Jurisprudência em Destaque

STJ. 2ª Seção. Responsabilidade civil. Dano moral puro. Juros de mora. Juros moratórios. Indenização por dano moral puro. Ato ilícito. Imprensa. Veiculação de matéria jornalística. Termo inicial dos juros de mora. Data do evento danoso. Amplas considerações, no VOTO VENCIDO, da Minª. Maria Isabel Gallotti no sentido de que os juros moratórios fluam a partir da data do julgamento. Precedentes do STJ. Súmula 54/STJ. Súmula 362/STJ. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186, 394, 398, 405, 407 e 927. CCB, arts. 962 e 1.536, § 2º.

Postado por Emilio Sabatovski em 02/09/2013
«... VOTO VENCIDO. Passo, portanto, ao exame da única matéria posta no recurso especial, a saber, o termo inicial dos juros de mora no caso de indenização por dano moral puro, decorrente de ato ilícito.

Na linha da jurisprudência sumulada no STJ, tratando-se de responsabilidade extracontratual, os juros de mora fluem desde a data do evento danoso (REsp. 3.766-RJ, rel. Ministro JOSÉ DE JESUS FILHO, DJ 18.3.91, entendimento sumulado no enunciado 54). Orienta-se a jurisprudência no sentido de que este enunciado aplica-se também no caso de indenização por dano moral (cf, entre diversos outros, o acórdão no EDcl no REsp 295.175/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, QUARTA TURMA, DJ de 29.10.2001).

Por outro lado, cuidando-se de responsabilidade contratual, os juros de mora contam-se a partir da citação (Código Civil de 1916, art. 1.536, § 2º). Nesse sentido, entre muitos outros, REsp. 1.762/SP, rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, DJ 10.9.90; REsp 651.555/MT, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO, QUARTA TURMA, DJe de 16.11.2009)

No caso dos autos, o fundamento da imposição de responsabilidade à empresa recorrente foi extracontratual, decorrente de evento danoso surgido a partir de publicação jornalística efetuada pela recorrente sobre o recorrido.

Embora viesse eu seguindo a linha da jurisprudência acima sumariada, a questão levantada me fez presente, já no julgamento do REsp. 903.258-RS, perante a 6ª Turma, a necessidade de repensar a questão, que submeto, agora, à apreciação da 2ª Seção.

Com efeito, a questão do termo inicial dos juros de mora no tocante ao pagamento de indenização por dano moral, seja o seu fundamento contratual ou extracontratual, merece ser reexaminada, tendo em vista as peculiaridades deste tipo de indenização. E o presente caso presta-se como uma luva para o reexame da questão, pois a recorrente demonstrou sua intenção de saldar a dívida tão logo ciente da expressão de sua obrigação imaterial em obrigação pecuniária, conferindo seriedade à alegação de que não poderia, mesmo querendo, satisfazer a obrigação extrapatrimonial em data anterior.

Considero que, em se tratando de indenização por dano moral, da mesma forma como não se aplica a pacífica jurisprudência do STJ segundo a qual «incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo» (Súmula 43), na linha do entendimento hoje consagrado na Súmula 362, também não deve ser invocada a Súmula 54, de acordo com a qual «os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual» Nesta linha, invoco antigo e solitário precedente da 3ª Turma, o REsp. 146.861/MA, relator o Ministro WALDEMAR ZVEITER, DJ 21.9.98.

Isto porque como a indenização por dano moral (prejuízo, por definição, extrapatrimonial) só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou, não há como incidir, antes desta data, juros de mora sobre quantia que ainda não fora estabelecida em juízo.

Dessa forma, no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano moral puro, entendo que não há como considerar em mora o devedor, se ele não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes. Incide, na espécie, o art. 407 do Código Civil, segundo o qual os juros de mora serão contados «assim às dívidas de dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes seja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes» No mesmo sentido dispunha o art. 1.064 do Código Civil de 1916.

