Jurisprudência em Destaque
STJ. 4ª T. Responsabilidade civil. Dano moral. Consumidor. Fato do produto. Sabão em pó. Dermatite de contato. Mau uso do produto. Culpa exclusiva da vítima. Inocorrência. Alergia. Condição individual e específica de hipersensibilidade ao produto. Defeito intrínseco do produto. Inocorrência. Defeito de informação. Defeito extrínseco do produto. Falta de informação clara e suficiente. Violação do dever geral de segurança que legitimamente e razoavelmente se esperava do produto. Recurso especial. Matéria fático probatória. Súmula 7/STJ. Súmula 283/STF. CDC, arts. 6º, III, 12 e 31. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927.
A discussão na hipótese é justamente saber se a fornecedora, ora recorrente, deve ser responsabilizada pelo acidente de consumo decorrente do uso do sabão em pó denominado «Ace». de sua fabricação.
3.1. É incontroverso que a recorrida apresentou reação inflamatória (dermatite de contato) em razão da utilização do sabão em pó «Ace»
O acórdão recorrido asseverou que:
claro que a autora adquiriu o sabão em pó ACE, fabricado pela ré (fls. 20/21), mas o produto lhe causou vermelhidão e bolhas tanto nas mãos como nos pés (fls. 22).
[...]
Ao contrário do que afirmou a apelante, o perito judicial concluiu:
"Após estudo do caso, com base nos dados dos autos e atestados médicos, concluiu-se que a Autora apresentou uma reação inflamatória denominada «dermatite de contato» devido o contato de sua pele com agente irritativo presente no sabão em pó utilizado, no caso o sabão em pó «ACE»
[...]
A prova pericial indica que as lesões podem ter sido ocasionadas pelo produto da recorrente, não tendo a empresa comprovado a inexistência de nexo causal entre o uso de seu produto e as lesões experimentadas pela recorrida.
[...]
Não há dúvidas, no caso dos autos, que o que desencadeou a dermatite de contato foi o sabão em pó ACE.
[...]
Assim, de alguma forma, o produto da recorrente produziu as lesões na recorrida, sendo devida a sua responsabilização pelos prejuízos.
(fls. 555/562)
A empresa sustenta que fora constatado que a autora, ora recorrida, possui condição individual e específica de hipersensibilidade ao produto, bem como que a mesma o manuseou incorretamente, haja vista que, além de lavar roupas, utilizou-o na limpeza de diversos cômodos da casa.
3.2. O Código do Consumidor, ao tratar da responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto, prescreve que:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º - O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Verifica-se, pois, que o Código previu a responsabilidade objetiva do fornecedor fundada na teoria do risco da atividade, estabelecendo, ainda, possíveis causas de mitigação da responsabilização.
Nessa toada, não se discute aqui que o produto tenha sido colocado no mercado. O que se pretende é a não responsabilização pela inexistência de defeito no produto, seja pelo seu uso inadequado (culpa exclusiva da vítima), seja pela condição intrínseca da consumidora com hipersensibilidade ao produto (inexistência de defeito no produto).
4. No tocante ao mau uso, a moldura fática trazida aos autos retrata que a autora utilizou o produto sabão em pó para lavar roupas e efetuar a limpeza de diversos cômodos da casa.
Diante disso e segundo a recorrente, o uso do sabão em pó para além da lavagem de roupas teria sido suficiente a demonstrar a culpa exclusiva da consumidora, exonerando sua responsabilidade
Isso porque a culpa exclusiva da vítima representa fator obstativo do nexo causal entre o defeito e o evento lesivo, haja vista a auto exposição da própria vítima ao risco ou ao dano, tendo por conta própria, assumido as consequências de sua conduta.
Contudo, entendo que a utilização do sabão em pó para limpeza do chão dos cômodos da casa, além da lavagem do vestuário, por si só, não representou conduta descuidada apta a colocar a consumidora em risco, uma vez que não se trata de uso negligente ou anormal do produto.
