Jurisprudência em Destaque
STJ. 4ª T. Responsabilidade civil. Dano moral. Consumidor. Torcedor. Pênalti não marcado. Compensação por alegados danos morais decorrentes de erro de arbitragem grosseiro, não intencional, ainda que com o condão de influir no resultado do jogo. Manifesto descabimento. Erros «de fato» de arbitragem, sem dolo, não são vedados pelo estatuto do torcedor, a par de ser invencível a sua ocorrência. Não há cogitar em danos morais a torcedor pelo resultado indesejado da partida. Dano moral. Para sua caracterização é imprescindível a constatação de lesão a direito da personalidade, não se confundindo com mero dissabor pelo resultado de jogo, situação inerente à paixão futebolística. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927. CDC, art. 14. Lei 10.671/2003, arts. 2º, 3º, 5º e 30.
A doutrina consumerista, de um modo geral, tem conceituado «vício» como o característico que torna o produto inadequado para os fins a que se destina ou lhe reduza o valor; ao passo que «defeito». além de tornar o produto inadequado, gera um risco de segurança para o consumidor, podendo-lhe acarretar danos.
Como visto, a diferenciação não é ontológica, não reside na essência de cada conceito. Diz respeito apenas à gravidade ou às possíveis consequências da característica do produto, não se me afigurando necessário proceder a tal distinção para a solução do caso em apreço.
Aliás, o próprio Código Civil de 2002 confere o mesmo tratamento jurídico ao «vício» e ao «defeito». proclamando que «[a] coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor» (art. 441, caput).
3.1. Todavia, no caso, para se cogitar em responsabilidade civil é necessária a constatação da materialização de ato ilícito omissivo ou comissivo, nexo de causalidade e o dano.
A responsabilidade civil, nos termos do art. 14, caput, do CDC, fundamentada no risco da atividade nas relações de consumo é, em regra, objetiva, prescindindo da demonstração do dolo ou culpa por parte do fornecedor de serviços, mas sendo necessária a constatação do ato comissivo ou omissivo lesivo (dano) e do nexo de causalidade.
A doutrina propugna:
São três os pressupostos da responsabilidade civil: ação, dano e nexo causal.
Para que haja responsabilidade civil, é preciso existir a ação que importa na violação a direito de outrem, o dano, seja moral, seja material, e o nexo causal entre essa ação e o dano.
Esses, efetivamente, são os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva e objetiva.
É preciso separar os pressupostos dos fundamentos da responsabilidade civil, para que esse tema deixe de ser uma teia que não tem início ou fim, para que não se perca a base segura em seu estudo.
São dois os fundamentos da responsabilidade civil: a culpa e o risco.
Na responsabilidade subjetiva, fundamentada na culpa, é preciso demonstrar o modo de atuação do agente, sua intenção dolosa, isto é, a vontade do lesante de causar o dano, ou o seu comportamento negligente, imprudente ou imperito.
Porém, quando se fala em culpa, devemos ter em conta sua noção abstrata. A conduta do agente deve ser apreciada em face do comportamento normal das pessoas, colocadas nas mesmas circunstâncias em que o ato se realizou.
[...]
A responsabilidade objetiva é fundamentada no risco. Assim é chamada essa espécie de responsabilidade porque não cabe examinar a vontade do agente, nem mesmo naquela comparação com a conduta normal das pessoas. Aqui não importa se houve dolo, se houve negligência, ou imprudência, ou imperícia. Importa apenas a existência da ação e o dano. Havendo ação lesiva e a relação de causalidade entre a ação e o dano, surge a responsabilidade civil. Em suma, não se cogita da subjetividade do agente. A vítima somente precisa demonstrar a ação ligada ao dano, para que surja o dever do lesante de repará-lo.
Evidencia-se a facilitação das provas a serem produzidas pelo lesado na responsabilidade objetiva, já que bastará a comprovação da ação, do nexo causal e do dano. Por outro lado, na responsabilidade subjetiva o conjunto probatório envolve, além desses pressupostos, a culpa do lesante, seu dolo, ou sua negligência, sua imprudência ou sua imperícia.
No Código Civil vigente, a regra geral continua a ser a da responsabilidade subjetiva, fundamentada na culpa (arts. 186 e 927, caput).
[...]