Observo que, a rigor, a literalidade dos citados art. 1.064 (Código de 1916) e 407 (Código Civil de 2002) conduziria à conclusão de que, sendo a obrigação ilíquida, e, portanto, não podendo o devedor precisar o valor de sua dívida, não lhe poderiam ser imputados os ônus da mora – é o princípio in iliquidis non fit mora, consoante ressaltado pelo Ministro Orozimbo Nonato em seu voto no julgamento do Recurso 111, cujo acórdão foi publicado na Revista Forense, de junho de 1942, p. 145.

Mas, conforme assinalou o eminente Ministro, no mesmo julgamento, tal entendimento tornaria sem sentido a regra do § 2º do art. 1.536, do Código de 1916, segundo o qual «contam-se os juros de mora, nas obrigações ilíquidas, desde a citação inicial»

A jurisprudência e a doutrina, em interpretação harmonizadora da aparente antinomia entre os dois dispositivos, reduziu o alcance do princípio do art. 1.064, para consagrar o entendimento de que «se a obrigação é ilíquida os juros se contam desde a petição inicial, mas sobre a importância determinada pela sentença judicial (na ação), pelo arbitramento, ou pelo acordo das partes» (cf. voto citado).

Observo que a tese de que os juros de mora fluem desde data anterior ao conhecimento, pelo próprio devedor, do valor pecuniário de sua obrigação, decorre de uma mora ficta imposta pelos arts. 962 e 1.536, § 2º, do Código de 1916 (Código Civil de 2002, arts. 398 e 405).

Esta ficção – de que desde o ato ilícito (Código Civil de 2002, art. 398 e Código Civil de 1916, art. 962) ou desde a citação (Código Civil em vigor, art. 405 e Código Civil de 1916, art. 1.536, § 2º, aplicável aos casos de inadimplemento contratual) o devedor está em mora e poderia, querendo, reparar plenamente o dano, a despeito de ilíquida a obrigação – é razoável nos casos de indenização por dano material (danos emergentes e lucros cessantes).

Com efeito, considera-se em mora o devedor desde a data do evento danoso, porque o procedimento correto, que dele se espera, é o reconhecimento de que causou o dano e sua iniciativa espontânea de repará-lo, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, prestando socorro à vítima, pagando-lhe o tratamento necessário, provendo o sustento de seus dependentes, indenizando-a dos prejuízos materiais sofridos, prejuízo este apurável com base em dados concretos, objetivos, materialmente existentes e calculáveis desde a data do evento. Se assim não age, ou se não repara espontaneamente a integralidade dos danos, no entender da vítima, caberá a esta ajuizar a ação, considerando-se o devedor em mora não apenas desde a fixação do valor da indenização por sentença, como decorreria da interpretação isolada do art. 407 do Código Civil, mas desde a data do ato ilícito (no caso de responsabilidade extracontratual) ou desde a citação (no caso de responsabilidade contratual).

Em se tratando de danos morais, contudo, que somente assumem expressão patrimonial com o arbitramento de seu valor em dinheiro na sentença de mérito (até mesmo o pedido do autor é considerado pela jurisprudência do STJ mera estimativa, que não lhe acarretará ônus de sucumbência, caso o valor da indenização seja bastante inferior ao pedido, conforme a Súmula 326), a ausência de seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o quisesse o devedor, não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral não traduzida em dinheiro nem por sentença judicial, nem por arbitramento e nem por acordo (CC/1916, art. 1.064 e cc/2002, art. 407).

Se a jurisprudência do STJ não atribui responsabilidade ao autor pela estimativa do valor de sua pretensão, de modo a impor-lhe os ônus da sucumbência quando o valor da condenação é muito inferior ao postulado (Súmula 326), não vejo como atribuir esta responsabilidade ao réu, para considerá-lo em mora, desde a data do ilícito, no que toca à pretensão de indenização por danos morais.

Por estes motivos, em se tratando de indenização por dano moral, os juros moratórios devem fluir, assim como a correção monetária, a partir da data do julgamento em que foi arbitrado o valor da indenização, tendo presente o magistrado, no momento de sua mensuração, também o período, maior ou menor, decorrido desde o fato danoso causador do sofrimento infligido ao autor e as conseqüências, em seu estado emocional, desta demora.