Conforme ressalta a doutrina:
Ocorre uso negligente (contributory negligence) do produto nas seguintes hipóteses: a) inobstante as instruções ou advertências, o consumidor ou usuário emprega o produto de maneira inadequada, ou dele faz uso pessoa a quem a mercadoria é contra-indicada; b) à revelia do prazo de validade, o produto é utilizado ou consumido; c) quando não se atenda a um vício ou defeito manifesto. Ocorre uso anormal (unusual use) quanto o produto é utilizado ou consumido de modo diverso do objetivamente previsto (abnormal purpose)"(LEÂES, Luiz Gastão Paes Barros apud Almeida, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 93)
Ao tratar do tema, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino aponta que:
O fundamental é que o fato exclusivo da vítima apresente-se, no mínimo, sob a forma de uma conduta descuidada para que possa incidir a eximente. Por isso, a expressão utilizada - culpa exclusiva do consumidor - apresenta-se adequada, pois afasta o comportamento acidental como causa de exclusão da responsabilidade do fornecedor, enfatizando a necessidade de uma conduta, pelo menos, descuidada.
O fato culposo do prejudicado é uma eximente que interfere diretamente no nexo de causalidade, não tendo qualquer relação com o nexo de imputação. Em decorrência disso, é necessário verificar se o fato da vítima constitui causa adequada exclusiva, no processo causal, na consecução dos prejuízos sofridos pelo próprio prejudicado. Se isso ocorrer, há exclusão da responsabilidade. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor e a Defesa do Fornecedor, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 291/292)
É sabido que muitos consumidores se utilizam do sabão em pó, como produto saneante que é, não só para lavar roupa, mas também para limpeza da casa em geral, não causando estranheza alguma o referido emprego nessas situações, sendo inclusive um comportamento de praxe nos ambientes residenciais.
Dessarte, não há falar, só por isso, que a consumidora tenha resolvido exacerbar os riscos do produto, expondo-se a situações que, em condições normais, o produto ou serviço não ofereceria.
De fato, na hipótese, não se configura a excludente de responsabilidade porque não se pode falar em uso inadequado, pelo menos dentro da expectativa objetiva do grupo de consumidores a que se destina o produto. É que o sabão em pó não foi utilizado de maneira absurda e anômala, mas dentro da expectativa normal de um seleto grupo de consumidores.
Aliás, a própria Resolução-RDC nº 59 de 17 de Dezembro de 2010, da Anvisa, dispõe que:
Art. 4º - Para efeito deste regulamento técnico são adotadas as seguintes definições:
XX - produto saneante: substância ou preparação destinada à aplicação em objetos, tecidos, superfícies inanimadas e ambientes, com finalidade de limpeza e afins, desinfecção, desinfestação, sanitização, desodorização e odorização, além de desinfecção de água para o consumo humano, hortifrutícolas e piscinas.
Nessa ordem de ideias, em hipótese muito similar à presente questão, o Min. Sanseverino salientou que «o fabricante de brinquedos ou de canetas deve prever que, além do seu uso normal, esses produtos sejam colocados na boca por crianças, não podendo, por isso, ser tóxicos» e conclui «mesmo a utilização incorreta, desde que seja legitimamente esperada, deve ser considerada defeito, ensejando a responsabilidade do fornecedor» (Sanseverino, Paulo de Tarso Vieira. Op.cit., p.127).
5. Além do uso inadequado do produto, tese já afastada, ressalta a fornecedora que sua responsabilidade está excluída pelo fato de a consumidora ser alérgica ao produto, sendo esta uma condição inerente e individual sua de hipersensibilidade à substância, não havendo falar, por isso, em defeito do produto.
5.1. Ao que consta dos autos, a autora teve um quadro alérgico como resposta imunológica ao contato de sua pele com o sabão em pó «Ace». tendo-lhe desencadeado a reação dermatológica nominada de «dermatite de contato» e daí decorrido diversos danos em sua ordem material e moral.
Não obstante, somente os danos causados por produto ou serviço defeituoso é que devem ser indenizados, sendo imprescindível a caracterização de defeito para que ocorra o nascimento da obrigação de indenizar.
