Legislação
Decreto 7.378, de 01/12/2010
(D.O. 02/12/2010)
- A CCZEE promoverá a compatibilização e harmonização dos Zoneamentos Ecológicos-Econômicos realizados na Amazônia Legal, em diferentes escalas e esferas administrativas, com o MacroZEE da Amazônia Legal.
Parágrafo único - No cumprimento do disposto no caput, a CCZEE será apoiada por grupo de trabalho instituído pelo Ministério do Meio Ambiente.
- A CCZEE poderá solicitar aos órgãos e entidades da administração pública informações que permitam o exame da compatibilidade e coerência de suas políticas, planos e programas ao estabelecido pelo MacroZEE da Amazônia Legal.
- A CCZEE e o Consórcio ZEE Brasil elaborarão propostas de critérios técnicos e institucionais para a revisão, atualização e modificação dos Zoneamentos Ecológicos Econômicos elaborados no território nacional.
- O Decreto 4.297, de 10/07/2002, fica acrescido do seguinte art. 13-B:
- Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 01/12/2010; 189º da Independência 122º da República. Luiz Inácio Lula da Silva - Izabella Monica Vieira Teixeira
ANEXO
ESTRATÉGIAS DE TRANSIÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE
LISTA DE siglas
AGU | Advocacia-Geral da União |
AlunorteAmbev | Alumina do Norte do Brasil S.A.Companhia de Bebidas das Américas |
Ambip | Associação Regional das Mulheres TrabalhadorasRurais do Bico do Papagaio |
Amcel | Amapá Florestal e Celulose S.A. |
ANA | Agência Nacional de Águas |
Aneel | Agência Nacional de Energia Elétrica |
ANPBAP | Agência Nacional do Petroléo, Gás Natural eBiocombustíveisBacia do Alto Paraguai |
BID | Banco Interamericano de Desenvolvimento |
Cadam | Caulim da Amazônia S.A |
CCZEE | Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômicodo Território Nacional |
Cfem | Compensação Financeira pela ExtraçãoMineral |
Cimi | Conselho Indigenista Missionário |
CNA | Confederação Nacional da Agricultura |
CNI | Confederação Nacional da Indústria |
CNS | Conselho Nacional das Populações Extrativistas |
CO2 | Dióxido de Carbono |
CT&I | Ciência Tecnologia e Inovação |
EDN | Estratégia de Defesa Nacional |
Embrapa | Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária |
Empaer | Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência eExtensão Rural |
EPE | Empresa de Pesquisa Energética |
Faor | Fórum da Amazônia Oriental |
Ferronorte | Ferrovia Norte Brasil |
Fetaet | Federação dos Trabalhadores na Agricultura doEstado do Tocantins |
Fiocruz | Fundação Oswaldo Cruz |
Flona | Floresta Nacional |
Flota | Floresta Estadual |
GT | Grupo de Trabalho |
GTA | Grupo de Trabalho Amazônico |
IBGE | Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística |
Icomi | Indústria e Comércio de Minérios |
IEPA | Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicado Estado do Amapá |
IIRSA | Iniciativa de Integração da InfraestruturaRegional Sul-Americana |
Incra | Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária |
INSS | Instituto Nacional do Seguro Social |
MCT | Ministério da Ciência e Tecnologia |
MIQCB | Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu |
MME | Ministério de Minas e Energia |
OEA | Organização dos Estados Americanos |
ONG | Organização não Governamental |
P&D | Pesquisa e Desenvolvimento |
PAA | Programa de Aquisição de Alimentos da AgriculturaFamiliar |
PAC | Programa de Aceleração do Crescimento |
PAS | Plano Amazônia Sustentável |
PCH | Pequena Central Hidrelétrica |
PCTAF | Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares |
PDN | Política de Defesa Nacional |
PDR | Políticas de Desenvolvimento Regional |
PGPM | Política de Garantia de Preços Mínimos |
PIBPIM | Produto Interno BrutoPolo Industrial de Manaus |
PIN | Plano de Integração Nacional |
PNAE | Programa Nacional de Alimentação Escolar |
PNDR | Política Nacional de Desenvolvimento Regional |
PNLT | Plano Nacional de Logística de Transportes |
PNOT | Política Nacional de Ordenamento Territorial |
PNPCT | Política Nacional de Desenvolvimento Sustentáveldos Povos e Comunidades Tradicionais |
PNPSB | Plano Nacional de Promoção das Cadeias deProdutos da Sociobiodiversidade |