No caso em exame, o valor da indenização por dano moral - 200 (duzentos) salários mínimos - foi estabelecido pelo acórdão recorrido. A data do acórdão proferido pelo Tribunal de origem (10.5.2006) deve ser, pois, o termo inicial dos juros de mora.

Em face do exposto, dou provimento ao recurso especial, para determinar que os juros de mora tenham como termo inicial a data da sessão em que proferido o acórdão recorrido.

[...].

RATIFICAÇÃO DE VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, eu gostaria, em face do voto do Sr. Ministro Sidnei Beneti, de prestar alguns esclarecimentos sobre o meu voto.

A primeira questão que eu gostaria de deixar bem clara é que não proponho, em meu voto, que os juros de mora, em caso de dano moral puro, fluam a partir do trânsito em julgado. Não proponho isso, até mesmo porque concordo inteiramente com o Sr. Ministro Sidnei Beneti, no sentido de que, se os juros de mora fluíssem a partir do trânsito em julgado, seria incentivado o ato de recorrer apenas para a finalidade de postergação do trânsito em julgado. Com efeito, aceita esta tese - que não é o que consta do meu voto, repito - o devedor, mesmo ciente do valor da condenação, poderia retardar o pagamento sem arcar com os efeitos da mora. Não é este, portanto, o sentido do meu voto.

O que proponho é que, no caso de dano moral puro, os juros de mora corram a partir da data em que fixada a indenização, assim como ocorre com a correção monetária.

Quanto à correção monetária, considera a jurisprudência sumulada do STJ (Súmula 362) que o valor fixado em moeda corrente já está atualizado até a data do arbitramento. Quando estabelecemos, hoje, uma indenização no valor de trinta mil reais, estamos estabelecendo trinta mil reais na data de hoje e não trinta mil reais na data do ilícito, que pode ter ocorrido há um, dez ou vinte anos atrás. Assim, incide a Súmula 362, segundo a qual «a correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento» e não a Súmula 43 ("incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo"), aplicável esta no caso de indenização por dano material.

Em coerência com o mesmo princípio, considero que quando estabelecemos, hoje, o valor da condenação para compor o dano moral - no exemplo acima, trinta mil reais - estamos tendo em conta não só a atualização até a data de hoje (correção monetária) como também a mora decorrente do ato danoso até hoje. Já estamos fazendo um arbitramento completo, que engloba a alteração do poder aquisitivo da moeda até a data do julgamento e também o tempo que o devedor ficou privado da composição do dano moral até a data de hoje.

Em termos práticos, é evidente a dificuldade com a qual o julgador se depara ao estabelecer o valor de uma indenização por dano moral, especialmente no julgamento de recursos, para verificar se foi razoável, irrisório ou exorbitante o valor fixado na origem, diante de um número abstrato: trinta mil reais, por exemplo. Mas, trinta mil quando? Trinta mil com juros desde vinte anos atrás; trinta mil com juros desde dez anos atrás, trinta mil com juros desde um ano atrás. Já aconteceu, na Quarta Turma, de darmos provimento a um recurso especial do réu para aumentar o valor nominal da indenização por dano moral, o que, a primeira vista, pareceria prejudicar a situação do recorrente, porque pedia ele precisamente a diminuição do valor da condenação que lhe fora imposta. Mas o provimento do recurso lhe era favorável, tendo em vista que a correção - e, no meu entendimento, os juros de mora - passariam a fluir a partir do arbitramento da indenização pelo STJ, e não desde a data da sentença ou do acórdão recorrido.

Então, o meu voto, além de coerente com a Súmula 362, do ponto de vista prático, leva em conta que é mais factível que se avalie o valor do dano moral na data do arbitramento da indenização, com base no padrão monetário vigente e levando em conta, ao apreciar esse dano, que o autor está lesado desde a época do evento.