Já no Código de Defesa do Consumidor, o fundamento geral da responsabilidade civil no fornecimento de serviços é o risco, aplicando-se a teoria objetiva, segundo seu art. 14, caput, que dispõe:
[...]
Então, nas relações de consumo, independentemente da existência de culpa, há responsabilidade do fornecedor de serviços. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito não existe (portanto, não há dano) ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (portanto, não há nexo causal), como estabelece o mesmo art. 14, em seu § 3º, I e II.
[...]
E, ainda, no Código de Defesa do Consumidor, o art. 20, caput, e incisos I, II e III, dispõe sobre os chamados «vícios de qualidade». pelos quais responde o fornecedor se tornarem os serviços impróprios ao consumo ou lhe diminuírem o valor, e também sobre disparidades entre as indicações ou mensagem publicitária da oferta e os serviços, casos em que o consumidor pode exigir a reexecução dos serviços sem custo adicional, ou a restituição imediata da quantia paga, corrigida monetariamente, sem prejuízo das perdas e danos, ou o abatimento proporcional no preço.
[...]
A resposta a essas indagações merece o devido e prévio detalhamento dos princípios a respeito de obrigações de meio e de resultado[...]
[...]
Se nos restringirmos ao disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde independentemente de culpa e, portanto, apenas com a ação ou omissão e o dano[...] Isso em razão da teoria objetiva adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, em que não há possibilidade de indagar se houve dolo ou culpa em sentido estrito - negligência, imperícia ou imprudência[...]
[...]
Se a obrigação descumprida for de meio, a responsabilidade civil será subjetiva, ou seja, baseada na culpa, em que haverá a apuração do dolo, ou da negligência, imperícia ou imprudência do agente. (SILVA, Regina Beatriz Tavares da (Org.). Responsabilidade Civil e sua Repercussão nos Tribunais. São Paulo: Saraiva, 2008, ps. 4-8)
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A doutrina, na análise dos tipos de contrato, costuma dividi-los em contratos de resultado e contratos de meio, classificação de relevantes efeitos no plano material, e, sobretudo no plano processual, onde se opera uma total mudança ao ônus da prova (RENÉ SAVATIER, Traité de la Responsabilité Civile en Dorit Français, Paris, LGDJ, 1939, T. I, p. 146).
O fato de ser o contrato enquadrável numa das duas referidas espécies influi sobre a definição do objeto do negócio jurídico, isto é, a configuração da prestação devida, e, consequentemente, sobre a conceituação do inadimplemento.
Na obrigação de resultado, o contratante obriga-se a alcançar um determinado fim, cuja não-consecução importa em descumprimento do contrato. No contrato de transporte e no de empreitada, por exemplo, se o bem transportado não chega incólume ao destino previsto, há inadimplemento do transportador, devendo este reparar os prejuízos do destinatário. Da mesma forma, inadimple o contrato de empreitada o construtor que não produz o edifício com a segurança e as especificações previstas no contrato. Ambos tinham, perante o outro contratante, um débito específico, que consistia no alcançar o fim predeterminado. Esse fim confundia-se com a prestação devida, motivo pelo qual se dá o inadimplemento contratual, quando tal meta não é atingida.
Já na obrigação de meio, o que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de atingi-lo. O objeto do contrato limita-se à referida atividade, de modo que o devedor tem de empenhar-se na procura do fim que justifica o negócio jurídico, agindo com zelo e de acordo com a técnica própria de sua função; a frustração, porém, do objetivo visado não configura inadimplemento, com seus consectários jurídicos, quando a atividade devida for mal desempenhada. É o que se passa, em princípio, com a generalidade dos contratos de prestação de serviços, já que o obreiro põe sua força física ou intelectual à disposição do tomador de seus serviços sem se comprometer com o resultado final visado por este. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano Moral. Belo Horizonte: Del Rey, 7 ed., 2010, ps. 95-96)
Nesse passo, conforme precedente do STJ, relatado pela Ministra Nancy Andrighi (REsp 967.623/SP), um produto ou serviço apresentará vicío de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição:
- 967.623/STJ (Consumidor. Responsabilidade pelo fato ou vício do produto. Distinção. Direito de reclamar. Prazos. Vício de adequação. Prazo decadencial. Defeito de segurança. Prazo prescricional. Garantia legal e prazo de reclamação. Distinção. Garantia contratual. Aplicação, por analogia, dos prazos de reclamação atinentes à garantia legal).
CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO OU VÍCIO DO PRODUTO. DISTINÇÃO. DIREITO DE RECLAMAR. PRAZOS. VÍCIO DE ADEQUAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. DEFEITO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. GARANTIA LEGAL E PRAZO DE RECLAMAÇÃO. DISTINÇÃO. GARANTIA CONTRATUAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DOS PRAZOS DE RECLAMAÇÃO ATINENTES À GARANTIA LEGAL.
- No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por inadequação.
- Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.
[...]
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009)
- 967.623/STJ (Consumidor. Responsabilidade pelo fato ou vício do produto. Distinção. Direito de reclamar. Prazos. Vício de adequação. Prazo decadencial. Defeito de segurança. Prazo prescricional. Garantia legal e prazo de reclamação. Distinção. Garantia contratual. Aplicação, por analogia, dos prazos de reclamação atinentes à garantia legal).
3.2. No caso, é incontroverso que se trata de genuína hipótese de erro de arbitragem, isto é, equívoco não intencional.
Os genuínos erros de arbitragem são aqueles em que não há dolo por parte do árbitro, sendo classificados em «erro de fato» e «erro de direito»: os primeiros caracterizados por má ou falsa percepção da realidade e os últimos por deficiência no conhecimento das regras aplicáveis à modalidade esportiva (imperícia).
O denominado «Código Brasileiro de Justiça Desportiva» estabelece que o erro de direito é o que tem maiores consequências, pois, conforme o art. 259 desse Diploma, pode implicar em anulação da partida se for relevante o suficiente para alterar seu resultado -; hipótese em que se poderá cogitar de danos, todavia, apenas de ordem patrimonial, consistente no direito à devolução do valor pago pelo ingresso ou troca do bilhete por outro referente à nova partida a ser realizada (nos moldes do art. 20, I e II, do CDC).
Note-se o que dispõe o «Código Brasileiro de Justiça Desportiva»:
Art. 259. Deixar de observar as regras da modalidade.
[...]
§ 1º A partida, prova ou equivalente poderá ser anulada se ocorrer, comprovadamente, erro de direito relevante o suficiente para alterar seu resultado. (AC).
No caso em julgamento, porém, da leitura da causa de pedir conjugada com os fatos ocorridos e incontroversos, fica evidenciado que houve erro de fato, e não a alegada imperícia, pois o autor assegura que o árbitro afirmou em entrevista concedida ulteriormente a um programa de televisão que, «revendo o lance pela televisão». admite que houve pênalti.
Outrossim, na inicial não há menção a outro erro grosseiro de arbitragem verificado no decorrer da partida, o autor sustenta que o árbitro apitou duas copas do mundo, tendo atuado em todos os continentes, sendo também árbitro da Fifa e que, embora tenha sido suspenso pela CBF por três jogos em decorrência do erro discutido na presente demanda, ainda assim, durante o período de suspensão, apitou na Venezuela partida relativa a campeonato internacional de seleções de futebol (Copa América).
3.3. Em monografia abordando o tema em exame, Leonardo José Roesler (A Responsabilidade Civil do Árbitro de Futebol e a Legislação Desportiva Brasileira, 2010, p. 38-48) anota que é previsível que o árbitro cometa falhas no desenrolar de uma partida de futebol, pois «as jogadas ocorrem em frações de segundo"; bem observando que, em vista do fato de que o árbitro é um dos protagonistas de uma partida, é impossível saber se, ausente aquela arbitragem, em que pese o eventual erro cometido, se o placar seria diverso:
[...] o árbitro de futebol comete inúmeras falhas no desenrolar de sua atividade laboral, principalmente porque as jogadas ocorrem em frações de segundo, e também por não disporem de recursos técnológicos suficientes para dirimir suas dúvidas no terreno de jogo.
Uma das essências do futebol são os erros de arbitragem que nunca sumiram do esporte, pois falhar é humano. No futebol moderno, as equipes de transmissão utilizam as mais avançadas tecnologias que flagram todos os lances do jogo permitindo assim, se afirmar nos mínimos detalhes se o jogador estava impedido, ou não, se a bola entrou, ou não, se foi falta dentro da área, ou fora.
