Jurisprudência em Destaque
STJ. 4ª T. Cambial. Protesto cambial. Cheque. Título de crédito e protesto cambial. Inscrição em cadastro de proteção ao crédito oriunda de informação extraída de banco de dado público, pertencente a cartório de protesto. Prévia notificação. Descabimento. Cheque. Prazo de apresentação. Observância à data de emissão da cártula. Endossatário terceiro de boa-fé. Incidência do princípio da inoponibilidade das exceções pessoais. Protesto de cheque à ordem, ainda que após o prazo de apresentação, mas dentro do período para ajuizamento de ação cambial de execução. Possibilidade. Protesto cambial. Na vigência do Código Civil de 2002, interrompe o prazo prescricional para ajuizamento da ação cambial executiva. Superação, com o advento do novel diploma civilista, da Súmula 153/STF. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema.
Compulsando os autos vê-se que a autora contratou serviços de marcenaria junto à pessoa estranha à relação processual, ajustando o pagamento pelo referido laboro em três cheques mensais e consecutivos, sendo o primeiro para pagamento à vista e os demais pós-datados para 28/12/04 e 28/01/05. Como não foi a encomenda findada pelo contratado, a autora acabou por sustar os dois últimos títulos, um dos quais, endossado pelo mesmo à ré, mediante o qual, ao que consta, teria sido pago o material a ser empregado no bem.
[...]
Portanto, no caso em apreciação, a alegação de não complementação dos serviços de marcenaria pelo Sr. Genézio Rodrigues da Silva Júnior, endossante do cheque, somente poderia ser oposta ao mesmo, mas não à demandada, que no regular exercício de suas atividades recebeu o título em pagamento de mercadoria vendida ao credor originário. Há que se preservar a cambiariedade do título, como também, a boa-fé da requerida, em homenagem à segurança de que se deve dotar os negócios jurídicos.
Tomando em análise a alegada falta de cientificação do protesto e de inclusão da autora no SERASA, tenho para mim que a apelante não logrou comprovar satisfatoriamente sua assertiva. Em que pese declarar residir em endereço distinto do constante do cheque, para onde teria sido enviada a notificação cartorária, não faz prova inequívoca nesse sentido, colacionando apenas talonário de conta de luz em nome de terceiro estranho à relação processual. Ora, se não demonstra, por meio de único documento que seja, a efetiva distinção de endereços entre o que alega possuir e para onde foi encaminhada a cientificação cartorária, não se pode ter por crível que não tenha a correspondência do SERASA alcançando o mesmo desfecho, ou seja, sido encaminhada ao endereço aposto no título. (fls. 138-142)
Fica límpido, pois, que a decisão está embasada em fundamentada apreciação dos elementos existentes nos autos, e só se concebe a revisão da decisão recorrida por meio de reexame de provas - o que encontra óbice intransponível na Súmula 7/STJ.
Ademais, a tese de que o afirmado marceneiro endossante do cheque era empregado da recorrida não tem supedâneo nem mesmo na causa de pedir, pois a autora, ora recorrente, afirma na exordial que encomendou a fabricação de móveis do endossante, que possuía marcenaria e maquinário próprio de trabalho.
Por outro lado, diante da existência de protesto extrajudicial, é descabido cogitar em necessidade de que houvesse notificação no tocante ao registro desabonador constante da base de dados da Serasa; pois esse registro, em regra, advém de coleta espontânea de informação, em banco de dado público:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. INSCRIÇÃO EM CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. SERASA. BUSCA DO REGISTRO EM CARTÓRIO DE DISTRIBUIÇÃO JUDICIAL. INDENIZAÇÃO DESCABIDA.
1. O entendimento pacífico nesta Corte é no sentido de que ainda que a informação sobre devedores inadimplentes seja buscada em bancos de dados diversos, remanesce a obrigação de notificar o devedor acerca da inclusão de seu nome em cadastros desabonadores.
2. Porém, tal entendimento encontra exceção no caso de coleta de informações em bancos de dados públicos, como os pertencentes a cartórios de protesto de títulos e de distribuição judicial, porquanto, nesse caso, a informação acerca da inadimplência do devedor já era de notoriedade pública, o que afasta o dever de notificação por parte do órgão de proteção ao crédito e, consequentemente, o de indenizar.
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental e improvido.
(EDcl no REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 03/11/2010)
- 1.080.009/STJ (Embargos de declaração. Recebimento como agravo regimental. Inscrição em cadastros de proteção ao crédito. Serasa. Busca do registro em cartório de distribuição judicial. Indenização descabida).
4. A principal questão controvertida consiste em saber se é possível o protesto de cheque à ordem, por endossatário terceiro de boa-fé, após o prazo de apresentação, mas antes da expiração do período para ação cambial de execução, independentemente do adimplemento do negócio jurídico subjacente à emissão da cártula.
