Jurisprudência em Destaque
Família. Direito de família. Casamento. Regime de bens. Separação obrigatória de bens (CCB/1916, art. 258, II; CCB/2002, art. 1.641, II). Partilha. Bens adquiridos onerosamente. Esforço comum. Presunção ou necessidade de prova. Súmula 377/STF. CCB/1916, art. 259.
Gira a controvérsia em definir se o cônjuge supérstite, casado sob o regime de separação legal de bens, faz jus à meação de bem adquirido na constância do casamento, independentemente da prova de esforço comum, ou é necessário a prova do esforço comum. A 2ª Seção manifestou-se no sentido de que no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição e o fez através da releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o CCB/1916, art. 259, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça.
Eis o que nos diz, no fundamental, o relator:
[...] .
Manejado o recurso especial em evidência, a ilustre Ministra Nancy Andrighi negou-lhe provimento, considerando que, «ao decidir que o cônjuge supérstite, casado sob o regime de separação legal de bens, faz jus à meação de bem adquirido na constância do casamento, independentemente da prova de esforço comum, o TJSP (rectius, TJMG) se alinhou ao entendimento do STJ (REsp Acórdão/STJ, 3ª T., DJe 20/09/2016 e AgRg no REsp Acórdão/STJ, 4ª T., DJe 02/05/2012)» (na fl. 408).
Nessa esteira, sobrevém o presente recurso de embargos de divergência, no qual o recorrente alega que «a principal matéria em deslinde diz respeito à necessidade ou não da comprovação do esforço comum do casal na aquisição de bem, para fins de direito à meação pelo cônjuge sobrevivente, nos casos em que a união ou o casamento se derem sob o regime de separação legal de bens» (grifou-se, na fl. 429).
[...] .
Outrossim, não se pode afirmar que a diversidade das normas legais incidentes aos casos é capaz de impedir o seu cotejo, pois em ambos os Códigos é imposto o regime legal de bens às mesmas hipóteses e em ambos surge a mesma dificuldade de interpretação.
Exemplo disso é a acesa discussão acerca de ter caducado a Súmula 377/STF, editada a mote de interpretar o art. 259 do CCB/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal.
Essa constatação é ainda mais evidente quando se verifica que o aresto embargado, analisando hipótese de casamento contraído já sob a égide do Código Civil de 2002, além de fazer menção à Súmula 377/STF, invoca em arrimo de seu entendimento precedentes que cuidaram de casos relativos a matrimônio ajustado ainda sob a vigência do Código Civil de 1916 (REsp Acórdão/STJ, Terceira Turma, DJe de 20/09/2016; e AgRg no REsp Acórdão/STJ, Quarta Turma, DJe de 02/05/2012).
Para um melhor esclarecimento da matéria, confiram-se as redações dos arts. 258 e 259 do Código Civil de 1916, do art. 1.641 do Código Civil de 2002 e da Súmula 377 do eg. Supremo Tribunal Federal, respectivamente:
[...] .
@EME = Na leitura dos excertos acima reproduzidos, verifica-se que, a par de defenderem ou não a subsistência da Súmula 377/STF, os insignes doutrinadores concordam, unanimemente, que os bens adquiridos na constância do casamento submetido ao regime legal devem ser repartidos, divergindo, ocasionalmente, acerca da contribuição imaterial e, principalmente, quanto a depender a divisão da necessidade, ou não, de prova do esforço comum na aquisição do acervo.
@EME = Deveras, a assinalada Súmula apregoa a comunicação dos indigitados bens, mas não esclarece se a comunicabilidade depende de algum outro requisito.
@EME = Assim, a Súmula 377/STF, no contexto dessa divergência, pode ser interpretada de duas formas: 1) «No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento», sendo presumido o esforço comum na aquisição do acervo; e 2) «No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento», desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.
@EME = Destaque-se que o multicitado princípio da vedação ao enriquecimento ilícito não contribui para o esclarecimento da matéria, porquanto, se de um lado evita que um dos pares saia em desvantagem nos casos em que ambos contribuíram para amealhar o patrimônio que foi registrado em nome somente de um deles, por outro lado, presumindo-se o esforço comum, um dos ex-cônjuges pode levar vantagem na distribuição de acervo para o qual não contribuiu, destruindo a essência do mesmo princípio.
@EME = Essa situação é um pouco mais evidente em casos como o dos autos, em que o casamento foi celebrado sem a partilha do patrimônio resultante de matrimônio anterior, e somente 9 (nove) meses depois o bem que se pretende dividir foi adquirido.