O grande problema para o árbitro de futebol é que esses equipamentos são apenas utilizados pela imprensa, a FIFA proíbe que os árbitros gozem da utilização destes recursos, com a fundamentação de o replay acabaria com os lances polêmicos do esporte, mas defende principalmente o não uso pelo fato de que foi a simplicidade que tornou o futebol o esporte mais praticado no mundo.
[...]
A falha mais comum dentro de campo é o «erro de fato"[...] A sua principal característica é de ser não intencional e ocorre quando o árbitro acha que determinado lance não aconteceu e deixa de aplicar a regra que seria cabível, como, por exemplo, um pênalti não assinalado por entender que a falta foi do atacante. Geralmente esses erros acontecem em frações de segundos, e os árbitros, em razão da própria incapacidade visual humana e, também, às vezes, por deficiência técnica, não tem como evitá-los.
Por fazer parte da falibilidade humana, o erro de fato não pode ser encarado como um ato ilícito.
[...]
O árbitro imagina que fez a marcação certa, mas, na verdade, acabou errando. Sem contar que é impossível saber se, ausente aquela arbitragem, o placar do jogo seria outro[...]
Com efeito, como a Fifa tem vedado a utilização de recursos tecnológicos, o árbitro, para a própria fluidez da partida e manutenção de sua autoridade em jogo, tem a delicada missão de decidir prontamente, valendo-se apenas de sua acuidade visual e da colaboração dos árbitros auxiliares.
Nesse passo, não é despiciendo consignar que há lances em que até mesmo consagrados ex-árbitros comentaristas, com larga experiência em arbitragem, titubeiam em afirmar de pronto se, a título de exemplo, houve ou não conduta antiesportiva, impedimento ou gol, preferindo lançar mão da tecnologia para, após a imagem do lance ser reprisada e/ou congelada, com a utilização de todo o aparato disponível, opinar a respeito da marcação.
Ademais, os erros de fato podem decorrer até mesmo do eventual posicionamento de jogador(es), envolvido(s) ou não no lance ensejador da conduta antiesportiva, a encobrir o campo de visão do árbitro.
Igualmente, não é incomum que, por meio de chute ou arremesso, a bola seja lançada a grande distância, dificultando sobremaneira o acompanhamento visual dos lances subsequentes.
Outrossim, como é notório, mesmo com os modernos recursos utilizados pelas emissoras de televisão, não raro existem polêmicas entre renomados especialistas em arbitragem acerca de marcações efetuadas por árbitros, que passam a ser tema de longos debates promovidos por programas esportivos.
Nessa toada, atento à realidade das coisas, o art. 30 da Lei 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) não veda o erro de fato não intencional do árbitro, pois prescreve ser direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.
Destarte, não há falar em ocorrência de ato ilícito e nem mesmo em nexo de causalidade, pois a alegada conversão do pênalti em gol, ao contrário do afirmado pelo autor, é fato incerto que, embora possível, é manifestamente imprevisível - e, como dito, se a arbitragem fosse realizada por outro árbitro, não é certo que o resultado do jogo teria sido satisfatório para o time do autor.
4. No que tange à alegada ocorrência de dano moral, anoto que os incisos V e X do artigo 5º, da Constituição Federal consagram o direito à compensação por danos morais, correlacionando-os à violação dos direitos da personalidade:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Dessarte, o direito à reparação exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade, bens tutelados que não têm, per se, conteúdo patrimonial, mas extrema relevância conferida pelo ordenamento jurídico, quais sejam: higidez física e psicológica, vida, liberdade, privacidade, honra, imagem, nome, direitos morais do autor de obra intelectual.
Desse modo, na verdade, como bem leciona a abalizada doutrina, o direito tutela a personalidade, impondo sanção ao causador do dano e compensação ao lesado; visto que, como bem observam Mazeaud e Mazeaud, de regra, não há possibilidade de se «apagar os efeitos da lesão»
A derrota de time, ainda que atribuída a erro grosseiro de arbitragem, é mero dissabor que também não tem o condão de causar mágoa duradoura, a ponto de interferir intensamente no bem-estar do torcedor, sendo recorrente em todas as modalidades de esporte que contam com equipes competitivas.