PPCDAm | Plano de Ação para Prevenção eControle do Desmatamento na Amazônia |
PPCerrado | Plano de Ação para Prevenção eControle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado |
PRDA | Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia |
Prodes | Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia |
Pronaf | Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar |
REB | Relação de Extrativistas Beneficiários |
REGIC | Região de Influência das Cidades |
Resex | Reserva Extrativista |
SAE | Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidênciada República |
Sebrae | Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e PequenasEmpresas |
SFB | Serviço Florestal Brasileiro |
SIN | Sistema Interligado Nacional |
Snuc | Sistema Nacional de Unidades de Conservação |
SPU | Secretaria de Patrimônio da União |
Sudam | Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia |
Suframa | Superintendência da Zona Franca de Manaus |
UC | Unidades de Conservação |
UHE | Usina Hidrelétrica |
Usaid | United States Agency for International Development |
ZEE | Zoneamento Ecológico-Econômico |
FIGURAS
(As figuras relacionadas a seguir encontram-se disponíveis no endereço eletrônico http://www.mma.gov.br/zeeamazonia)
LISTA DE MAPAS
(Os mapas relacionados a seguir encontram-se disponíveis no endereço eletrônico http://www.mma.gov.br/zeeamazonia)
Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal
Estratégias de transição para a sustentabilidade
APRESENTAÇÃO
O Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal foi elaborado mediante um amplo processo de discussão nos âmbitos da Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional (CCZEE), composta por 13 ministérios e pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, e do Grupo de Trabalho para a Elaboração do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal, constituído por representantes dos nove estados da região e pelas instituições do Consórcio ZEE Brasil. Durante sua elaboração, foram realizadas as Mesas de Diálogo com representantes de vários segmentos da sociedade civil, notadamente dos setores da agropecuária, indústria, academia, ONGs e movimentos sociais. A proposta foi ainda submetida à consulta pública via internet. Críticas e propostas foram apresentadas e incorporadas.
Entre os desafios enfrentados na construção da proposta do MacroZEE, dois se destacaram: primeiro a definição de uma abordagem e perspectiva convergente no âmbito da CCZEE; segundo, o estabelecimento da relação do Macrozoneamento com os ZEEs estaduais, uma vez que os nove estados da região possuem ou estão concluindo seus respectivos zoneamentos. Trata-se de desafios conceituais, metodológicos e políticos, relacionados com a apreensão da realidade e com a orientação da ação estratégica para encaminhar as soluções dos mais importantes problemas socioambientais e econômicos da Amazônia.
Os desafios foram enfrentados e superados a partir da compreensão consensual de que o modelo vigente de ocupação e uso dos recursos naturais na Amazônia trouxe desenvolvimento, riqueza e bem-estar à população no cômputo geral, o que se refletiu na melhoria dos indicadores sociais, notadamente na última década. Todavia, a expansão da produção e a fixação dos novos contingentes populacionais na região deram-se, muitas vezes, de forma desordenada e insustentável, social e ambientalmente. O desenvolvimento não foi capaz de incluir algumas parcelas da população, em especial aquelas que já tradicionalmente ocupavam a região e que sofreram as consequências da exploração predatória dos recursos naturais, da violência contra os direitos humanos e da inadequação das instituições.
Dessa forma, a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável, voltado para atender as necessidades sociais e as exigências ambientais e econômicas, passa pela mudança da atual matriz produtiva para incluir critérios de sustentabilidade mediante processos de regulação e de instrumentos econômicos, assim como para alavancar transformações radicais das formas de organização da economia e da produção, onde as formas atuais se revelem incompatíveis com o novo modelo.