@EME = A presunção do esforço comum aplicada a hipóteses como esta pode levar a resultado iníquo, o que seria mais raro acontecer nos casos em que a mesma presunção incide sobre união duradoura, de várias décadas de convivência, nos quais, segundo o senso comum, a contribuição, ainda que indireta, de ambos os cônjuges para a aquisição do acervo é mais corriqueira.
@EME = Exatamente acerca desse aspecto, prova ou presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, embora já se tenha pacificado acerca do direito a comunhão dos aquestos no regime da separação obrigatória de bens, decorrente da exegese da Súmula 377/STF, diverge no tocante à comprovação de esforço para a construção do patrimônio, ou seja, o cônjuge interessado na partilha deve comprovar sua efetiva contribuição, ou a simples comunhão de vida, ainda que de curta duração, implica a presunção do esforço.
[...] .
Desse modo, cabe definir se a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável depende ou não da comprovação do esforço comum, isto é, se esse esforço deve ser presumido ou precisa ser comprovado.
Noutro giro, importa esclarecer se a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, ou se a dita comunicação é a regra, por se presumir o esforço.
Ora, a adoção da compreensão de que o esforço comum deve ser presumido (por ser a regra) conduz à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, deverá o interessado fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem, conquanto tenha sido a coisa adquirida na constância da união. Torna, portanto, praticamente impossível a separação dos aquestos.
Por sua vez, o entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente adotado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).
Disposta a controvérsia nesse moldes, com a devida vênia da divergência, deve prevalecer o entendimento adotado no v. acórdão paradigma, por ser mais consentâneo com aquilo que vem sendo preconizado pelas modernas doutrina e jurisprudência, conforme pode ser verificado na lição de ARNALDO RIZZARDO:
[...] .
@EME = Todavia, não se desconhece a existência de julgados adotando solução diversa e preconizando a presunção do esforço comum, inclusive já decididos após a uniformização da matéria pela eg. Segunda Seção, no julgamento do recurso de embargos de divergência que ora se assinala como paradigma do dissenso (EREsp Acórdão/STJ) e que exige a comprovação da contribuição conjunta na aquisição do acervo.
[...] .
@EME = Do mesmo modo, não se desconhece a existência da presunção legal de esforço comum, prevista pelo art. 5º da Lei 9.278/96, segundo a qual «os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito».
@EME = Todavia, é inaplicável ao caso o dispositivo contido na assinalada Lei que regula o § 3º do art. 226 da Constituição Federal e reconhece «a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar», sem estabelecer exceção à normatização especial do casamento estabelecido com desconsideração de causa suspensiva, caracterizado, portanto, pela separação de bens.
[...] .
Assim, sanando a divergência, deve ser reafirmada a tese de que, «no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição».
@EME = Nesse contexto, observando que o cônjuge supérstite ainda não compõe a relação jurídica processual, os embargos de divergência devem ser providos para dar provimento ao recurso especial, determinando-se o retorno dos autos à primeira instância para que promova a integração da viúva à lide, permitindo-lhe, assim, o direito de comprovar o esforço na aquisição dos bens passíveis de serem compartilhados.
[...] .» (Min. Lázaro Guimarães).»
JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE
Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito esta decisão é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante ou para o estudioso é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Certa, ou errada, podemos, ou não, concordar com ela, contudo, está bem fundamentada pelo Min. Lázaro Guimarães. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição do ministro. Ter o hábito de ler jurisprudência de qualidade é qualificar-se.
Como pode ser visto nesta decisão, o ministro relator, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica, ou peça processual deveriam conter, há, portanto uma tese jurídica definida, se esta tese está correta, ou não, o exame é feito noutro contexto. Neste sentido esta decisão deveria ser lida e examinada com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação. Decisões bem fundamentadas estimulam a capacidade de raciocínio lógico do estudioso e do profissional. O raciocínio lógico é a ferramenta mais importante para qualquer estudioso ou profissional desenvolver sua capacidade criativa e determina a qualidade do serviço que presta. Como dito, ler jurisprudência de qualidade é qualificar-se cada vez mais.