Quero enfatizar que o presente voto não pretende infirmar os sólidos fundamentos da Súmula 54, concebida a partir de casos concretos ligados à composição de danos materiais diversos. Embora tal súmula venha sendo aplicada, de forma indistinta, para casos de dano material e dano moral (salvo no precedente isolado do Ministro Waldemar Zveiter, REsp. 146.861/MA, DJ 21.9.98), não encontrei precedente do Tribunal em que tenha sido discutida a questão levando em conta as peculiaridades da indenização por dano moral.

Portanto, assim como a jurisprudência do STJ evoluiu, passando a fazer distinção, no tratamento da correção monetária, entre a indenização por dano material e por dano moral (Súmulas 43 e 362, respectivamente), penso mereça a questão dos juros de mora tratamento específico, conforme se trate de indenização por dano material (Súmula 54) ou por dano moral.

Ressalto que esse meu voto diz respeito, apenas, a dano moral puro. Esse meu entendimento não se aplica ao dano patrimonial ilíquido, por mais difícil que seja a sua liquidação.

Explico o motivo do tratamento diferenciado apenas para o dano moral puro e não para o dano patrimonial ilíquido.

É que o dano moral, por expressa definição, opõe-se à noção de dano patrimonial. Quando se busca indenização por dano moral - ou seja, um dano a um bem imaterial, não passível de aquisição no mercado, que não se confunde com o patrimônio - já que não se pode recompor plenamente o dano (a vida de um ente querido, ou a honra de uma pessoa ofendida, por exemplo), as partes, por acordo, ou o Judiciário, em caso de litígio, fixa uma indenização em dinheiro.

Esta indenização não tem base de cálculo, justamente porque se destina a compensar dano imaterial, bem (vida de ente querido, honra etc) não encontrável no mercado a preço algum que possa servir de parâmetro.

É por esse motivo que entendo que, no caso do dano moral puro, como o bem atingido (objeto do dano) não tem expressão monetária, o valor do dano não tem sequer base de cálculo, não poderia o réu, nem que quisesse, na ausência de acordo, compor essa indenização antes que o Judiciário convertesse aquilo que é imaterial em um dado material.

Exemplifico com uma batida de trânsito: um acidente que causa morte. O autor do dano pode, reconhecendo que foi o culpado e matou um pai de família, tentar compor o dano da melhor forma possível. Ele pode pagar as despesas de hospital, pagar as despesas de funeral, prover o sustento da família, com um valor mensal equivalente à remuneração que, em vida, tinha o pai. No caso de um taxista que ficou privado do táxi por causa de uma batida de carro, o autor do dano pode chegar a um acordo com a vítima e saber qual é a média mensal que ganha com esse táxi; o taxista ficou dois meses sem carro, então, pode-se indenizar um dano patrimonial em princípio ilíquido, sem necessidade de litígio. O causador do dano pode compor esse dano patrimonial ilíquido e, se ele não fizer isso espontaneamente, se a vítima tiver que ir à Justiça buscar os danos emergentes, os lucros cessantes, essa indenização, embora ilíquida, seria passível de ter sido composta espontaneamente, e os juros de mora, em caso de condenação, serão contados na forma da Súmula 54, desde a data do ilícito. A base de cálculo da condenação, mesmo que objeto de futura liquidação de sentença, será verificada com base em fatos concretos, provados nos autos, a saber, o valor de mercado do objeto danificado na época do evento, os rendimentos da vítima, os lucros cessantes concretamente aferíveis etc.

Julgamos, recentemente, na Quarta Turma, um caso em que se discutia a questão de uma prótese. O responsável pelo acidente foi condenado a pagar o tratamento médico completo, nele incluída uma prótese que a vítima passaria a ter necessidade de usar. A empresa ré embargou de declaração, alegando que só iria fornecer a prótese depois que transitasse em julgado a sentença e que, portanto, os juros de mora não deveriam fluir desde o evento, porque ela iria entregar uma prótese, e não pagar prestação pecuniária.