Nessa toada, o art. 12 do CDC se relaciona diretamente à idéia de segurança do produto ou serviço tirado por meio de cláusula aberta, em fórmula suficientemente vaga, para conferir amplitude à variedade de fatos de consumo, concretizando-se pela apreciação do magistrado no julgamento do caso em espécie.
Em seu contexto, a doutrina reconhece que o dispositivo previu três modalidades de defeitos dos produtos: a) defeito de concepção; b) defeito de produção e c) defeito de informação.
O defeito de concepção, relacionado ao projeto, design do produto, não se discute nos autos.
Além disso, ao que se depreende, o produto utilizado pela recorrida também não teria defeito de produção ou execução, haja vista que não se constatou vícios de fabricação, manipulação, acondicionamento ou montagem do produto.
Dessarte, não há falar em defeito intrínseco do produto, sendo a condição inerente e individual da consumidora de hipersensibilidade ao produto a grande responsável pelos danos efetivamente sofridos por ela.
5.2. Contudo, é de se notar que, no presente caso, a responsabilização da fornecedora não se deu por defeito intrínseco - o produto realmente não apresentou falha material -, mas ao contrário, por defeito extrínseco do produto, qual seja, defeito de informação que foi tida pelos julgadores como insuficiente e inadequada.
Com efeito, o magistrado de primeiro grau reconheceu a responsabilidade da recorrente, tendo o acórdão corroborado com referido entendimento, nos seguintes termos:
Embora a dermatite de contato seja uma condição inerente e individual da pessoa e que independe da qualidade e marca do produto (v fl. 361), o fato é que a autora antes da utilização do sabão em pó «Ace» fez uso de outras marcas de sabão em pó e nunca sofreu semelhante reação dermatológica. Assim tem-se que se a utilização do sabão em pó fabricado pela ré, em razão de conter na sua fórmula componente capaz de causar alergia na autora, deve a ré responder pelos danos conseqüentes sofridos pela consumidora do produto.
0 fato de o produto ter sido aprovado pela Anvisa após os testes noticiados, não exonera a ré do dever de indenizar pelos danos causados à consumidora prejudicada. Ao contrário, se risco há, mesmo que seja de grau reduzido, e se em razão desse risco algum consumidor é lesado, deve o produtor reparar o prejuízo no tocante. (e-fl. 471) [...]
Não acode a ré a alegação de que os danos sofridos pela autora decorreram de culpa exclusiva dela por não ter seguido a orientação contida na embalagem do produto.
Bem sabe a ré que as donas de casa utilizam o sabão em pó não só para a lavagem de roupas, mas também para a limpeza da casa em geral, sem qualquer proteção de luvas ou botas. Mera anotação pela ré, em letras minúsculas e discretas na embalagem do produto, fazendo constar que deve ser evitado o «contato prolongado com a pele « e que «depois de utilizar» o produto, o usuário deve lavar, e secar as mãos, não basta, como de fato no caso não bastou, para alertar de forma eficiente a autora, na condição de consumidora do produto, quanto ao risco desse uso (fl. 239) Essa recomendação haveria de ser colocada de forma clara e com destaque na embalagem.
(sentença - fls. 478/479)
Também não comprovou que a alergia se deu em razão do mau uso pela recorrida, ao menos em relação às mãos, haja vista que não há indicações no produto no sentido de que o sabão somente seja manejado com luvas e botas.
(acórdão - fl. 558)
Constata-se, assim, que houve violação ao direito da autora de ser devidamente informada pela fornecedora, tendo em vista a falta de informação clara e suficiente de que o produto só poderia ser utilizado na lavagem de roupas, de que o contato com a pele deveria ser por um curto lapso de tempo, bem como que o produto poderia vir a causar irritação ou qualquer outro problema alérgico (informando os riscos à saúde).
Isto porque a informação devida pelo fabricante visa a garantir a segurança necessária para a utilização do produto, seja sobre a sua utilização, seja pela informação sobre os seus riscos (art. 12, caput, do CDC).