O acórdão recorrido dispôs:
Compulsando os autos vê-se que a autora contratou serviços de marcenaria junto à pessoa estranha à relação processual, ajustando o pagamento pelo referido laboro em três cheques mensais e consecutivos, sendo o primeiro para pagamento a vista e os demais pós-datados para 28/12/04 e 28/01/05. Como não foi a encomenda findada pelo contratado, a autora acabou por sustar os dois últimos títulos, um dos quais, endossado pelo mesmo à ré, mediante o qual, ao que consta, teria sido pago o material a ser empregado no bem.
Primeiramente, cumpre reiterar, posto que já exaustivamente exposto ao longo da contenda, que o cheque goza de autonomia, não estando vinculado de forma indissociável ao negócio que o originou. Sendo passível de endosso, pode transitar livremente, alcançando terceiros que não protagonizaram a relação comercial embrionária. Por tal razão, pessoas de boa-fé que perceberam como pagamento o crédito inserto no título junto ao beneficiário originário não podem sofrer qualquer tipo de exceção oposta pelo emitente em razão do conflito com o credor original por desconformidade no negócio subjacente, salvo se comprovado que da celeuma tinha conhecimento o atual credor, o que não é a hipótese dos autos. Outro não é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:
[...]
Portanto, no caso em apreciação, a alegação de não complementação dos serviços de marcenaria pelo Sr. Genézio Rodrigues da Silva Júnior, endossante do cheque, somente poderia ser oposta ao mesmo, mas não à demandada, que no regular exercício de suas atividades recebeu o título em pagamento de mercadoria vendida ao credor originário. Há que se preservar a cambiariedade do título, como também, a boa-fé da requerida, em homenagem à segurança de que se deve dotar os negócios jurídicos.
[...]
O fato de o cheque objeto do protesto ser pós-datado torna insubsistente a assertiva de que o ato se deu fora do prazo. Embora o cheque seja ordem de pagamento à vista, a postergação da data de adimplemento ajustada pelas partes modifica o início do prazo prescricional e também, por consequência lógica, para a efetivação do protesto, passando a fluir do dia entabulado entre devedor e credor, e não da emissão do título, como pretende fazer crer a autora apelante.
Tampouco se cogita em apontamento de protesto fora do prazo, eis que o ato deve se dar nos ditames dos arts. 33 c.c 48 da Lei 7.357/85, ou seja, no lapso de 30 (trinta) dias a contar da data ajustada para apresentação do título. No caso dos autos, tal prazo se iniciou em 29/01/05, dia útil subsequente à data firmada para pagamento ao endossante, e aceita pela endossatária, devendo, pois, se ter por atempado o encaminhamento à protesto levado a efeito em 16/02/05, conforme se extrai do próprio termo de fl. 54 dos autos.
Necessário que se consigne que não se pode exigir que o protesto ocorra no prazo de apresentação, eis que, por óbvio, se encaminhado o título ao cartório no último dia deste lapso de tempo, por certo sua lavratura, diante da necessidade de prévia notificação do devedor, se daria fora do trintídio. Ademais, mesmo que enviado o título dentro do prazo, não se pdoeria apenar o credor por eventual desídia do cartório na tomada das intransponíveis diligências prévias. Há, portanto, que se tomar em consideração a data do apontamento do título, ou seja, seu recebimento pelo serviço cartorário e não a lavratura do ato em si.
Tomando em análise a alegada falta de cientificação do protesto e de inclusão da autora no SERASA, tenho para mim que a apelante não logrou comprovar satisfatoriamente sua assertiva. Em que pese declarar residir em endereço distinto do constante do cheque, para onde teria sido enviada a notificação cartorária, não faz prova inequívoca nesse sentido, colacionando apenas talonário de conta de luz em nome de terceiro estranho à relação processual. Ora, se não demonstra, por meio de único documento que seja, a efetiva distinção de endereços entre o que alega possuir e para onde foi encaminhada a cientificação cartorária, não se pode ter por crível que não tenha a correspondência do SERASA alcançando o mesmo desfecho, ou seja, sido encaminhada ao endereço aposto no título. (fls. 138-142)
4.1. Para logo, cumpre consignar que, com a decisão contida no REsp. 1.068.513-DF, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, ficou pacificado na jurisprudência desta Corte a ineficácia, no que tange ao direito cambiário, da pactuação extracartular da pós-datação do cheque, pois descaracteriza referido título de crédito como ordem de pagamento à vista e viola o art. 192 do CC/2002 e os princípios cambiários da abstração e da literalidade:
- 1.068.513/STJ (Processual civil. Recurso especial. Ação de execução. Título de crédito. Cheque pós-datado. Omissão. Fundamentação. Ausente. Deficiente. Súmula 284/STF. Dissídio jurisprudencial. Ausência de cotejo analítico. Similitude fática não demonstrada. Prescrição da ação executiva. Data consignada na cártula).
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TÍTULO DE CRÉDITO. CHEQUE PÓS-DATADO. OMISSÃO. FUNDAMENTAÇÃO. AUSENTE. DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO EXECUTIVA. DATA CONSIGNADA NA CÁRTULA.
1. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência implica o não conhecimento do recurso quanto ao tema.
2. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas
3. Ainda que a emissão de cheques pós-datados seja prática costumeira, não encontra previsão legal. Admitir-se que do acordo extracartular decorra a dilação do prazo prescricional, importaria na alteração da natureza do cheque como ordem de pagamento à vista e na infringência do art. 192 do CC, além de violação dos princípios da literalidade e abstração. Precedentes.
4. O termo inicial de contagem do prazo prescricional da ação de execução do cheque pelo beneficiário é de 6 (seis) meses, prevalecendo, para fins de contagem do prazo prescricional de cheque pós-datado, a data nele regularmente consignada, ou seja, aquela oposta no espaço reservado para a data de emissão.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte não provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/09/2011, DJe 17/05/2012)
- 1.068.513/STJ (Processual civil. Recurso especial. Ação de execução. Título de crédito. Cheque pós-datado. Omissão. Fundamentação. Ausente. Deficiente. Súmula 284/STF. Dissídio jurisprudencial. Ausência de cotejo analítico. Similitude fática não demonstrada. Prescrição da ação executiva. Data consignada na cártula).
Nesse passo, o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação - que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça; ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa - isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora.
Note-se:
DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUE PRESCRITO. VIABILIDADE. MENÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. DESNECESSIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À MONITÓRIA DISCUTINDO O NEGÓCIO QUE ENSEJOU A EMISSÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE.
1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora.
2. Se ocorreu a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal.
3. No entanto, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, como no caso em julgamento, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi 4. Registre-se que, nesta hipótese, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito.
5. Recurso especial provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 17/10/2011)
- 926.312/STJ (Direito comercial e processual civil. Recurso especial. Ação monitória embasada em cheque prescrito. Viabilidade. Menção ao negócio jurídico subjacente. Desnecessidade. Oposição de embargos à monitória discutindo o negócio que ensejou a emissão do cheque. Possibilidade).
No caso em exame, a cártula foi emitida em 28 de novembro de 2004, tendo sido apresentada para protesto em 10 de março de 2005.
Por um lado, o protesto foi efetuado após o prazo de apresentação do cheque, pois deve ser considerada a data de emissão constante na cártula, qual seja, 28 de novembro de 2004.
Por outro lado, o protesto foi efetuado antes mesmo da prescrição do cheque, e este ainda estava dotado de todos os caracteres inerentes aos títulos de créditos, inclusive no que toca à certeza e exigibilidade.
4.2. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios, caros ao direito cambiário, da literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.
Rubens Requião, com remissão ao gênio de Vivante, leciona que, em se tratando de título de crédito, o terceiro de boa-fé exercita um direito próprio, em vista que a firma do emissor expressa sua vontade unilateral de obrigar-se a essa manifestação, não sendo admissível que venha a defraudar as esperanças que desperta em sua circulação. Ademais, a inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor contra o credor constitui a mais importante afirmação do direito moderno em favor da segurança da circulação e negociabilidade dos títulos de crédito:
505. CARACTERÍSITICAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO.
A definição de Vivante merece ser analisada mais a fundo, dada as luzes com que ilumina a matéria. Dela defluem três requisitos básicos do título: a) a literalidade; b) a autonomia; c) a cartularidade (documento). Poder-se ia admitir mais um elemento, que, todavia, não é geral - a independência ou substantividade.
a) Literalidade. O título é literal porque sua existência se regula pelo teor de seu conteúdo. O título de crédito se enuncia em um escrito, e somente o que está nele inserido se leva em consideração; uma obrigação que dele não conste, embora sendo expressa em documento separado, nele não se integra.
b) Autonomia. Diz-se que o título de crédito é autônomo (não em relação à sua causa como às vezes se tem explicado), mas, segundo Vivante, porque o possuidor de boa-fé exercita um direito próprio, que não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores possuidores e o devedor. Cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação às demais.
507. ABSTRAÇÃO
Vivante ainda explica que os títulos de crédito podem circular como documentos abstratos, sem ligação com a causa a que devem sua origem.
[...]
É bom acentuar que a obrigação abstrata ocorre apenas quando o título está em circulação, isto é, «quando põe-se em relação duas pessoas que não contrataram entre si, encontrando-se uma em frente a outra, em virtude apenas do título» Isso, como veremos, constitui o âmago da teoria de Vivante.
[...]
Não é possível estabelecer critério unitário para dar explicação a questão tão complexa.
[...]