Outro ponto de convergência é a compreensão de que os problemas da Amazônia afetam cada vez mais a região e o País como um todo, sendo que alguns são de impacto global, como as emissões de dióxido de carbono (CO2) decorrentes das queimadas e do desmatamento, ainda que as taxas de desmatamento tenham sido reduzidas em mais de 60% nos últimos cinco anos. Por outro lado, dinâmicas que têm origem em outras regiões do País e no exterior também exercem influência sobre a Amazônia, tais como a pobreza, que favorece a disponibilidade e a mobilidade de populações rurais; os mercados globais, que provocam oscilações de preços nas commodities; ou, os esforços para a diminuição das pressões sobre a madeira com reflorestamentos fora da Amazônia. Ainda como dinâmica de origem externa, um leve aumento na temperatura global em 1 ou 2 graus Celsius poderá ter um impacto enorme em todo o sistema amazônico, alterando o fluxo hídrico e podendo trazer significativas perdas sociais, econômicas e em termos de biodiversidade. Assim, em termos de mudança do clima, a região amazônica poderá sofrer com impactos muito mais significativos devido às emissões globais originadas da queima de combustíveis fósseis em regiões muito distantes da Amazônia, do que aqueles provocados por ações locais. Nesta perspectiva, o foco do Macrozoneamento são as escalas nacional e regional, e os principais sujeitos da sua implementação são as instituições que formulam políticas e operam nesses espaços.
Muitas das soluções contidas nas estratégias do Macrozoneamento já estão em curso na Amazônia e têm valorizado, crescentemente, a dimensão territorial, agora apreendida e valorizada como crucial para os objetivos pretendidos. Isso porque, frente à diversidade sociocultural, ecológica e econômica da Amazônia, não há como elaborar estratégias válidas para todos os tempos, todos os lugares e todos os problemas. Algumas estratégias são respostas voltadas para as áreas mais antropizadas, sejam urbanas ou rurais. Outras focam as áreas onde predominam os ecossistemas naturais com sua sociobiodiversidade, ainda bastante preservados. E há aquelas voltadas para as frentes de expansão, que são áreas que concentram as principais dinâmicas e vetores da expansão predatória. Em qualquer caso, a meta sempre é o desenvolvimento, com apoio para a recuperação dos passivos e manutenção dos ativos ambientais, sem os quais não há sustentabilidade.
Nesse sentido, o Macrozoneamento dialoga e mantém uma relação de mão dupla com as principais iniciativas que já estão transformando a Amazônia e que contam com forte legitimação política e social, no geral referenciadas no Plano Amazônia Sustentável (PAS), tais como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm), a Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT), as Políticas de Desenvolvimento Regional (PNDR) e de Defesa (PND), o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), o Programa Territórios da Cidadania, os Planos de Desenvolvimento Regionais, a exemplo dos Planos Marajó, BR-163, Xingu e Sudoeste da Amazônia, o Programa de Regularização Fundiária da Amazônia Legal (Terra Legal), a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei no 11.284/2006), o Programa de Manejo Florestal Comunitário e Familiar (Decreto no 6.874/09), o Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA), o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado) e, assim que for lançado, o Plano Estratégico de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas dos Afluentes da Margem Direita do Rio Amazonas.
Há um consenso de que a implementação de todos esses planos e das estratégias do Macrozoneamento somente será plenamente alcançada se for impulsionada por um novo bloco de forças políticas, econômicas e sociais, comprometido com os princípios, critérios e práticas da sustentabilidade. Assume-se aqui o inexorável conflito entre o velho e o novo, sem maniqueísmos, uma vez que prevalece a ideia de uma transição de tempos, espaços e paradigmas, durante a qual os dois modelos convivem em tensão dialética. O Macrozoneamento volta-se para acelerar essa transição e a formação da nova hegemonia, fortalecendo as opções de desenvolvimento que interessam à maioria dos amazônidas e brasileiros de todas as partes.
O Macrozoneamento representa, assim, a síntese de uma construção pactuada no âmbito da CCZZE e de um entendimento bastante avançado com os Estados da Amazônia Legal. Ao mesmo tempo, expressa a vontade da sociedade brasileira de desenvolver a Amazônia sem destruí-la, uma perspectiva claramente manifestada durante o diálogo público e apreendida a partir das visões e dos projetos das principais organizações da sociedade civil que atuam em sua defesa.
Com sua aprovação, o MacroZEE da Amazônia Legal passa a compor a agenda do desenvolvimento regional, indicando para o poder público e para a sociedade as estratégias que reposicionam a Amazônia na vanguarda da transição para a sustentabilidade. A implementação do Macrozoneamento é uma tarefa de todos.
ANTECEDENTES
Na Amazônia Legal, pode-se afirmar que, de modo geral, o processo histórico de ocupação de seu espaço impactou severamente o meio natural, indicando a necessidade de modificação do padrão produtivo, que permita a ampliação e distribuição equitativa dos benefícios econômicos e sociais alcançados, e, ao mesmo tempo, afaste o risco de comprometimento irreversível da capacidade de suporte dos ecossistemas.