Nessa esteira, consoante vem reconhecendo doutrina e jurisprudência, mero dissabor, aborrecimento, contratempo, mágoa - inerentes à vida em sociedade -, ou excesso de sensibilidade por aquele que afirma dano moral são insuficientes à caracterização do abalo moral, tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão a direito da personalidade daquele que se diz ofendido:
O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa questão vem se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade. Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias.
Este é um dos domínios onde mais necessárias se tornam as regras da boa prudência, do bom-senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. Tenho entendido que, na solução dessa questão, cumpre ao juiz seguir a trilha da lógica do razoável, em busca da concepção ético-jurídica dominante na sociedade. Deve tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distância do homem frio, insensível, e o homem de extrema sensibilidade.
"A gravidade do dano - pondera Antunes Varela - há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não a luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particulamente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária do lesado» (Das obrigações em geral, 8ª ed., Almedina, p. 617).
Dissemos linhas atrás que dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que agressão à dignidade humana. Que consequências podem ser extraídas daí? A primeira diz respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade.
Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral, a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.
Dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequência e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por uma causa uma agressão à dignidade de alguém.
Como julgador, há mais de 35 anos, tenho utilizado como critério aferidor do dano moral se, no caso concreto, houve alguma agressão à dignidade daquele que se diz ofendido (dano moral em sentido estrito e, por isso, o mais grave) ou, pelo menos, se houve alguma agressão, mínima que seja, a um bem integrante da sua personalidade (nome, honra, imagem, reputação etc). Sem que isso tenha ocorrido, não haverá que se falar em dano moral, por mais triste e aborrecido que alega estar aquele que pleiteia a indenização. (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabildiade Civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, ps. 86-87)
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De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana[...] Derivam, portanto, de «práticas atentatórias à personalidade humana» (STJ, 3ª T., voto do Relator EDUARDO RIBEIRO, no REsp 4.326, in BUSSADA, Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, São Paulo, Jurídica Brasileira, 1995, vol. I, p. 680). Traduzem-se em «um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida» (STF, RE 69.754/SP, RT 485/230) capaz de gerar «alterações psíquicas» ou «prejuízo à parte social ou afetiva do patrimônio moral» do ofendido (STF, RE 116.381 - RJ, BUSSADA, ob. cit., p. 6.873). (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano Moral. 7 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 2 e 3)
No mesmo sentido é a jurisprudência da Casa:
RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO DE TELEFONIA. ENVIO DE COBRANÇAS PARA O ENDEREÇO DE HOMÔNIMA, EM VIRTUDE DE A VERDADEIRA CLIENTE TER FORNECIDO COMPROVAÇÃO DE RESIDÊNCIA INVERÍDICA. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE.
1. É tranquila a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que mero aborrecimento, mágoa ou excesso de sensibilidade por parte de quem afirma dano moral, por serem inerentes à vida em sociedade, são insuficientes à caracterização do abalo, visto que tal depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio, da real lesão à personalidade daquele que se diz ofendido.
[...]
5. Recurso especial não provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 19/03/2012)
- 944.308/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Consumidor. Homônimo. Concessionária prestadora de serviço de telefonia. Envio de cobranças para o endereço de homônima, em virtude de a verdadeira cliente ter fornecido comprovação de residência inverídica. Danos morais. Inexistência. Revisão do entendimento do tribunal de origem. Reexame de provas. Inviabilidade. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927).
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RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - IMÓVEL - DEFEITO DE CONSTRUÇÃO - INFILTRAÇÕES EM APARTAMENTO - POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO - CONSTATAÇÃO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - LAMENTÁVEL DISSABOR - DANO MORAL - NÃO CARACTERIZADO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - As recentes orientações desta Corte Superior, a qual alinha-se esta Relatoria, caminham no sentido de se afastar indenizações por danos morais nas hipóteses em que há, na realidade, aborrecimento, a que todos estão sujeitos.
II - Na verdade, a vida em sociedade traduz, infelizmente, em certas ocasiões, dissabores que, embora lamentáveis, não podem justificar a reparação civil, por dano moral. Assim, não é possível se considerar meros incômodos como ensejadores de danos morais, sendo certo que só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem estar.
III - No caso, a infiltração ocorrida no apartamento dos ora recorrentes, embora tenha causado, é certo, frustração em sua utilização, não justifica, por si só, indenização por danos morais.