Tomamos de Vivante as suas próprias palavras: «Para explicar aposição distinta do devedor, há que penetrar nos motivos de sua vontade, fazer a análise desta vontade, que é o fundamento da obrigação, e reconhecer que se ele, para obter o benefício do crédito, quis dar à outra parte, seja vendedor ou mutuante, um título apto para a circulação, quis também, não obstante, conservar intatas contra ele as defesas que o direito comum proporciona. Mas a disciplina do título deve adaptar-se a essa diferente direção da vontade que lhe deu origem, devendo a condição de devedor regular-se conforme a relação jurídica total que deu origem ao título, quando se encontra ante aquele com quem negociou; e se deve, em troca, ajustar a sua vontade unilateral, tal como se manifestou no título, quando se encontra frente aos subsequentes portadores de boa-fé»
Assim, em relação ao seu credor, o devedor do título se obriga por uma relação contratual, motivo por que contra ele mantém intatas as defesas pessoais que o direito comum lhe assegura; em relação a terceiros, o fundamento da obrigação está na sua firma (do emissor), que expressa sua vontade unilateral de obrigar-se a essa manifestação não deve defraudar as esperanças que desperta em sua circulação.
[...]
514. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES
O interesse social visa, no terreno do crédito, a proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na sua aquisição. É necessário que na circulação do título, aquele que o adquiriu, mas que não conheceu ou participou da relação fundamental ou da relação anterior que ao mesmo deu nascimento ou circulação, fique assegurado de que nenhuma surpresa venha pertubar o seu direito de crédito por quem com ele não esteve em relação direta. O título deve, destarte, passar-lhe às mãos purificado de todas as questões fundadas em direito pessoal, que porventura os antecessores tivessem entre si, de forma a permanecer límpido e cristalino nas mãos do novo portador.
A segurança dos terceiros de boa-fé é essencial na negociabilidade dos títulos de crédito. O direito, em diversos preceitos legais, realiza essa proteção, impedindo que o subscritor ou devedor do título se valha, contra o terceiro adquirente de defesa que tivesse contra aquele com quem manteve relação direta e a favor de quem dirigiu sua declaração de vontade. Por conseguinte, em toda a fase da circulação do título, o emissor pode opor ao seu credor direto as exceções de direito pessoal que contra ele tiver, tais como, por exemplo, a circunstância de já lhe ter efetuado o pagamento do mesmo título ou pretender compensá-lo com crédito que contra ele possuir.
[...]
Esse princípio, que resulta do conceito já exposto da autonomia das relações cartulares (nº 505 supra), pois o portador de boa-fé exercita um direito próprio,e não derivado da relação anterior, está consagrado em algumas normas da lei.
[...]
Se, todavia, o adquirente do título agir de má-fé, estando, por exemplo, conluiado com o portador anterior, a fim de frustrar o princípio da inoponibilidade da exceção de defesa que contra ele tivesse o devedor, este tem direito de opor-lhe a defesa que teria contra o antecessor.
A inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor contra o credor constitui a mais importante afirmação do direito moderno em favor da segurança da circulação e negociabilidade dos títulos de crédito. (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 27 ed.: Saraiva, São Paulo, v. 2, 2010, ps. 415-423)
Essa é também a jurisprudência do STJ:
DIREITO CAMBIÁRIO E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CHEQUE PÓS-DATADO. PACTUAÇÃO EXTRACARTULAR. COSTUME CONTRA LEGEM. BENEFICIÁRIO DO CHEQUE QUE O FAZ CIRCULAR, ANTES DA DATA AVENÇADA PARA APRESENTAÇÃO. TERCEIRO DE BOA-FÉ, ESTRANHO AO PACTUADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS.
1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios, caros ao direito cambiário, da literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.
2. Com a decisão contida no REsp. 1.068.513-DF, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, ficou pacificado na jurisprudência desta Corte a ineficácia, no que tange ao direito cambiário, da pactuação extracartular da pós-datação do cheque, pois descaracteriza referido título de crédito como ordem de pagamento à vista e viola os princípios cambiários da abstração e da literalidade.
- 1.068.513/STJ (Processual civil. Recurso especial. Ação de execução. Título de crédito. Cheque pós-datado. Omissão. Fundamentação. Ausente. Deficiente. Súmula 284/STF. Dissídio jurisprudencial. Ausência de cotejo analítico. Similitude fática não demonstrada. Prescrição da ação executiva. Data consignada na cártula).
3. O contrato confere validade à obrigação entre as partes da relação jurídica original, não vinculando ou criando obrigações para terceiros estranhos ao pacto. Por isso, a avença da pós-datação extracartular, embora não tenha eficácia, traz consequências jurídicas apenas para os contraentes.
4. Com efeito, em não havendo ilicitude no ato do réu, e não constando na data de emissão do cheque a pactuação, tendo em vista o princípio da relatividade dos efeitos contratuais e os princípios inerentes aos títulos de crédito, não devem os danos ocasionados em decorrência da apresentação antecipada do cheque ser compensados pelo réu, que não tem legitimidade passiva por ser terceiro de boa-fé, mas sim pelo contraente que não observou a alegada data convencionada para apresentação da cártula.
5. Recurso especial provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/10/2011, DJe 04/11/2011)
- 884.346/STJ (Direito cambiário e responsabilidade civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais. Cheque pós-datado. Pactuação extracartular. Costume contra legem. Beneficiário do cheque que o faz circular, antes da data avençada para apresentação. Terceiro de boa-fé, estranho ao pactuado. Ilegitimidade passiva. Aplicação do princípio da relatividade dos efeitos contratuais).