No esforço de entender a complexa realidade da Amazônia contemporânea, torna-se necessário trabalhar com uma concepção ampliada de espaço geográfico, de modo a desvendar, por detrás de cada situação configurada na diversidade atual desse vasto espaço regional, a verdadeira natureza do processo histórico em curso.
Nesse contexto, refletir sobre a configuração atual da região, em seus componentes econômico, social e ambiental, é, antes de tudo, rediscutir o processo de ocupação do vasto território amazônico nos últimos anos, processo esse que teve, e ainda tem, sua dinâmica interna apoiada em forte mediação do Estado, por meio do qual o território foi reavaliado continuamente, passando do vazio a ser conquistado a foco de atração de agentes sociais com interesses distintos, que acabaram por transformar direta ou indiretamente a realidade social preexistente, potencializando antigos e gestando novos conflitos.
Criando Terras Indígenas, Unidades de Conservação, abrindo estradas, assentando colonos, distribuindo incentivos fiscais e financeiros, construindo hidrelétricas, atraindo indústrias e acelerando a urbanização, enfim, valorizando diferenciadamente o espaço regional, o papel do Estado está na raiz da questão ambiental na Amazônia, questão essa que se desdobra em tantas quantas foram as Amazônias construídas nos últimos quarenta anos.
Com efeito, a abertura da rodovia Belém-Brasília sinaliza o momento da ruptura do isolamento do norte do País, representando não ainda o momento de integração nacionalista característico do período posterior, mas a afirmação do desenvolvimento econômico exigido por um novo Brasil que crescia cinquenta anos em cinco.
A construção dessa via de penetração levou a uma aceleração da expansão de frentes camponesas seguindo a rodovia em direção ao Araguaia e ao Xingu, começando a sinalizar sensíveis alterações na parte oriental da Amazônia. Essas, contudo, só se interiorizaram com maior intensidade uma década depois, com a abertura da Transamazônica e da Cuiabá-Santarém e com os projetos de colonização oficial planejados ao longo da primeira e atrelados à Política de Integração Nacional (PIN).
Além da abertura dessas grandes vias de penetração, a expansão da fronteira agrícola, promovida por incentivos públicos, colaborou para uma mudança substantiva no perfil do desenvolvimento socioeconômico da região, carregando consigo as contradições do modelo de desenvolvimento já observado em outras partes do Brasil, quais sejam, melhoria das condições gerais de vida e de acesso à saúde, porém com aumento na desigualdade social e suas consequências, inclusive sobre populações que já residiam na região.
Os projetos de colonização do Incra em Rondônia e no Acre constituem um outro momento relevante de intervenção federal direta na ocupação do espaço amazônico, ao tentar promover o assentamento de pequenos produtores expulsos pela modernização do campo no sul do País e que se deslocaram, maciçamente, pelo corredor formado pela rodovia Cuiabá-Porto Velho.
Se a disputa pela terra constitui um dos aspectos mais polêmicos no processo de transfiguração deste recorte espacial, o uso do solo ocupa, certamente, um papel de destaque no decorrer desse processo. A reprodução nessa região de padrões de uso agrícola desenvolvidos em outros segmentos do território nacional, com domínios ecológicos distintos, demonstrou ao longo do tempo ser um dos mais graves erros cometidos.
Com efeito, apontada ainda na década de 60 como o elemento indutor da ocupação produtiva da fronteira amazônica, a atividade pecuária, implantada em grande parte de forma extensiva e com uma perspectiva meramente especulativa da terra, revelou-se um dos fatores responsáveis não só pela devastação de extensas áreas de floresta, como também pela acelerada degradação dos solos e, portanto, pela crescente insustentabilidade ecológica e econômica destes.
Dessa forma, como consequência da progressiva articulação ao espaço extrarregional, intensificou-se a desestruturação das atividades econômicas tradicionais, secularmente adaptadas ao ambiente amazônico, num movimento de contínua mobilidade populacional.
Essas mudanças refletem-se no desencadeamento de um progressivo processo de comprometimento dos recursos naturais locais, basicamente em função do ritmo e da extensão com que se processaram as novas formas de ocupação, associadas a recentes empreendimentos implantados. A pressão dessa ocupação projeta-se além dos espaços diretamente afetados por ela, em um contexto de apropriação especulativa e de reserva futura que transmite um amplo espectro de incerteza quanto ao futuro dessa vasta extensão do território brasileiro.