Decidiu a Quarta Turma, em acórdão por mim relatado, que a prótese tem valor de mercado. Como a prótese tem valor de mercado, já tinha valor de mercado na data do acidente. E, como o acórdão julgou a empresa responsável pela composição do dano material, e a pessoa está claudicando sem a prótese desde a data do acidente, ela terá de indenizar o valor de uma prótese com juros de mora desde a data do acidente. Sendo uma prótese, o autor do dano teria condições de pagar o tratamento - inclusive a prótese - desde a data do evento . Havia realmente um dano material ilíquido, mas um dano material passível de composição desde a data do evento.

Ao contrário, no caso do dano moral, por definição imaterial e sem base de cálculo, mesmo que o réu se reconheça causador do dano moral e pretenda compô-lo, o valor da indenização varia tanto que, muitas vezes, pede-se, na inicial, quinhentos mil reais e se obtém somente cinco mil reais como condenação.

É em razão desta constatação, que a jurisprudência sumulada deste Tribunal (Súmula 326) entende que, mesmo que o autor peça um valor a título de danos morais e ganhe muito menos - um décimo, um centésimo do postulado -, não há sucumbência recíproca, porque o valor do pedido do dano moral puro é uma mera estimativa, não serve nem de parâmetro para que o autor, que pediu na Justiça um milhão de reais e ganhou apenas dez mil reais, arque com ônus da sucumbência proporcionais à sua postulação.

Então, penso que, não sendo esse valor sequer parâmetro para a definição do pedido inicial, o qual deveria ser de responsabilidade do autor, para efeito de atrair-lhe os encargos de sucumbência, exatamente porque ele é um dado imaterial, a meu ver não há como fazer incidir juros de mora a partir da data do evento, sendo que o dano era imaterial, e que o causador do dano não poderia, mesmo querendo, na ausência de acordo, honrar essa obrigação, compor esse dano imaterial.

Portanto, embora eu reconheça, como disse o Ministro Sidnei Beneti, que a vítima está lesada em sua honra, por exemplo, desde a data do fato que a ofendeu, por outro lado observo que se trata de uma obrigação que não é expressa em dinheiro, não por falta de liquidez, mas pela própria natureza da obrigação. E a solução, a meu ver, mais consentânea com o art. 407 do Código Civil - e também com essa situação de mora em que, sem dúvida, encontra-se o autor do ilícito - é se considerar que, a partir do dia em que o Judiciário define o valor da indenização, do dia, portanto, em que o dano passou a ser expresso em dinheiro, deve, a partir daí, passar a incidir correção monetária e os juros de mora. O magistrado, ao fixar esse valor, deve ter em conta esse período de mora, deve ter em conta que, desde a data do acidente até o dia em que foi fixada a indenização pecuniária, correram tantos meses ou anos, e isso deve fazer parte do juízo de ponderação do Tribunal, ao fixar o valor do dano moral.

Mas, fazer retroagir juros de mora desde o evento, em caso de responsabilidade extracontratual, ou desde a citação em caso da responsabilidade por dano moral derivado de contrato, sobre um valor que não poderia mesmo ser arbitrado pelo próprio réu para compor espontaneamente o dano moral - nem do próprio autor se exige seja arbitrado para efeito de sua responsabilidade pelos ônus de sucumbência -, isso não conduziria à melhor interpretação da lei.

Em síntese, deixo bem claro que o meu voto é somente para a indenização por dano moral puro, não engloba danos patrimoniais ilíquidos, e também que, em momento algum, propus que fluíssem os juros a partir do trânsito em julgado, e sim desde a data da fixação pelo Tribunal de origem. E esse caso que escolhi para afetar ao julgamento da Seção é emblemático porque o réu, tão logo condenado pela segunda instância, já que fora absolvido na primeira, depositou em juízo o valor integral da condenação, reservando-se para discutir aqui, no recurso especial, apenas a fluência dos juros de mora, exatamente com esse argumento de que não poderia ele antes, mesmo querendo, haver composto a obrigação. Este valor depositado espontaneamente pelo réu pode ser levantado a qualquer momento pelo autor, já que o recurso especial não tem efeito suspensivo. Do julgamento do presente recurso especial dependerá, apenas, a complementação do depósito (valor controvertido), caso seja confirmado o termo inicial dos juros estabelecido pelo acórdão recorrido.

