Prof. Orlando Gomes, «se um dos interessados, por sua atitude, cria para o outro a expectativa de contratar, obrigando-o, inclusive, a fazer despesas, sem qualquer motivo, põe termo às negociações, o outro terá o direito de ser ressarcido dos danos que sofreu» (Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo, pág. 131).

O renomado mestre, em parecer transcrito no voto proferido pelo ilustre Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no julgamento do REsp nº 49.564, ainda esclarece:


"[...]


"Como visto, o direito brasileiro encontra-se entre as legislações que não a consignaram explicitamente, devendo, pois, acompanhá-las na fundamentação da responsabilidade precontratual. Tal é a razão do entendimento de que entre nós a responsabilidade precontratual se rege pelas regras da responsabilidade extracontratual. Apóia-se, portanto, no art. 159 do Código Civil toda pretensão de quem seja prejudicado pela rutura de tratativas para a conclusão de um contrato. Inequivocamente. Romper sem justificativa as negociações preliminares que se estão desenvolvendo na formação de um contrato é uma ação que obriga o agente a reparar o dano. Entendem os doutores, finalmente, não ser necessário que a rutura seja intencional, bastando ser injustificada, arbitrária, culposa.


Em face dessas observações e ponderações, pode-se afirmar com segurança que, com fundamento no art. 159 do Código Civil, faz jus a uma reparação quem quer que sofra um dano em virtude da rutura desleal de negociações preliminares em curso, quebrando a confiança de que o contrato in fieri se concluiria, não fora a sua injustificada desistência» (fls. 2.981).


Para caracterizar o fato constitutivo da responsabilidade pré-contratual, argumenta o eminente Professor:


Assim sendo, requer-se, em primeiro lugar, uma atividade dos interessados em negociar, que se destine à conclusão de um contrato, cujo projeto esteja em elaboração. Importa que cada qual conduza as negociações num plano de probidade, lealdade e seriedade de propósitos. Não é necessário, todavia, como salienta SACCO, que se trate de uma proposta contratual perfeita e acabada; basta que os interessados estejam em entendimentos a respeito do futuro contrato ou que se encontrem vis a vis numa posição que induza um deles à convicção de que o outro celebrará o contrato que lhe foi prometido. O importante é que a confiança seja traída.


Quanto à ilegitimidade da rutura, entende-se que ocorre quando um dos participantes da negociação a interrompe ou abandona arbitrariamente, sem justo motivo, comportando-se deslealmente. No ilícito precontratual, a falta de boa fé representa o mesmo papel de critério de imputação que desempenham, no ilícito tanto contratual quanto no ilícito extracontratual, o dolo e a culpa.


[...]


Sobre a questão da responsabilidade pré-contratual, salienta o insigne Mestre:


De resto, a responsabilidade precontratual não se configura apenas, como foi visto, pela rutura de negociações preparatórias conduzidas até o ponto de já constituírem uma proposta na acepção técnica do vocábulo. Repita-se: basta que os partícipes das negociações se encontrem numa situação que autorize o lesado a supor razoavelmente que o outro concluiria os negócios jurídicos idôneos à regência dos interesses em jogo.


[...]» (grifou-se).

Outra não foi a posição já adotada nesta Corte Superior:


"DIREITO CIVIL. PACTUM DE CONTRAHENDO. CONFIGURAÇÃO. RETIRADA ARBITRARIA. NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO EM MORA DO DEVEDOR DA PRESTAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. INDENIZAÇÃO ABRANGENTE DE TODAS AS PARCELAS DEVIDAS. RECURSO DESACOLHIDO.


I - MANIFESTADA EXPRESSAMENTE POR AMBAS AS PARTES A INTENÇÃO DE FORMALIZAR CONTRATO DE LOCAÇÃO DE POSTO DE SERVIÇOS, A DEPENDER DE CONDIÇÃO SUSPENSIVA A CARGO DO PROPONENTE-LOCATARIO, SEM TERMO, FORMALIZOU-SE O CONTRATO PRELIMINAR, NÃO SENDO LICITO A PREPONENTE-LOCADORA CONTRATAR LOCAÇÃO DE POSTO COM TERCEIRO SEM CONSTITUIR EM MORA AQUELE, QUANTO AO IMPLEMENTO DA CONDIÇÃO AVENÇADA.