Colocada atualmente no centro do debate mundial sobre conservação ambiental e mudança do clima, a compreensão da Amazônia Legal exige, assim, uma visão integrada de uma realidade que, historicamente forjada na integração do homem com a natureza, só poderá ser entendida dentro dessa relação.
Tudo isso deixa patente a urgência da revisão do conceito de organização do espaço geográfico e das bases conceituais e metodológicas que a referenciam. Necessitam-se de análises das concepções regionais e locais quanto ao ordenamento do território, com vistas a se adotar princípios comuns que tenham particularmente como fim uma melhor definição de estratégias territoriais e de planejamento a serem adotadas. Nesta perspectiva, há que se revalorizar a percepção horizontal do território com todas as suas contradições e jogos de forças.
No início dos anos 1980, foi instituída a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei no 6.938/1981), com o objetivo de promover a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, e que estabeleceu, entre seus instrumentos, o zoneamento ambiental, regulamentado pelo Decreto no 4.297/2002, que o denominou de Zoneamento Ecológico-Econômico.
Foram desenvolvidos trabalhos na área de diagnósticos integrados e zoneamentos. Estes trabalhos foram conduzidos, inicialmente, pela equipe do RADAMBRASIL, um megaprojeto iniciado nos anos 1970 para mapear sistematicamente o País, incluindo uma avaliação do potencial dos recursos naturais da região amazônica. Desse esforço, foi gerada uma coletânea de mapas temáticos e relatórios, com base em imagens de radar, que conjugada ao documento Termo de Referência para uma Proposta de Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil, produzido pelo IBGE em 1986, podem ser considerados os primeiros esforços de ZEE mais consistentes no País.
Em março de 1990, por meio da Medida Provisória no 150/1990, depois convertida na Lei no 8.028/1990, criou-se a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) como órgão de assistência direta e imediata à Presidência. Entre a Medida Provisória e sua conversão em lei, foi instituído o Decreto no 99.193/1990, dispondo sobre o ZEE. Um grupo de trabalho foi instituído pelo Presidente da República com a responsabilidade de conhecer e analisar os trabalhos de ZEE, objetivando a ordenação do território e propondo, no prazo de 90 dias, as medidas necessárias para agilizar sua execução, com prioridade para a Amazônia Legal.
A Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional foi criada pelo Decreto no 99.540/1990, da qual a SAE tornou-se o braço executivo na coordenação. A CCZEE foi composta, inicialmente, por cinco órgãos federais, tendo como atribuições o planejamento, coordenação, acompanhamento e avaliação da execução dos trabalhos de ZEE, bem como a articulação com os estados, apoiando-os na execução dos seus respectivos ZEEs, com vistas à compatibilização com aqueles executados pelo Governo Federal.
Em 1991, o Governo Federal, por meio da CCZEE e da SAE, criou um Programa de Zoneamento para a Amazônia Legal, justificado pela importância de um conhecimento criterioso e aprofundado de seus espaços intrarregionais. O Programa constatou, então, uma diversidade de métodos, técnicas, conceitos e articulações institucionais entre as iniciativas dos estados na elaboração dos primeiros zoneamentos, em escala genérica de 1:1.000.000, e dos zoneamentos agroecológicos, em escala de maior detalhe.
Em 1995, foi elaborado o Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal, contendo um relatório, um banco de dados e um conjunto de mapas temáticos digitalizados, na escala 1:2.500.000 (base cartográfica, geologia, geomorfologia, vegetação, pedologia, socioeconomia, uso da terra, biodiversidade e antropismo), que poderiam ser cruzados com o banco de dados. Em 1997, atendendo à demanda dos estados amazônicos, foi publicado o Detalhamento da Metodologia para Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal, elaborado por Bertha Becker e Cláudio Egler.
Em 1999, a Medida Provisória no 1.911-8 transferiu a responsabilidade pelo ordenamento do território para o Ministério da Integração Nacional e atribuiu ao Ministério do Meio Ambiente a responsabilidade pelo ZEE, atribuição confirmada posteriormente pela Lei no 10.683/2003.
O ZEE também passou a integrar o PPA 2000-2003, sob a denominação de Programa Zoneamento Ecológico-Econômico (Programa 0512), tendo a então Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável, posteriormente denominada Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, a incumbência de coordenar os projetos de ZEE no País e de gerenciar o Programa no PPA.