4.3. O protesto do cheque é facultativo e, como o título tem por característica intrínseca a inafastável relação entre o emitente e a instituição financeira sacada, é indispensável a prévia apresentação da cártula; não só para que se possa proceder à execução do título, mas também para cogitar do protesto (art. 47 da Lei do Cheque):
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. SUSPENSÃO DO PROCESSO POR MORTE DA PARTE. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CHEQUE. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO AO BANCO SACADO. COMPROVAÇÃO DE SUSTAÇÃO PELO EMITENTE. SÚMULA 7 DO STJ.
[...]
2. O cheque tem como característica intrínseca e inafastável a relação fundamental entre o sacador e a instituição bancária ou financeira que lhe seja equiparada, com a qual o emitente mantém contrato que a autorize a dispor de fundos existentes em conta-corrente.
3. Ainda que constando cláusula que dispensa o protesto, tal concessão ao portador não o dispensa de proceder à apresentação do cheque ao banco sacado para pagamento (§ 1º, do art. 50 da Lei 7.357/1985), mesmo porque a verificação da existência de fundos disponíveis, e, pois, também da ausência ou insuficiência de provisão, para todos os efeitos jurídicos, confina-se ao ato-momento da apresentação do cheque ao banco sacado para pagamento (art. 4º, § 1º) ou à câmara de compensação (art. 34).
4. O beneficiário de cheque que não apresenta o título para pagamento, via de regra, vê-se impossibilitado de promover a execução, haja vista a ausência de requisito essencial aos títulos executivos - a exigibilidade -, que somente exsurge com a comprovação da falta de pagamento imotivada, a qual pode ocorrer pelo protesto, por declaração do banco sacado ou da câmara de compensação.
5. Não obstante, no caso concreto, a instância ordinária consignou a existência de provas irrefutáveis acerca da sustação do cheque - entre as quais a declaração de funcionário do banco sacado -, o que impeliu o tomador a ajuizar a execução em virtude da inocuidade da prévia apresentação do título. Incidência da Súmula 7 do STJ.
6. Recurso especial não provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/03/2013, DJe 14/03/2013)
- 1.315.080/STJ (Processo civil. Direito civil. Suspensão do processo por morte da parte. Nulidade relativa. Ausência de prejuízo. Cheque. Necessidade de apresentação ao banco sacado. Comprovação de sustação pelo emitente. Súmula 7/STJ).
Evidentemente, é também vedado o apontamento de cheques quando tiverem sido devolvidos pelo banco sacado por motivo de furto, roubo ou extravio das folhas ou talonários - contanto que não tenham circulado por meio de endosso, nem estejam garantidos por aval, pois nessas hipóteses far-se-á o protesto sem fazer constar o os dados do emitente da cártula. (TORTORELLO, Jarbas Miguel. Cheque, moeda e quase-moeda. São Paulo: Sugestões Literárias, 2001, p.68)
Tomadas essas cautelas, caracterizando o cheque levado a protesto título executivo extrajudicial, dotado de inequívoca certeza e exigibilidade, não se concebe possam os credores de boa-fé verem-se tolhidos quanto ao seu lídimo direito de resguardarem-se quanto à prescrição, tanto no que tange ao devedor principal quanto a coobrigados; visto que, conforme disposto no art. 202, III, do Código Civil de 2002, o protesto cambial interrompe o prazo prescricional para ajuizamento de ação cambial de execução, ficando, com a vigência do novel Diploma, superada a Súmula 153/STF:
Igualmente, o protesto cambial disciplinado pela Lei 9.492, de 10.09.97, interrompe a prescrição diferentemente do que se entendia com base no Código anterior, de modo que não mais subsiste a Súmula 153 do Supremo Tribunal Federal (simples protesto cambiário não interrompe a prescrição). (PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado. 6 ed. Barueri: Manole, 2012, p. 153)
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O CCB de 2002, em seu art. 202, III, prescreve que o protesto de título de crédito interrompe o prazo prescricional da ação cambiária, regra regra que se aplica por não existir na legislação cambiária norma sobre a matéria. Assim, não mais prevalece a Súmula 153 do STF, que se baseava no art. 453 do Código Comercial, que, ao elencar as causas interruptivas da prescrição em matéria cambiária, não se referia ao protesto cambiário. (ROSA JR, Luiz Emygdio Franco. Títulos de Crédito. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 388)
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Então, por exemplo, se a prescrição for interrompida pelo protesto cambial (inciso III, do artigo 202), por se tratar de hipóteses extrajudicial de interrupção, aplica-se a primeira parte do parágrafo único do artigo 202, ou seja, o prazo recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou seja, do protesto cambial. Interrompido o prazo prescricional por uma hipótese extrajudicial, o prazo recomeça a correr do zero e não pode ser interrompido novamente por outra causa extrajudicial. Nesse caso, respeita-se o limite previsto no caput do artigo 202. (CARNICHIONI, Daniel. Curso de direito civil: parte geral. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 861)
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Considerando o fato de que o art. 71 da LUG autoriza a interrupção da prescrição, mas a lei especial não menciona quais seriam as causas interruptivas da prescrição, externando omissão da lei especial, aplica-se, por força do art. 903 do Código Civil, a legislação comum, qual seja: o próprio Código Civil.