Ademais, o art. 31 do Código consumerista estabelece que:
A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Relevante notar que «normas especiais podem ampliar tal listagem, mas nunca restringi-la» (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto/Ada Pellegrini Grinover (et al). Rio de Janeiro: Forense, 2011, Vol. 1, Direito Material, p. 293).
Prevê a norma, portanto, que o consumidor pode vir a sofrer dano por defeito (não necessariamente do produto), mas da informação inadequada ou insuficiente que o acompanhe, seja por ter informações deficientes sobre a sua correta utilização, seja pela falta de advertência sobre os riscos por ele ensejados (são danos causados pelos efeitos colaterais do produto).
Nessa ordem de ideias, o Decreto nº 79.094/77, regulamentador da Lei 6.360/1976, que submete à sistema de vigilância sanitária os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos, produtos de higiene, saneamento e outros, prevê ainda que:
Art. 1º - Os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos, produtos de higiene, perfumes e similares, saneantes domissanitários, produtos destinados à correção estética e os demais, submetidos ao sistema de vigilância sanitária, somente poderão ser extraídos, produzidos, fabricados, embalados ou reembalados, importados, exportados, armazenados, expedidos ou distribuídos, obedecido ao disposto na Lei 6.360, de 23 de setembro de 1976, e neste Regulamento.
Art. 17 - O registro dos produtos submetidos ao sistema de vigilância sanitária fica sujeito à observância dos seguintes requisitos:
c) indicação, finalidade ou uso a que se destine;
d) modo e quantidade a serem usadas, quando for o caso, restrições ou advertências;
[...]
f) contra-indicações, efeitos colaterais, quando for o caso;
[...]
h) os demais elementos necessários, pertinentes ao produto de que se trata, inclusive os de causa e efeito, a fim de possibilitar a apreciação pela autoridade sanitária.
A resolução RDC nº 184, de 33 de outubro de 2001, da Anvisa estabeleceu quanto à rotulagem de saneantes domissanitário, que:
1. Deverão constar no rótulo dos produtos saneantes domissanitários de Risco I:
[...]
1.8. Instruções de uso: devem ser claras e simples.
1.8.1. Para os produtos de uso domiciliar, se necessária a utilização de uma medida, esta deverá ser de uso trivial pelo usuário ou deverá acompanhar o produto.
1.8.2. Quando a superfície da embalagem não permitir a indicação da forma de uso, precauções e cuidados especiais, estas deverão ser indicadas em prospectos ou equivalente, que acompanhem obrigatoriamente o produto, devendo na rotulagem figurar a advertência: «Antes de usar leia as instruções do prospecto explicativo» ou frase equivalente.
[...]
1.13. As precauções de uso necessárias para prevenir o usuário dos riscos de ingestão, inalação, irritabilidade da pele e/ou olhos e inflamabilidade do produto, quando for o caso, além das frases: «Conserve fora do alcance das crianças e dos animais domésticos» e «Antes de usar leia as instruções do rótulo»
[...]
3. Informações obrigatórias dos rótulos de produtos saneantes domissanitários:
3.1.1. Se contiverem enzimas, alcalinizantes ou branqueadores, adicionar às frases anteriores: «evitar o contato prolongado com a pele. Depois de utilizar este produto, lave e seque as mãos»
3.2. Produtos à base de sabões: «se ingerido, consultar o Centro de Intoxicações ou Serviço de Saúde mais próximo»
Os diversos dispositivos trazem à lume a preocupação com o dever de informação, com ênfase principalmente no dever de se alertar sobre os riscos do produto.
A informação é direito básico do consumidor (art. 6º, III, do CDC), tendo sua matriz no princípio da boa-fé objetiva, devendo, por isso, ser prestada de forma inequívoca, ostensiva e de fácil compreensão, principalmente no tocante às situações de perigo.
