Jurisprudência em Destaque
STJ. 3ª T. Família. Casamento. Separação convertida em divórcio. Partilha. Possibilidade. Doação. Bem doado. Regime de comunhão parcial de bens. Da comunicabilidade de doação de numerário para a quitação de imóvel adquirido pela recorrente, em casamento regido pela comunhão parcial de bens. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. CCB/2002, arts. 1.659, I, 1.661 e 1.668.
[...]
II. Da violação/negativa de vigência dos arts. 1.659, I e 1.661 do CCB/2002.
Lineamentos gerais.
O mote central da insurgência da recorrente se calca na existência de dupla doação realizada pelos seus ascendentes, diretamente a ela, o que retiraria do imóvel o caráter de bem comum.
Da primeira doação, afirma que ela foi perfectibilizada logo após a aquisição do imóvel, por instrumento público, quando seus pais a escritura pública de compra e venda e de doação do imóvel sob apreciação.
A respeito da segunda, consigna que, conquanto tenha sido recebida no período matrimonial, já havia sido formalmente realizada, na mesma data que a primeira, restando a transferência do numerário, apenas diferida no tempo, por força da relação comercial entabulada, que preconizava o pagamento de parcelas mensais, até o final da construção.
Controvertem, neste último item – pagamento das prestações durante o período de construção do imóvel -, a recorrente e o recorrido, pois esse volta, em contrarrazões, a afirmar que esse pagamento foi feito a partir da venda de imóveis próprios, adquiridos antes do casamento.
O debate sobre a origem dos valores utilizados para a quitação das parcelas do imóvel foi tangenciado pelo Tribunal de origem, que solveu a questão afirmando que:
o regime da comunhão parcial de bens assemelha-se ao da comunhão total, no que diz respeito aos bens adquiridos durante o casamento, sendo indispensável para que o imóvel não se comunique, que na escritura expressamente conste cláusula de incomunicabilidade». (fl. 276, e-STJ).
E concluiu, que «[...] não havendo a cláusula expressa de incomunicabilidade, o bem se comunica, não restando dúvida que, ainda que tenha ocorrido a doação em dinheiro para o pagamento das prestações, referida doação beneficiou a ambos os cônjuges.
Da titularidade do patrimônio doado à luz do regime de comunhão parcial de bens.
O estudo das relações patrimoniais decorrentes do casamento é calcado, primordialmente, no sistema dos regimes matrimonias de bens, que traz, hoje, como forma prevalente, o regime da comunhão parcial de bens, sempre imputado à relação conjugal na ausência de prévia manifestação expressa pela adoção de um dos outros regimes possíveis.
Esse regime tem por testa, ou força nuclear, a ideia de que há compartilhamento dos esforços do casal, na construção do patrimônio comum, mesmo quando a aquisição do patrimônio decorra diretamente de labor de apenas um dos consortes, pois se presume, que aquele que não contribuiu diretamente, de forma consensual, atuou de outras formas em prol do interesse do casal, gerando, de forma indireta, rendimentos para a família, como ocorre nas atividades domésticas encampadas por um dos cônjuges.
Vem daí a premissa de que o fruto amealhado desse trabalho deve ser integralmente partilhado, pois, a partir de acordo mútuo, focaram – o casal – esforços conjugados no crescimento patrimonial, até mesmo porque, o insucesso liga os consortes ao infortúnio financeiro, pois, de regra, são solidariamente responsáveis pelas obrigações contraídas por um deles.
No entanto, dessa mesma base teórica, extrai-se que os bens que sobrevierem a um dos cônjuges em decorrência de doação ou sucessão, são excluídos da comunhão (art. 1.659, I, do CC-02, com correspondência no art. 269, I, do CC-16).
Nessas situações, há claro descolamento entre a aquisição de patrimônio e uma perceptível congruência de esforços do casal. Vale dizer, não houve nenhuma contribuição do não-donatário ou não-sucessor para a incorporação do patrimônio adquirido por essas formas, pois o aumento patrimonial de um dos consortes, nessas hipóteses, prescinde da participação direta ou indireta do outro, sendo fruto da liberalidade de terceiros ou consequência de óbito do sucedido.
É distinto, porém, o leito lógico por onde flui a comunhão universal, pois nesta se busca respeitar e proteger a pública manifestação do casal quanto à homogeneização da titularidade dos patrimônios individuais existentes, antes mesmo das núpcias, e não apenas daquele que é fruto do sucesso conjuntamente conseguido no curso do casamento.
O legislador, privilegiando essa manifestação de vontade, limita as situações em que o patrimônio adquirido não se comunica, apenas impondo essa separação quando possa haver confronto da manifestação de vontade com direito de terceiros.
Sob outro enfoque, porém, é lida a relação conjugal onde há opção pelo regime de comunhão parcial, porque aqui, os cônjuges tão-somente reconhecem que o fruto do esforço comum deve ser compartilhado pelo casal, não o patrimônio anterior, nem tampouco aquele que não advenha – direta ou indiretamente – do labor do casal.