II - A CONTRATAÇÃO, NESSES TERMOS, CONSTITUI RETIRADA ARBITRARIA, HABIL A ENSEJAR A INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS A ELA CONCERNENTES.


III - CASO CONCRETO EM QUE A INDENIZAÇÃO CONCEDIDA ABRANGEU TODAS AS PARCELAS DEVIDA AO RECORRENTE» (REsp Acórdão/STJ, Rel. MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/1993, DJ 13/12/1993).

Na espécie, a responsabilidade pré-contratual discutida não decorre do fato de a tratativa ter sido rompida e o contrato não ter sido concluído, mas do fato de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material.

É o que se extrai da letra do acórdão impugnado:


"[...]


É fato que inexistiu, no caso, contrato devidamente formalizado, mas é inegável, também, que essa fase de puntuação pode acarretar o pagamento de indenização em caso de danos dela decorrentes, considerando que aí se aplica o princípio da boa-fé objetiva.


Demais, resta provado que foi gerada para a autora a expectativa de contratação, notadamente considerando a troca de correspondência entre os representantes das duas empresas e o depósito efetuado na conta corrente bancária indicado pelo representante da ora apelante.


[...]


Trata-se, no caso, da chamada responsabilidade pré-contratual, também conhecida como culpa in contrahendo, em que as tratativas preliminares, ainda que não vinculem diretamente as partes, causam expectativa do direito de contratar, aplicando-se então, o princípio da boa-fé objetiva, sendo que qualquer ato injustificado de qualquer dos lados gera a obrigação de indenizar em caso de danos.


[...]


Adiante, não se pode admitir a alegação de que a empresa recorrente não teria responsabilidade em razão do fato decorrer de ato de seu representante sem que essa soubesse das tratativas e que jamais tenha recebido ou se beneficiado do pagamento feito pela empresa recorrida.


Trata-se, a priori, de aplicação explícita do já citado princípio da boa-fé objetiva que determina a observância dos chamados deveres anexos ou de proteção, tais como os de lealdade, confiança, assistência etc.


Demais, também se encaixa à presente situação a teoria da aparência, em que a ora recorrida acreditou estar lidando com o representante da empresa, até mesmo porque se tratava do seu Presidente no Brasil, não havendo, portanto, qualquer razão objetiva para não se considerar tratar de agente devidamente autorizado.


Ora, alegar que a antes autora tinha o dever de saber estar o agente da recorrente agindo com excesso de mandato é tentar fugir, à toa, da responsabilidade decorrente de atos praticados por seus agentes.


[...]» (fls. 355/358 - grifou-se).

Ao que se tem, portanto, diante do quadro fático soberanamente analisado pelas instâncias ordinárias, restaram comprovados: o consentimento prévio mútuo, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento ilegítimo das tratativas, o prejuízo e a relação de causalidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido.

Nesse contexto, rever as conclusões do acórdão impugnado quanto aos requisitos que configuram a responsabilidade da recorrente é pretensão vedada nesta seara recursal ante o óbice contido na Súmula 7/STJ. ...» (Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).»

Doc. LegJur (134.3833.2000.6900) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Recurso especial (Jurisprudência)
▪ Responsabilidade civil (Jurisprudência)
▪ Responsabilidade pré-contratual (Jurisprudência)
▪ Contrato (v. ▪ Responsabilidade pré-contratual) (Jurisprudência)
▪ Fase de tratativas (v. ▪ Responsabilidade pré-contratual) (Jurisprudência)
▪ Princípio da boa-fé objetiva (Jurisprudência)
▪ Boa-fé objetiva (Jurisprudência)
▪ Danos materiais (v. ▪ Responsabilidade pré-contratual) (Jurisprudência)
▪ Matéria de fatos e provas (v. ▪ Responsabilidade pré-contratual) (Jurisprudência)
▪  Súmula 7/STJ (Recurso especial. Exame de prova. Descabimento. CF/88, art. 105, III. RISTJ, art. 257. CPC, art. 541. Lei 8.038/90, art. 26).
▪ CF/88, art. 105, III
▪ CPC, art. 541
Lei 8.038/1990, art. 26 (Legislação)
▪ CCB/2002, art. 422

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