Como ressalta Sanseverino:
O fornecedor conhece os bens e serviços que coloca no mercado, enquanto a maior parte do público consumidor tem poucas possibilidades de um julgamento razoável das suas qualidades e riscos [...] não bastam instruções em letras minúsculas ou em folhetos ilegíveis, devendo as informações e advertências ser prestadas com clareza. No Brasil, como país em vias de desenvolvimento, a necessidade de prestação de informações claras pelos fornecedores assume um relevo especial, em face do grande número de pessoas analfabetas ou com baixo nível de instrução que estão inseridas no mercado de consumo. As informações devem ser prestadas em linguagem, de fácil compreensão, enfatizando-se, de forma especial, as advertências em torno de situações de risco. (SANSEVERINO, Op. cit., p.152).
E Herman Benjamim arremata:
Para a proteção efetiva do consumidor não é suficiente o mero controle da enganosidade e abusividade da informação. Faz-se necessário que o fornecedor cumpra seu dever de informação positiva. Toda a reforma do sistema jurídica nessa matéria, em especial no que se refere à publicidade, relaciona-se com o reconhecimento de que o consumidor tem direito a uma informação completa e exata sobre os produtos e serviços que deseja adquirir.
[...]
O art. 31 aplica-se, precipuamente, à oferta não publicitária. Cuida do dever de informar a cargo do fornecedor. O Código, como se sabe, dá grande ênfase ao aspecto preventivo da proteção do consumidor. E um dos mecanismos mais eficientes de prevenção é exatamente a informação preambular, a comunicação pré-contratual.
Não é qualquer modalidade informativa que se presta para atender aos ditados do Código. A informação deve ser correta (verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem prolixidade), ostensiva (de fácil percepção) e em língua portuguesa.
O consumidor bem informado é um ser apto a ocupar seu espaço na sociedade de consumo. Só que essas informações muitas vezes não estão à sua disposição. Por outro lado, por melhor que seja a sua escolaridade, não tem ele condições, por si mesmo, de apreender toda a complexidade do mercado.
(BENJAMIN, Op. cit., p. 289-293)
De fato, consoante observou o Juízo a quo, mera anotação pela recorrente, em letras minúsculas e discretas na embalagem do produto, fazendo constar que deve ser evitado o «contato prolongado com a pele « e que «depois de utilizar o produto, o usuário deve lavar, e secar as mãos». não basta, como de fato no caso não bastou, para alertar de forma eficiente a autora, na condição de consumidora do produto, quanto aos riscos desse.
Importante frisar, ainda, que o produto muitas vezes é inofensivo para a grande maioria dos consumidores, mas é imensamente perigoso para um grupo reduzido de usuários, como na hipótese em questão, em que, apesar do controle de qualidade exigido, foi apto a causar crises alérgicas em uma de suas consumidoras.
A própria fornecedora, em sua contestação, reconheceu ser possível a ocorrência de efeitos colaterais indesejados a uma pequena parcela de seus consumidores, senão vejamos:
Conforme relatórios de testes realizados com o sabão em pó Ace (Doc. 06), podemos auferir que mesmo em situações extremas de exposição direta ao produto diluído (Teste de imersão de Mãos, Teste de Irritação de Pele e Teste Representativo de Aplicação Repetitiva Agressiva de Emplastro Oclusivo), os níveis de irritação da pele encontrados são muito baixos.
Entretanto, não obstante os inúmeros testes realizados, prova maior da qualidade do sabão em pó Ace é a aprovação final do produto pela ANVISA, permitindo sua entrada no mercado brasileiro, como produto domissanitário de Grau de Risco I. (Doc. 7). Isso porque, nenhum teste teria sido útil senão para autorização para atuação no mercado nacional. Vale ressaltar que um produto, ao ser qualificado como de Grau de Risco I, possui baixo risco de ocorrência de efeitos indesejáveis à população.
(fl. 140)
Exatamente por isso, a embalagem do sabão em pó «Ace» deveria conter advertência destacada acerca dos riscos que o produto poderia acarretar, bem como qualquer outra informação útil e importante, como o modo e tempo de uso aconselhável do produto, sempre levando-se em conta os riscos previsíveis e o grupo a que é destinado.
