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STJ. 4ª T. Insolvência civil. Execução individual proposta com base no mesmo título executivo. Necessidade de prévia desistência da execução singular para possibilitar a propositura da ação declaratória da insolvência. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. CPC, arts. 3º, 750, I, 753, I, 761, II e 762, § 1º.

Postado por legjur.com em 22/10/2013
«... 2. Cinge-se a controvérsia à definição acerca da possibilidade de ajuizamento de ação de insolvência civil pelo credor que, com base no mesmo título executivo, propôs demanda executiva que foi suspensa em razão da falta de bens penhoráveis.

A insolvência civil é espécie de execução coletiva e universal em que todo o patrimônio do devedor civil (não empresário) será liquidado para satisfação de suas obrigações.

No Código de Processo Civil de 1939, o concurso universal consubstanciava mero incidente no processo de execução singular, ou seja, ao devedor era conferida a faculdade de requerer a conversão na falta de bens penhoráveis suficientes ao pagamento integral do débito exequendo, estabelecendo, assim, uma ampliação no polo ativo do processo executivo.

O atual codex aboliu tal prerrogativa, transformando a execução coletiva em processo autônomo, com pressupostos específicos, entre os quais se destaca a situação de insolvabilidade, que consiste em um estado de fato, que pode ser real ou aparente.

É real quando o devedor se encontra em situação patrimonial negativa, que torna impossível o adimplemento de todos os credores, e aparente quando o devedor não possuir bens livres e desembaraçados para nomear à penhora ou, ainda, quando lhe forem arrestados bens com fundamento no art. 813, I, II e III, do CPC.

É o que dispõe o art. 750, I, do CPC:


Art. 750. Presume-se a insolvência quando:


I - o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora;


Il - forem arrestados bens do devedor, com fundamento no art. 813, I, II e III.

Nessa linha de intelecção, verifica-se que a insolvabilidade aparente ou presumida consubstancia relevante indício do desequilíbrio patrimonial do devedor.

Com efeito, conquanto a frustração da execução singular aponte para a possível incapacidade econômico-financeira do devedor para saldar suas obrigações, o ajuizamento da ação que visa à declaração de insolvência civil não está condicionada à prévia propositura da execução singular, porquanto, para tal fim, bastam as evidências que permitem deduzir a impotência patrimonial do obrigado.

Assim, forçoso concluir que, antes de representar um óbice ao ajuizamento da ação de insolvência, a existência de execução singular suspensa pela falta de bens já é um sintoma da inaptidão econômica para o pagamento dos credores, consoante a dicção do art. 750, I, do CPC, sendo factível que haja ação executiva tramitando por ocasião da propositura da execução coletiva.

Nesse sentido, leciona Araken de Assis:


[...] desnecessária se afigura a prévia propositura de ação executiva ou ocorrência de penhora. Inexiste regra, esclarece Pontes de Miranda, «que faça pressuposto da declaração de insolvência e da abertura do concurso de credores civil já ter havido penhora». Em realidade, aduz Buzaid, não há espaço para investigações profundas, e sim «mera situação de fato, que resulta empiricamente da inexistência» de bens penhoráveis. Por óbvio, a falta de bens livres e desembaraçados (ou seja, livres de prelação oriunda de direito material) pode suceder em ação executória pendente. Tratar-se-á, então, de algo contingente e acidental. (Manual da Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 938-939)

3. De fato, o concurso coletivo abrange procedimento que se desdobra em duas fases: a primeira, de natureza cognitiva que, encerrando-se com a sentença que reconhece a insolvência do executado, rende ensejo à instauração da segunda, esta sim de índole executiva, na qual se dará a expropriação sobre todos os bens do executado em prol do conjunto de credores.

Esclarece Nelson Nery Junior:


A execução por quantia certa contra devedor insolvente, num primeiro momento, apresenta um prévio processo de cognição, fase em que o juiz identifica o estado patrimonial do devedor: quais seus bens, quais suas dívidas e quais as possibilidades de ele poder honrar seus compromissos, pagando suas dívidas. Analisa, também, a existência de fatos que possam fazer presumir a insolvência do devedor (CPC 750 I e II). (Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 1.305)

Assim, enquanto não houver a prolatação da sentença de insolvência, não há propriamente execução contra devedor insolvente, mas um processo de cognição que visa à aferição da real situação patrimonial do obrigado, razão pela qual não se evidencia obstáculo a que qualquer credor quirografário escolha o procedimento expropriatório que lhe for mais conveniente, ainda que pendentes execuções individuais.

Humberto Theodoro Junior leciona:


Note-se, outrossim, que mesmo existindo a situação fática da insolvência, não está o credor obrigado a lançar mão da execução concursal. Assiste-lhe o direito de optar entre os dois remédios previstos em lei, de sorte que poderá «buscar a satisfação de seus direitos de crédito tanto com o processo de execução singular quanto através de um processo de execução concursal». (Processo de Execução e Cumprimento de Sentença. São Paulo: Editora Leud, 2009, p. 463-464)

Ocorre que, posteriormente à declaração de insolvência - que tem eficácia erga omnes - instaura-se o concurso universal, no qual o Juízo procede à análise da situação dos diversos credores, fixa-lhes as posições no concurso e determina a organização do quadro geral de credores (art. 769 do CPC), expropriando os bens do executado e satisfazendo os credores nos limites da força da massa arrecadada.