Assim, a aparente similaridade entre os institutos, vislumbrada na origem, é friável e, no particular, mostra clara ruptura, de onde se infere a impossibilidade de aplicação das normas atinentes à comunhão universal, em uma relação regida pelo regime de comunhão parcial, mormente quando há, em relação a este, expressa regulação da matéria.
Impõe-se, então, a conclusão de que a doação realizada a um dos cônjuges, em relações matrimonias regidas pelo regime de comunhão parcial de bens, somente serão comunicáveis quando o doador expressamente se manifestar neste sentido e, no silêncio, presumir-se-á feitas apenas ao donatário.
Consonante a doutrina nesse sentido, como se lê, exemplificativamente, do posicionamento de Rolf Madaleno:
Próprios são os bens havidos individualmente pelos cônjuges por doação, herança ou legado e, nessas condições não se comunicam, salvo quando destinados a ambos os nubentes.
A única exceção é a de o doador atribuir a liberalidade aos dois cônjuges, em comunhão, quando então manifesta de forma clara, expressa e inequívoca essa sua vontade, não deixando nenhuma dúvida de ter endereçado o bem doado aos dois cônjuges, não precisando, por evidente, ser em frações iguais.
Madaleno, Rolf in: Curso de Direito de Família, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, pag. 739).
Incontornável, então, a conclusão de que há nítida inconsistência na assertiva firmada pelo TJ/SP, de que, pela semelhança existente entre o regime de comunhão parcial de bens e o da comunhão total, haveria necessidade de expressa cláusula de incomunicabilidade para que a doação realizada pelos pais da recorrente tivesse, ela própria, como única destinatária.
Da aplicação do Direito à espécie
Nos termos do art. 257 do RISTJ, fixada a tese de que as doações feitas a um dos cônjuges, casados sob o regime de comunhão parcial de bens, apenas a ele se destinam, convém definir, desde logo, se constatada a existência de elementos fáticos suficientes, a propriedade do bem sob exame.
Resgata-se, em atenção, com a cautela de se observar os limites de análise no STJ, a base fática construída na origem, que aponta para o completo custeio de todas as obras do imóvel.
É isso que se colhe das conclusões extraídas de excerto da decisão de 1º Grau:
Com efeito, o item XII da escritura pública por cópia a fls. 635/636 demonstra que os pais da Sra. Márcia doaram todo o numerário destinado à construção da unidade, a partir de 25 de fevereiro de 1991. Considerando-se que o casamento foi celebrado no regime de comunhão parcial de bens, os créditos recebidos pelo virago a título de doação não podem se comunicar ao varão, motivo pelo qual reconsidero integralmente a decisão de fls. 616.
Note-se que a declaração de fls. 652 reforça a convicção de que os pais da ex-esposa custearam todas as obras do referido apartamento, em abono à escritura supracitada. (fl. 40, e-STJ).
De se notar que essas conclusões, em momento algum foram ilididas pelo Tribunal de origem, que tão-somente formulou tese diversa, pela qual, a doação, independentemente do regime de comunhão patrimonial optado pelo casal, para ser excluída da comunhão, teria que ter sido realizada com cláusula de incomunicabilidade.
Assim, em resguardo a expressa intenção dos genitores de doar o imóvel para sua filha – recorrente –, com a aplicação das regras atinentes à comunhão parcial e a confirmação de que a doação, mesmo que fracionada, foi o elemento concretizador da aquisição do bem, impõe-se o reconhecimento de que o imóvel é de propriedade exclusiva da recorrente, não suscetível de partilha por término da relação conjugal.
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para cassar o acórdão e restabelecer a decisão de 1º Grau de Jurisdição, no que toca à exclusão do imóvel da partilha e sua destinação exclusiva à recorrente. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»
Doc. LegJur (137.4285.0000.3400) - Íntegra: Click aqui
Referência(s):
▪ Família (Jurisprudência)
▪ Casamento (Jurisprudência)
▪ Divórcio (Jurisprudência)
▪ Separação convertida em divórcio (v. ▪ Divórcio) (Jurisprudência)
▪ Partilha (v. ▪ Divórcio) (Jurisprudência)
▪ Doação (v. ▪ Divórcio) (Jurisprudência)
▪ Bem doado (v. ▪ Doação) (Jurisprudência)
▪ Regime de comunhão parcial de bens (v. ▪ Casamento) (Jurisprudência)
▪ Comunhão parcial de bens (v. ▪ Casamento) (Jurisprudência)
▪ Quitação de imóvel (v. ▪ Divórcio) (Jurisprudência)
▪ CCB/2002, art. 1.659, I
▪ CCB/2002, art. 1.661
▪ CCB/2002, art. 1.668
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