Com a devida vênia, ratifico o meu voto.

[...].

ADITAMENTO AO VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, peço desculpas aos Colegas pelo adiantado da hora, mas não posso deixar de esclarecer aspecto que não foi bem compreendido de meu voto.

Não é a iliquidez, ou mesmo eventual dificuldade prática de liquidação de dano ilíquido, que justificam, ao meu sentir, a contagem de juros de mora a partir da data do ato judicial que fixou a indenização por dano moral.

Quero deixar bem claro que concordo inteiramente com a doutrina secular sumariada no voto do Ministro Luis Felipe Salomão e, agora, no voto do Ministro Paulo de Tarso, no sentido de que, no caso de ilícito absoluto, a mora ocorre desde a data do ato lesivo. É incensurável a Súmula 54 do STJ. Deste entendimento não destoa o magistério do Ministro Orozimbo Nonato citado em meu voto.

O ilícito absoluto pode causar danos materiais e morais. O réu estará em mora desde o dia em que o praticou se não reparar os danos espontaneamente. O que difere não é a natureza do ilícito absoluto, mas a natureza do dano a ser indenizado (dano material, patrimonial, de bens com valor aferível no mercado) e/ou dano moral (por definição, prejuízo extrapatrimonial, dano a bem sem preço de mercado).

Há peculiaridades no arbitramento da indenização por dano moral, as quais já foram reconhecidas pela jurisprudência do STJ, quanto ao tratamento da correção monetária (a partir da data da fixação pelo juiz, Súmula 362) e da sucumbência recíproca (mesmo que o autor postule um milhão de reais e obtenha condenação no valor de apenas mil reais, não se considera tenha ele sucumbido sequer em parte, Súmula 326), conforme mencionado em meus votos anteriores neste processo.

Assim, minha divergência de entendimento não diz respeito à doutrina tradicional, nem à Súmula 54 e nem aos seus precedentes que não tiveram em mira indenização por danos morais.

A diferença de tratamento da indenização por dano moral diz respeito à circunstância de que o dano moral não tem base de cálculo.

O dano material pode - e é o que normalmente acontece - ter base de cálculo ilíquida, mas ele sempre tem uma base de cálculo aferida com apoio em elementos materiais, patrimoniais, da época do ilícito. O valor de mercado do carro destruído; o valor dos funerais da vítima; o valor do custo do tratamento médico; o valor da prótese necessária para um inválido (danos emergentes); o valor que determinado taxista deixou de receber porque seu carro ficou na oficina durante meses em decorrência do acidente; o valor que o falecido pai de família recebia em seu último emprego ou, em média, em sua atividade profissional (lucros cessantes). Se o causador do dano não reparar espontaneamente o prejuízo, ou o fizer em valor inferior ao pretendido pela vítima, caberá a esta demandar a indenização pretendida perante o Judiciário. Transitada em julgado a condenação, mesmo que vinte anos depois, a liquidação de sentença, por mais difícil e complexa que seja, terá como parâmetro os danos materiais concretamente sofridos pela vítima conforme valores de mercado do carro, valores das corridas de taxi perdidas, dos tratamentos realizados na época, com correção monetária e juros de mora desde a data do evento danoso. Isto é indiscutível. Não se poderia, em decorrência do elevado valor da condenação, alterar o valor da base de cálculo (valor de mercado do veículo na época, número de dias sem trabalhar, custo do tratamento médico, valor da prótese etc) e nem o termo legal dos juros de mora. Os juros de mora incidem desde o evento, o que é correto e legal, porque a vítima está desfalcada em seu patrimônio desde o dia do ato ilícito. O acréscimo decorrente dos juros de mora decorrem da desídia do devedor que está há anos postergando a composição do dano material.