Assim, os casos de interrupção da prescrição dos títulos de crédito são ditados pela legislação comum, mas, naturalmente, a legislação cambial se orienta pela autonomia que se aplica a tais títulos, inclusive, no que se refere ao instituto da interrupção do prazo prescricional.
Como decorrência lógica do princípio da autonomia que informa os títulos de crédito, agora já mesmo positivado no Código Civil (art. 887), o art. 71 da LUG prescreve que a interrupção da prescrição levada a efeito contra um dos coobrigados não aproveita aos demais (cada coobrigado tem uma obrigação autônoma). Destarte, tem-se, por exemplo, a interrupção do prazo prescricional em relação ao devedor cambial direto não implicará necessariamente a interrupção da prescrição em relação aos devedores indiretos. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça[...]
[...]
Como se trata de expressão literal de lei especial, que, como tal, afasta aplicação de lei geral, não diverge da jurisprudência a doutrina, sendo que Waldo Fazzio Júnior é peremptório: «Ao estipular que a interrupção da prescrição só produz efeito em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita, o art. 71 da Lei Uniforme sobre cambiais quer dizer que a interrupção operada contra um coobrigado não afeta os demais»
Diante disso, constata-se que a interrupção do prazo prescricional deve se dar contra cada um dos coobrigados ou pelo menos em relação àqueles de quem se pretende exigir a obrigação cambial, sob pena de, em relação àquele contra quem ela não se deu, não haver a interrupção e, via de consequência, não aproveitar, fazendo, com o transcurso regular do prazo, extinguir-se o direito de ação.
Contudo, como já dissemos, a legislação cambial não trata das hipóteses de interrupção da prescrição, que são regidas pelo Código Civil.
[...]
Inovou o Código de 2002, ainda, quando dispôs no inciso III do art. 202 que o protesto cambial é causa de interrupção do prazo prescricional.
Há muito, a jurisprudência havia consolidado o entendimento de que o simples protesto cambial não produziria como efeito a interrupção da prescrição da obrigação cambial. Isso gerou inclusive a edição da Súmula 153 pelo Supremo Tribunal Federal[...]
[...]
Agora, tratando-se de protesto cambial, não cuidou o legislador de distinguir se o protesto se deu por falta de pagamento, de aceite ou qualquer outra modalidade. Como princípio de hermenêutica, não compete ao intérprete distinguir onde o legislador, podendo, não o fez. Destarte, qualquer modalidade de protesto cambial viável servirá para a interrupção da prescrição.
[...]
Intimado apenas o devedor direito (tais como: o emitente da nota promissória, o sacador do cheque, o aceitante na duplicata e na letra de câmbio), somente em relação a ele terá havido a interrupção da prescrição, mas não em relação aos demais coobrigados.
[...]
O Código Civil de 2002 estabeleceu que o protesto cambial interromperá o prazo prescricional do título de crédito, sendo que, para tanto e em atenção à autonomia das obrigações cambiais, se faz necessária a intimação, pelo Cartório de Protestos, do obrigado cambial. (FERNANDES, José Carlos (Coord.). Títulos de crédito: homenagem ao professor Wille Duarte Costa. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 267-274)
Ademais, como o cheque levado a protesto ainda possuía executividade, a medida é bem menos severa ao emitente se comparada à execução do título de crédito, pois não envolve atos de agressão ao patrimônio do executado; sendo certo que os órgãos de proteção ao crédito também fazem uso de dados de caráter público da distribuição do Judiciário, referentes a ações executivas, para «negativação» do nome dos executados.
Outrossim, sendo incontroverso que o cheque foi devolvido pelo sacado por estar sustado antes mesmo de ter escoado o prazo para ajuizamento de ação cambial de execução, só restava ao endossatário terceiro de boa-fé o caminho do protesto - meio extrajudicial, mediante o qual o devedor é intimado pelo tabelião para que pague ou providencie a sustação do protesto, antes que venha a ser lavrado -; ou a via judicial, por não ser razoável exigir do credor que, em vista desses fatos, fizesse cobrança pessoal da obrigação cambiária autônoma a que se obrigou a emitente da cártula que, como fica límpido, não tinha intenção de satisfazer espontaneamente a dívida.
Igualmente, a publicidade negativa ao demandado em execução é tão ou mais ampla do que a decorrente do protesto, visto que é possível a consulta do processo mediante simples acesso aos sites de tribunais.