O Programa realizou uma ampla articulação interinstitucional que resultou na criação de um consórcio de empresas públicas, regulamentado por meio do Decreto de 28/12/2001. Batizado de Consórcio ZEE Brasil, a parceria disponibiliza a capacidade instalada e a expertise técnica dos órgãos envolvidos, maximizando a utilização dos recursos existentes (financeiros e humanos), para alcançar objetivos comuns. O Consórcio tem o objetivo de executar, sob a coordenação do MMA, o ZEE na escala da União e apoiar Estados, municípios e outros órgãos executores federais.
Após esse esforço, o Poder Executivo federal estabeleceu o Decreto no 4.297/2002, regulamentando o processo de implementação do ZEE em território nacional, como instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente. O Decreto estabeleceu os objetivos, as diretrizes, os produtos e as condições para execução de projetos em conformidade com o documento Diretrizes para o ZEE no Território Nacional, cuja última versão data de 2006. Outro aspecto fundamental para o fortalecimento das ações do Programa foi a reinstalação da Comissão Coordenadora do ZEE e a retomada de uma rotina nos seus processos de intervenção.
Nessa perspectiva, o passo inicial para o Macrozoneamento foi dado a partir do Mapa Integrado dos ZEEs dos Estados da Amazônia Legal, elaborado entre 2004 e 2005 por meio de uma parceria entre o MMA, o Consórcio ZEE Brasil e os estados da região. O reconhecimento das diferenças entre as escalas e situações dos diversos ZEEs nos estados (cujo estágio atual pode ser conhecido no quadro abaixo) demanda um sistema cuja normatização deverá incorporar cada produto, negociado com cada executor, segundo uma finalidade e uma função específica para a gestão do território.
Estado | Situação do ZEE estadual |
Acre | O Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre, naescala de 1:250.000, foi instituído pela Lei Estadual no1.904, de 5/06/2007, sendo implementado, dentre outrosinstrumentos, pelo Programa de Fomento Florestal e Recuperaçãode Áreas Alteradas ou Degradadas e a Política deValorização do Ativo Ambiental Florestal. O Estadoestá realizando, agora, o detalhamento desse zoneamento emseus municípios e procedendo ao etnozoneamento nas TerrasIndígenas localizadas em seu território. |
Amapá | O Estado possui um macrozoneamento ecológico-econômicode todo o território, elaborado na escala de 1:1.000.000,com detalhamento para a área sul (Laranjal do Jari) naescala de 1:250.000. Contudo, a construção da pontesobre o rio Oiapoque, ligando o Amapá à GuianaFrancesa, irá abrir uma nova dinâmica de ocupaçãona fronteira, exigindo medidas de ordenamento e gestãoterritorial, o que demandará a conclusão do ZEE naescala de 1:250.000 em todo o Estado. |
Amazonas | O Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Amazonas,elaborado na escala de 1:1.000.000, foi instituído pela Leiestadual no 3.417, de 31/07/2009. Estáem curso, agora, o detalhamento desse zoneamento nos 62 municípiosdo Estado, divididos em nove sub-regiões, na escala de1:250.000, com previsão de conclusão na sub-regiãodo Purus até o final de 2010. |
Maranhão | O Comitê Executivo do Zoneamento Ecológico-Econômicodo Maranhão, composto pelas Secretarias de Meio Ambiente ede Planejamento do Estado e pela Universidade Estadual do Maranhão(órgão executor central), está elaborando, emconjunto com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa), o Macrozoneamento Ecológico-Econômico doEstado, na escala de 1:1.000.000, cuja conclusão estáprevista para o primeiro semestre de 2011. |
Mato Grosso | O projeto de lei que institui a Política de Planejamentoe Ordenamento Territorial do Estado de Mato Grosso, de modo geral,e o Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado naescala de 1:250.000, em particular, após submetido aquatorze audiências públicas e duas audiênciasdirecionadas aos povos indígenas, sofreu diversasalterações durante o processo de apreciaçãopela Assembleia Legislativa mato-grossense. Um terceirosubstitutivo integral à proposta apresentada pelo PoderExecutivo está em discussão na AssembleiaLegislativa e a previsão é que a votaçãoseja realizada no segundo semestre de 2010. |