Nessa fase, portanto, o Juízo universal, propondo-se à liquidação de todo o patrimônio do executado, unifica a cognição relativamente às questões patrimoniais e torna real e efetiva a aplicação do princípio da igualdade entre os credores (par conditio creditorum), razão pela qual exerce efeito atrativo imediato em relação às ações executórias singulares em curso (art. 762, § 2º, do CPC), cujos efeitos são então obstados.

Traz-se à colação, mais uma vez, o escólio de Humberto Theodoro Junior:


É claro que a opção vigora apenas enquanto inexistir sentença declaratória do estado de insolvência do devedor, porquanto esta é de eficácia erga omnes, gerando para o devedor a privação da administração dos próprios bens e para os credores a vinculação obrigatória ao juízo universal do concurso.


Na verdade, antes da declaração de insolvência não existe execução contra o insolvente, mas apenas um processo de cognição tendente a verificar a existência ou não da insolvabilidade. Como lembra Moniz de Aragão, «o processo da execução se inicia, como resulta do art. 751, nº III, através da declaração de insolvência». (Op. Cit. p. 464)

Da mesma forma, o Juízo universal torna incabível o ajuizamento de nova execução individual contra o insolvente, de modo que o juiz «extinguirá o processo por ausência de pressuposto para o seu desenvolvimento eficaz» (Araken de Assis, Op. Cit., p. 949).

4. Com efeito, é inconteste a possibilidade de o credor quirografário utilizar-se da frustração de execução singular, ainda que promovida por outro credor contra o mesmo devedor, como argumento para a propositura da execução universal, pois o próprio autor da execução frustrada também pode propor o concurso universal desde que desista previamente do concurso singular.

Araken de Assis enfatiza que:


Qualquer credor poderá utilizar a constatação da ausência de bens penhoráveis, produzida em demanda executória alheia, para pleitear em nome próprio a decretação da insolvência do devedor comum. Por outro lado, ao exequente desafortunado, autor da execução infrutífera, caberá desistir da ação antes de postular a execução coletiva. (Op. Cit.. p. 939)

Humberto Theodoro também defende que «tampouco é de se permitir que o credor mantenha simultaneamente a execução singular e a coletiva contra o mesmo devedor. Para instaurar esta deverá desistir daquela.» (A Insolvência Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 11).

De fato, o autor da execução individual frustrada só pode ingressar com ação visando à declaração de insolvência do devedor - para instaurar o concurso universal -, se antes desistir da execução singular, pois há impossibilidade de utilização simultânea de duas vias judiciais para obtenção de um único bem da vida, sendo certo que a desistência, como causa de extinção da relação processual anterior, necessita ser homologada pelo Juízo.

Nessa ordem de ideias, verifica-se a impossibilidade de o credor pretender alcançar a tutela de um único bem da vida - a percepção de crédito específico -, utilizando-se de duas vias judiciais simultaneamente.

O STF já se manifestou sobre o tema:


Insolvência civil. Execução coletiva e execução singular (simultaneidade). Requisitos comuns à instauração de uma e de outra. A instauração do processo de execução, singular ou comum, requisita seja instruída com título executivo líquido e certo, não podendo ser utilizadas simutaneamente as duas vias. Recursos extraordinários não conhecidos. (RE 100.031/PR, Rel. Min. Rafael Mayer, Primeira Turma, DJ de 2/12/1983)

5. No caso concreto, o recorrente não desistiu expressamente da execução anteriormente ajuizada, tendo, inclusive, solicitado a distribuição deste feito por dependência àqueloutro (fl. 6).

Decerto que a execução se dá no exclusivo interesse do credor, que pode dela desistir a qualquer momento, nos termos do art. 569 do CPC, que lhe outorga ampla disponibilidade dos atos executivos:


Art. 569. O credor tem a faculdade de desistir de toda a execução ou de apenas algumas medidas executivas.

Não obstante, a desistência necessita da homologação do Juízo, uma vez que importa a extinção da relação processual executiva, razão pela qual é necessária a sua formulação pelo credor.

É nesse sentido o magistério de Araken de Assis:


E a desistência deverá ser homologada mediante sentença (art. 795). De acordo com Pontes de Miranda, a «desistência da ação depende da homologação pelo juiz, porque o que se tem por fito é a extinção da relação jurídica processual». (Op. Cit. p. 579)

Destarte, malgrado suspensa a execução individual promovida pelo ora recorrente, por insuficiência de bens, deve o exequente dela desistir, antes de postular a declaração de insolvência.

6. No entanto, observada a máxima vênia, não deve prevalecer o fundamento do acórdão, no ponto que afirma inexistência do interesse de agir em razão de que o exequente não poderia, aqui nos autos, obter mais do que na execução individual.

Por isso, mantenho o resultado a que chegou o acórdão recorrido - a impossibilidade de ajuizamento, por ora, da ação de insolvência - mas o faço com base em fundamento diverso. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (137.0451.3000.8000) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Insolvência civil (Jurisprudência)
▪ Execução individual (v. ▪ Insolvência civil) (Jurisprudência)
▪ Título executivo (v. ▪ Insolvência civil) (Jurisprudência)
▪ Desistência da execução (v. ▪ Insolvência civil) (Jurisprudência)
▪ Ação declaratória da insolvência (v. ▪ Insolvência civil) (Jurisprudência)
▪ CPC, art. 3º,
▪ CPC, art. 750, I
▪ CPC, art. 753, I
▪ CPC, art. 761, II
▪ CPC, art. 762, § 1º

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