Ademais, o art. 1º da Lei 9.492/1997, em cláusula aberta, admite o protesto de outros «documentos de dívida» (entenda-se: prova escrita a demonstrar a existência de obrigação pecuniária, líquida, certa e exigível), não havendo razoabilidade em entender que o protesto, instituto desde a sua origem concebido para protesto cambial, seja imprestável para o protesto facultativo de cheque dotado de executividade:
O protesto extrajudicial tem sua gênese ligada à letra de câmbio. Nasceu para anunciar, levar ao conhecimento geral, provar, testemunhar em público, a recusa ao aceite da letra de câmbio.
[...]
Vê-se logo que o protesto foi cunhado no litígio, no desacordo, na inadimplência, daí toda a carga de hostilidade que muitos lhe atribuem. ocorre que também é medida preventiva, necessária, extremamente eficiente e rápida para a solução das controvérsias oriundas dos conflitos cambiais e agora também de outros documentos de dívida.
[...]
Como já mencionado, o protesto é ato formal e solene, no qual o notário atende rigorosamente aos ditames estabelecidos pela lei, por cujo ato é responsável civil, criminal e disciplinarmente, de modo que se lhe reputa alto grau de confiabilidade.
Atuam os Tabeliães de Protestos, dentro de suas atribuições, como garantes do fiel cumprimento da lei, servindo como célere e eficiente instrumento na prevenção de litígios e na manutenção da segurança jurídica.
[...]
É falsa a impressão de que o protesto é um instituto execrável e que os Tabeliães de Protesto são algozes de frágeis devedores. Claramente, trata-se de visão distorcida, compreensível e aceitável sob a lente de quem enfrenta as conhecidas dificuldades forenses, premido pela urgência em obter liminares em cautelares de sustação de protesto.
[...]
Observe-se que a referida jurisprudência mesmo sendo anterior à Lei 10.406/2002, já estava em concordância com a redação do art. 186 do atual Código Civil[...]
[...]
O próprio Poder Judiciário é um agente coator dos devedores, pois é a ele que se recorre nas ações de cobrança, monitórias e de execução, inclusive depois que o protesto é lavrado. Afinal, a própria razão de ser da função jurisdicional do Estado é dirimir os conflitos de interesse e aplicar o Direito ao caso concreto, o que abarca a satisfação dos credores dos inadimplentes de dívidas protestáveis.
[...]
Ainda assim, principalmente após a vigência da Lei 9.492/97, que passou a permitir que, além dos títulos de crédito, outros documentos de dívida sejam objeto de protesto, tem-se nos Tabelionatos de Protesto um eficaz e rápido meio de se obter o cumprimento de obrigações pecuniárias, sobretudo se compararmos aos demorados processos de liquidação de sentença e de execução judicial.
Respeitando-se os limites e a finalidade da lei, pode-se escolher entre receber pagamento em alguns dias ou esperar por vários anos, sobrecarregando ou desonerando o Judiciário. (MORAES, Emanoel Macabu. Protesto extrajudicial: direito notarial.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 1, 2, 13-25)
---
Apropriada a explicação, com a ressalva de que somente é admissível o protesto se a prestação devida tiver por objeto quantia certa em dinheiro. Assim, apenas se vislumbra a possibilidade de protesto de documento de dívida que estabeleça obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa que não seja dinheiro, se as mesmas partes, também em documento escrito, admitirem a substituição da prestação original por valor em pecúnia, seja como prestação alternativa, seja como razão da impossibilidade do cumprimento da obrigação originária, ou se tal for a determinação da sentença. Não nos esqueçamos de que não deve haver margem para discussão sobre o cabimento ou não da substituição, devendo ela ter sido estabelecida de maneira clara e sem condições, em documento que preencha os requisitos de título executivo.
Por outro lado, somente caberá protesto de título executivo, em caso de obrigação alternativa, se ficou estipulado que a escolha incumbe ao credor, devendo ele declarar expressamente em seu requerimento de protesto que opta pelo recebimento do valor em dinheiro previamente estipulado.
[...]
Assim, a atividade dos Tabeliães de Protesto vai muito além da simples testificação da falta de pagamento, aceite ou devolução do título ou documento de dívida. Nos dias de hoje, os citados Profissionais do Direito, por meio de procedimento legal e oficial, testificam também o cumprimento de obrigações e é preciso dizer, mesmo sem rigor estatístico, que cerca de metade dos apontamentos resulta em pagamentos, propiciando aos credores a satisfação de seus créditos. Se não tivesse o credor a faculdade de valer-se do Tabelionato de Protesto, fatalmente o litígio aportaria em um de nossos tribunais, já de há muito assoberbados, e o credor legítimo aguardaria por meses ou anos pelo pagamento que no Tabelionato poderia ocorrer em poucos dias.
É essencial que não tenhamos uma visão distorcida do protesto como instituto jurídico, como tem sido lançado equivocadamente mesmo em algumas decisões pretorianas. O procedimento que pode resultar no protesto não é apenas um meio de coerção para obtenção do pagamento pelo devedor. É muito mais que isso, mesmo nos casos de protesto facultativo. É, sim, uma forma rápida e segura de composição e prevenção de litígios, sem se passar por manobras meramente protelatórios que insegurança e revolta trazem aos bons pagadores. Não é um castigo ao mau pagador, mas um caminho jurídico legítimo e eficaz para o credor, com o desafogo do Poder Judiciário.