Com efeito, além do dever de informar sobre a forma correta de utilização do produto, com instruções, todo fornecedor deve, também, advertir os usuários acerca de cuidados e precauções a serem adotados, alertando sobre os riscos correspondentes, principalmente se se tratar de um grupo de hipervulneráveis (como aqueles que têm sensibilidade ou problemas imunológicos ao produto).
Em verdade:
Quanto aos riscos, o fabricante deve informar sobre todos os perigos previsíveis do seu produto (art. 8º do CDC). Por exemplo, o fabricante deve informar sobre os efeitos colaterais de um medicamento. O fabricante de produtos de limpeza muito fortes deve informar que tais produtos corroem objetos de ferro. [...]
Os perigos previsíveis não são apenas aqueles que resultam do uso adequado. Eles abrangem também os perigos de utilizações erradas que podem naturalmente ou facilmente acontecer. [...]
O fabricante não precisa informar sobre perigos que resultam de utilzações do produto completamente fora de sua finalidade. Ele não precisa advertir do abuso evidente: o fabricante de solventes deve advertir do uso deles em lugares fechados mas não da sua inalação como entorpecentes.
A intensidade da advertência varia em relação ao grupo destinado entre os consumidores: quando um fabricante vende aparelhos de solda para revendedores especializados, ele pode ter a expectativa que os compradores finais não sejam leigos"
(FABIAN, Christoph. O Dever de Informar no Direito Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p.149-150)
Assim, violado o dever de informação e, por conseguinte, o dever geral de segurança que legitimamente e razoavelmente era esperada pela consumidora, tendo como matriz a boa-fé objetiva, há de prevalecer a responsabilização civil da fornecedora pelo fato do produto .
6. E mesmo que assim não fosse, há de se ressaltar que, no ponto, o recurso especial se mostrou deficiente, uma vez que não impugnou o sobredito fundamento - defeito de informação no produto -, que por si só é suficiente para mantê-lo.
Ademais, assentou o acórdão recorrido que «também, não se duvida que a situação tenha se agravado em razão do descaso com que agiu a segunda médica contratada pela empresa, que prescreveu remédios caseiros, como «arroz quebradinho com aveia» e deixou de lhe prestar o auxílio prometido (fls. 379)». não tendo a recorrente, mais uma vez, enfrentado a referida fundamentação.
Dessarte, percebe-se que a recorrente não se desincumbiu da obrigação de atacar todos os fundamentos suficientes para a manutenção do entendimento exarado no acórdão recorrido, acarretando a incidência da súmula 283 do STF: «É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles»
7. Insta salientar, ademais, que chegar à conclusão diversa quanto ao defeito do produto pela falta de informação suficiente e adequada demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 07 do STJ. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»
Doc. LegJur (138.1012.8000.0000) - Íntegra: Click aqui
Referência(s):
▪ Responsabilidade civil (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Dano moral (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Consumidor (Jurisprudência)
▪ Fato do produto (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Sabão em pó (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Dermatite de contato (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Mau uso do produto (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Culpa exclusiva da vítima (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Alergia (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Condição individual e específica de hipersensibilidade ao produto (v. ▪ Alergia) (Jurisprudência)
▪ Defeito intrínseco do produto (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Defeito de informação (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Informação (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Defeito extrínseco do produto (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Falta de informação clara e suficiente (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Violação do dever geral de segurança (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Produto (v. ▪ Informação) (Jurisprudência)
▪ Recurso especial (Jurisprudência)
▪ Matéria fático probatória (v. ▪ Recurso especial) (Jurisprudência)
▪ Súmula 7/STJ (Recurso especial. Exame de prova. Descabimento. CF/88, art. 105, III. RISTJ, art. 257. CPC, art. 541. Lei 8.038/90, art. 26).
▪ Súmula 283/STF (Recurso extraordinário. Inadmissibilidade. Ausência de questionamento de todos os fundamentos do acórdão. CPC, art. 541. Lei 8.038/90, art. 26).
▪ CDC, art. 6º, III
▪ CDC, art. 12
▪ CDC, art. 31
▪ CF/88, art. 5º, V e X
▪ CCB/2002, art. 186
▪ CCB/2002, art. 927
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