Já a indenização por dano moral não tem base de cálculo materialmente aferível. Isso porque indeniza-se não o desfalque ao patrimônio da vítima, mas procura-se compensar ou mitigar o sofrimento que lhe foi causado pelo ofensor.

Este sofrimento não tem preço. A indenização não é arbitrada tomando por base critérios de preço de mercado. Dessa forma, se tivermos que fixar, hoje, uma indenização por dano moral decorrente, por exemplo, de lesão corporal grave ocorrida há dez anos atrás, poderemos, consideradas as circunstâncias da causa, estabelecer uma indenização de mil, dez mil, cem mil ou de um milhão de reais, indenização esta para cuja estimativa já estaremos mentalmente considerando o valor atual da moeda e também o tempo de espera da vítima pela reparação.

Não há sentido, data vênia, em estabelecer hoje o valor de cem mil reais, mandando computar juros de mora retroativos a dez, ou vinte anos, data do ilícito; sequer o juiz tem condições, sem complexos cálculos, de saber quanto está, na realidade, fixando, se o termo inicial dos juros de mora é remoto no tempo (seria necessário estimar um valor presente e retroagir a contagem dos juros para saber quanto, na realidade, estaria sendo fixado). É preferível fixar valor que já englobe a compensação pelo tempo decorrido até a data do arbitramento. Para a vítima não fará diferença cem mil com juros desde o evento, ou quinhentos mil com juros a partir de hoje. Para ela, o que interessa é o valor global no dia do arbitramento, já considerados os juros e a correção.

O último ponto de meu voto que eu gostaria de deixar bem claro, o qual também não foi compreendido pelos votos divergentes, é que a solução que proponho não causa recursos injustificados, porque o meu voto não propõe o termo inicial dos juros de mora no dia do trânsito em julgado. Penso que os juros de mora devam ser computados desde o ato judicial que arbitrou o valor da indenização por dano moral (a data da sentença, ou do acórdão da apelação ou do acórdão do recurso especial, ou seja do ato judicial que fixou o valor da indenização, considerando, até o dia em que proferido, o tempo de espera da vítima como circunstância qualificadora do dano moral). Fixado o valor da indenização, o réu sabe que os juros de mora passam a correr (assim como a correção monetária, Súmula 362), mesmo que apresente sucessivos recursos. No caso em exame, o valor foi depositado tão logo imposta a condenação, sendo objeto de recurso apenas o termo inicial dos juros de mora. Como o recurso especial tem efeito meramente devolutivo, nada impede que o autor já tenha levantado o valor, a seu exclusivo critério.

Estes os esclarecimentos que desejo prestar.

[...]» (Minª. Maria Isabel Gallotti).»

Doc. LegJur (135.1741.3000.6400) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Responsabilidade civil (Jurisprudência)
▪ Dano moral (v. ▪ Juros de mora) (Jurisprudência)
▪ Dano moral puro (v. ▪ Juros de mora) (Jurisprudência)
▪ Juros de mora (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Juros moratórios (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Indenização por dano moral puro (v. ▪ Juros de mora) (Jurisprudência)
▪ Ato ilícito (v. ▪ Juros de mora) (Jurisprudência)
▪ Imprensa (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Veiculação de matéria jornalística (v. ▪ Imprensa) (Jurisprudência)
▪ Termo inicial (v. ▪ Juros de mora) (Jurisprudência)
▪ Data do evento danoso (v. ▪ Juros de mora) (Jurisprudência)
▪  Súmula 54/STJ (Juros moratórios. Fluência. Responsabilidade civil. CCB, art. 962).
▪  Súmula 362/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Correção monetária. Incidência desde o arbitramento. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927).
▪ CF/88, art. 5º, V e X
▪ CCB/2002, art. 186
▪ CCB/2002, art. 394
▪ CCB/2002, art. 398
▪ CCB/2002, art. 405
▪ CCB/2002, art. 407
▪ CCB/2002, art. 927
▪ CCB, art. 962
▪ CCB, art. 1.536, § 2º.
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