[...]
E não se diga que o devedor fica à mercê do credor, pois sempre restará a ele o acesso ao Judiciário para sustar ou cancelar o protesto relativo à dívida que demonstre indevida, podendo valer-se da gratuidade, se pobre for. (BUENO, Sérgio Luiz José. O protesto de títulos e outros documentos de dívida: aspectos práticos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2011, p. 23)
Releva notar, ainda, que antes mesmo da vigência do Código Civil de 2002, que dispõe ser o protesto cambial causa de interrupção da prescrição, a doutrina propugnava a possibilidade do protesto do cheque se a cártula ainda era passível de execução:
Tratando-se de cheque a ser protestado, há necessidade do comprovante de sua apresentação à instituição financeira sacada, e ainda que conste do documento o motivo da recusa de pagamento, a não ser que o protesto tenha por finalidade instruir medidas a serem pleiteadas contra o estabelecimento de crédito.
No caso de cheque, é sempre bom lembrar que o protesto é facultativo para fins da promoção de execução (art. 47 da Lei do Cheque), embora seja uma medida até recomendável, uma vez que poderá levar o devedor em determinados casos a honrar o compromisso cartular.
[...]
Não se erige em novidade o fato de que exatamente em um balcão de Cartório de Protestos elevado percentual de dívida oriunda de um título de crédito é liquidada, evitando-se com a medida do apontamento acionar a máquina Judiciária para fazer valer um legítimo crédito do beneficiário ou portador do cheque.
[...]
O protesto somente não será levado a efeito se for verificada qualquer irregularidade formal do documento, ou se o representante desistir do protesto, ou se o título for pago no tabelionato, ou, finalmente, em caso de sustação por ordem judicial. (TORTORELLO, Jarbas Miguel. Cheque, moeda e quase-moeda. São Paulo: Sugestões Literárias, 2001, p.67 e 68)
No mesmo sentido, mutatis mutandis, menciona-se o REsp Acórdão/STJ, relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, assim ementado:
Indenização. Protesto de cheque prescrito e sem a devida notificação. Dano moral caracterizado.
1. O simples fato de enviar a protesto cheque prescrito e sem que feita a devida notificação, como reconhecido nas instâncias ordinárias, acarreta o dever de indenizar.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2004, DJ 11/04/2005, p. 291)
- 602.136/STJ (Indenização. Protesto de cheque prescrito e sem a devida notificação. Dano moral caracterizado).
Nessa toada, e bem por isso, a jurisprudência do STJ só admite a suspensão dos efeitos do protesto quando as circunstâncias de fato, efetivamente, autorizam a proteção do devedor, com a presença da aparência do bom direito e, em regra, com a prestação de contracautela:
Processual civil. Recurso especial. Cautelar de sustação de protesto. Efetivação do protesto. Suspensão dos seus efeitos.
Possibilidade. Poder geral de cautela e fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela.
- O princípio da fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela confere poder ao juiz para deferir providência de natureza cautelar, a título de antecipação dos efeitos da tutela.
- Segundo o entendimento do STJ: (i) é possível a suspensão dos efeitos dos protestos quando há discussão judicial do débito; (ii) a decisão cautelar de sustação de protesto de título insere-se no poder geral de cautela, previsto no art. 798 do CPC; e (iii) a sustação de protesto se justifica quando as circunstâncias de fato recomendam a proteção do direito do devedor diante de possível dano irreparável, da presença da aparência do bom direito e quando houver a prestação de contra-cautela.
- De acordo com o poder geral de cautela e o princípio da fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela, o perigo de dano pode ser evitado com a substituição da sustação do protesto pela suspensão dos seus efeitos, se o protesto já tiver sido lavrado na pendência da discussão judicial do débito.
Recurso especial provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 08/05/2006, p. 198)
- 627.759/STJ (Processual civil. Recurso especial. Cautelar de sustação de protesto. Efetivação do protesto. Suspensão dos seus efeitos. Possibilidade. Poder geral de cautela e fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela).
5. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»
Doc. LegJur (138.4844.5000.0000) - Íntegra: Click aqui
Referência(s):
▪ Cambial (Jurisprudência)
▪ Protesto cambial (Jurisprudência)
▪ Cheque (v. ▪ Protesto cambioal) (Jurisprudência)
▪ Título de crédito (v. ▪ Protesto cambial) (Jurisprudência)
▪ Inscrição em cadastro de proteção ao crédito (v. ▪ Cheque) (Jurisprudência)
▪ Prazo de apresentação (v. ▪ Cheque) (Jurisprudência)
▪ Endossatário (v. ▪ Cambial) (Jurisprudência)
▪ Terceiro de boa-fé (v. ▪ Cambial) (Jurisprudência)
▪ Súmula 153/STF (Prazo prescricional. Protesto cambial. Interrupção da prescrição).
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