Isso porque, embora os defeitos na construção do bem imóvel tenham sido constatados pelas Instâncias ordinárias, tais circunstâncias, não tornaram o imóvel impróprio para o uso.
IV - Recurso especial improvido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 10/02/2012)
- 1.234.549/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Aborrecimento. Indenização por danos morais. Imóvel. Defeito de construção. Infiltrações em apartamento. Possibilidade de utilização. Constatação, pelas instâncias ordinárias. Lamentável dissabor. Dano moral não caracterizado. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927).
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RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. NOTIFICAÇÃO FEITA PELO ESTABELECIMENTO BANCÁRIO A CORRENTISTA, COMUNICANDO-LHE O INTENTO DE NÃO MAIS RENOVAR O CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. MERO ABORRECIMENTO INSUSCETÍVEL DE EMBASAR O PLEITO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL.
[...]
- Mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2002, DJ 24/02/2003, p. 238)
- 303.396/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Dissabor. Banco. Notificação feita pelo estabelecimento bancário a correntista, através do Cartório de Registro de Títulos e Documentos, comunicando-lhe o intento de não mais renovar o contrato de abertura de crédito. Exercício regular de um direito. CF/88, art. 5º, V e X)
6. Com efeito, por não se verificar a ocorrência de ato lícito, dano ou mesmo cabal demonstração do nexo de causalidade, é descabido, a meu juízo, falar em compensação por danos morais.
Ademais, não se pode cogitar de inadimplemento contratual, pois não há legítima expectativa - amparada pelo direito - de que o espetáculo esportivo possa transcorrer sem que ocorra algum erro de arbitragem não intencional, ainda que grosseiro, a envolver marcação que hipoteticamente pudesse alterar o resultado do jogo. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»
Doc. LegJur (140.2565.3000.0000) - Íntegra: Click aqui
Referência(s):
▪ Responsabilidade civil (Jurisprudência)
▪ Consumidor (Jurisprudência)
▪ Dano moral (v. ▪ Torcedor) (Jurisprudência)
▪ Torcedor (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Consumidor (v. ▪ Torcedor) (Jurisprudência)
▪ Pênalti (v. ▪ Torcedor) (Jurisprudência)
▪ Erro de arbitragem grosseiro (v. ▪ Torcedor) (Jurisprudência)
▪ Erros de fato de arbitragem (v. ▪ Torcedor) (Jurisprudência)
▪ Mero dissabor (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Paixão futebolística (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ CF/88, art. 5º, V e X
▪ CCB/2002, art. 186
▪ CCB/2002, art. 927
▪ CDC, art. 14
Lei 10.671/2003, art. 2º (Legislação)
Lei 10.671/2003, art. 3º (Legislação)
Lei 10.671/2003, art. 5º (Legislação)
Lei 10.671/2003, art. 30 (Legislação)
▪ 1.234.549/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Aborrecimento. Indenização por danos morais. Imóvel. Defeito de construção. Infiltrações em apartamento. Possibilidade de utilização. Constatação, pelas instâncias ordinárias. Lamentável dissabor. Dano moral não caracterizado. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927).
▪ 967.623/STJ (Consumidor. Responsabilidade pelo fato ou vício do produto. Distinção. Direito de reclamar. Prazos. Vício de adequação. Prazo decadencial. Defeito de segurança. Prazo prescricional. Garantia legal e prazo de reclamação. Distinção. Garantia contratual. Aplicação, por analogia, dos prazos de reclamação atinentes à garantia legal).
▪ 944.308/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Consumidor. Homônimo. Concessionária prestadora de serviço de telefonia. Envio de cobranças para o endereço de homônima, em virtude de a verdadeira cliente ter fornecido comprovação de residência inverídica. Danos morais. Inexistência. Revisão do entendimento do tribunal de origem. Reexame de provas. Inviabilidade. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927).
▪ 303.396/STJ (Responsabilidade civil. Dano moral. Dissabor. Banco. Notificação feita pelo estabelecimento bancário a correntista, através do Cartório de Registro de Títulos e Documentos, comunicando-lhe o intento de não mais renovar o contrato de abertura de crédito. Exercício regular de um direito. CF/88, art. 5º, V e X)
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