A JURISDIÇÃO, A ADVOCACIA E A DEMOCRACIA
Vale lembrar sempre, que navegam na órbita da inexistência, decisões judiciais ou teses jurídicas que neguem a ideia do respeito incondicional devido às pessoas, que neguem a ideia de que deve ser dado a cada um o que é seu, que neguem os valores democráticos e republicanos, que neguem os valores solidificados ao longo do tempo pela fé das pessoas, que neguem, ou obstruam, a paz entre as pessoas. Pessoas estas, que para quem presta serviços é o consumidor e para quem presta a jurisdição é o jurisdicionado. Em suma, essas decisões e ou teses jurídicas orbitam na esfera da inexistência porque, negam o modo democrático de viver, negam o modo republicano de viver, negam o modo cristão de viver, negam o modo de viver de qualquer fé, já que nenhuma fé, em sentido material, é incompatível com o modelo democrático e republicano de ser e viver.
Neste cenário, nenhum indivíduo detém legitimamente o poder de dispor destes valores, principalmente quem fez da vida pública o seu meio de vida, e aí incluem-se os que são responsáveis pela advocacia, pela jurisdição e pela atividade parlamentar. Só exercem legitimamente a advocacia, a jurisdição e a vida parlamentar aqueles que acreditam, têm fé, compromissos e condições de serem os guardiões e fiéis depositários dos valores democráticos, republicanos, e da fé do povo.
Exceções não são legítimas, devem ser tratadas como lixo ideológico e não obrigam a ninguém. Prestar juramento à Constituição, obviamente despida do lixo ideológica que a nega, materialmente falando, e depois passar a vida negando-a, ou colocar-se na condição de violador, é muito ruim, desnecessário e humilhante para quem o faz. Ainda pior, é um desserviço, e um desserviço não ajuda ninguém a colocar um prato de comida na mesa. Pense nisso.
DA COMPULSIVA JUDICIALIZAÇÃO
Numa decisão recente de relatoria da Minª. Nancy Andrighi [Doc. LEGJUR 184.3520.1002.1900], mencionou a necessidade de desjudicialização dos conflitos.
Sobre o tema, e rememorando um pequeno aspecto da questão, vale lembrar que a CF/88 assegura a inviolabilidade do domicílio, da intimidade e da vida privada, entre outros, não porque um grupo de constituintes resolveu ser generoso com o cidadão, embora este mesmo constituinte concedeu na Constituição com um dedo, e retirou muito mais com as mãos na legislação inferior, como dito, estes são valores são fundamentais de um regime democrático e republicano de uma sociedade pluralista, estes valores não estão na esfera de disponibilidade do constituinte, do parlamentar, do magistrado, do advogado, do delegado de polícia, etc., principalmente por quem fez juramento como guardião e fiel depositários deses valores, juramento que o próprio constituinte fez.
Isto quer dizer, no mínimo, que a mão violenta do estado ou de governos não têm acesso ao domicílio do cidadão, a sua intimidade e a sua vida privada, por mais especial que seja a motivação, não é advogado, não é magistrado, nem é parlamentar quem se coloca como violador destes valores ou quaisquer outros valores que se inserem dentro do compromisso democrático.
Quando falamos de vida privada entenda-se em sentido amplo que inclui, não só a vida privada do cidadão, mas, os negócios e as empresas. Nesse sentido por óbvio, os conflitos que envolvem a intimidade é no seio da intimidade que estes conflitos se resolvem, caso necessário com assessoria de quem tem competência material para tanto e a confiança das partes, a confiança em questão, tem que ser vista em sentido material, da mesma forma o seio privado é o foro adequado para solução dos conflitos privados. Demitir-se deste compromisso é desserviço ao cliente e ao país.
Ao profissional que não leva a sério estes compromissos e valores democráticos e republicanos e opta pelo suposto caminho fácil da judicialização desnecessária e compulsiva, tem contra si a pior das penas, que é ter cada vez mais dificuldades para colocar um prato de comida na mesa, para si e para sua família, na medida que, materialmente falando, não prestou nenhum serviço ao seu cliente, quem prestou, se prestou algum serviço este alguém foi o governo, e por óbvio, se o profissional não prestou materialmente o serviço contratado, onde está a legitimidade dos honorários por um serviço que foi prestado por outrem, que no nosso caso foi pelo governo? e pago pelo contribuinte? Pense nisso.
Só para melhor esclarecer, e é muito fácil compreender, já que ao motorista de táxi não podem ser pagos honorários, e nem ele os exige, pela cesariana que o médico fez na cliente que ele levou para a maternidade. Pense nisso.
Doc. LEGJUR 185.7200.2000.0200
«... 2.2. - A necessidade do esforço comum ... ()
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