Pará | O Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Pará,na escala de 1:1.000.000, foi instituído pela Lei Estadualno 6.745, de 6/05/2005, com posteriordetalhamento em regiões prioritárias, como a áreade influência da BR-163 (cujo zoneamentoecológico-econômico, na escala de 1:250.000, foiinstituído pela Lei Estadual no 7.243, de 9 dejaneiro de 2009, e já foi referendado por Decretopresidencial) e as regiões da Calha Norte e da ZonaLeste (cujos zoneamentos, também elaborados na escala de1:250.000, foram instituídos pela Lei estadual no7.398, de 16/04/2010, e encontram-se em análisepelo MMA). Ademais, está em curso o desenvolvimento dametodologia para a elaboração do zoneamento costeirodo Estado, envolvendo 18 municípios paraenses. |
Rondônia | O Zoneamento Ecológico-Econômico de Rondônia,na escala de 1:250.000, foi instituído pela LeiComplementar no 312, de 6/05/2005, servindohoje de subsídio, dentre outros, para os processos delicenciamento ambiental das propriedade rurais e de regularizaçãofundiária no Estado. |
Roraima | O Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado, naescala de 1:250.000, foi instituído pela Lei Complementarno 143, de 15/01/2009, modificada pela LeiComplementar no 144, de 6 de março de 2009.Contudo, esse zoneamento encontra-se em revisão, com aparticipação do Consórcio ZEE Brasil, parasua adequação às diretrizes metodológicasestabelecidas pelo Ministério do Meio Ambiente. A previsãoé que os ajustes sejam concluídos no primeirosemestre de 2011, para posterior apresentação do ZEEà Comissão Coordenadora do ZoneamentoEcológico-Econômico do Território Nacional. |
Tocantins | Após a elaboração do ZoneamentoAgroecológico de todo o Estado e do ZoneamentoEcológico-Econômico da região norte (Bico doPapagaio), aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente, estáem curso a execução do ZEE para todo o Estado, naescala de 1:250.000, com previsão de conclusão para2011. |
Quadro - Situação dos ZEE da Amazônia Legal.
Fonte: Programa ZEE Brasil.
Ainda assim, faz-se necessária a elaboração de um Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal que proporcione uma visão integrada da realidade socioambiental, econômica e territorial da região, capaz de oferecer um conjunto de estratégias e recomendações voltadas para ampliar a sustentabilidade das políticas, programas e projetos de desenvolvimento em curso na Amazônia, a partir de uma abordagem multiescalar que considere as diversas experiências de planejamento e ordenamento territorial já existentes.
Trata-se, em suma, de executar um Macrozoneamento que possibilite subsidiar estratégias de desenvolvimento regional e nacional, visando a compatibilização entre interesses econômicos e a melhoria da qualidade de vida das populações, com conservação e administração responsáveis dos recursos naturais, a partir do conceito de sustentabilidade.
PARTE I
macroZEE da amazônia legal: abordagens, perspectivas e desafios
1. o PAPEL DO MACROzee FRENTE AOS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE DA AMAZÔNIA
1.1.Contexto
Dotada de inestimável capital natural e riqueza cultural, a Amazônia Brasileira tem se tornado centro de interesses estratégicos que movem a política e a economia no mundo atual, visando a utilização dos recursos hídricos, minerais, fundiários, genéticos, energéticos, a produção de biocombustíveis e alimentos, e agora, também, a prestação de serviços ambientais.
Neste sentido, o País está vigilante na reafirmação incondicional de sua soberania sobre a Amazônia e repudiará, pela prática de atos de desenvolvimento e de defesa, qualquer tentativa de tutela sobre as suas decisões a respeito da preservação, desenvolvimento e defesa da Amazônia. Da mesma forma, não permitirá que organizações ou indivíduos sirvam de instrumentos para interesses estrangeiros - políticos ou econômicos - que queiram enfraquecer a soberania Brasileira. Quem cuida da Amazônia Brasileira, a serviço da humanidade e de si mesmo, é o Brasil.
Consciente da necessidade de um novo paradigma para a região, o País busca construir um modelo de desenvolvimento sustentável, capaz de implementar a utilização do inestimável capital natural e da riqueza cultural da Amazônia Brasileira sem destruí-los, visto que a intensa exploração predatória culminou em grande perda de recursos naturais na região.
Se há séculos se mercantilizam os elementos da estrutura dos ecossistemas, a novidade é a tentativa de mercantilização das funções dos ecossistemas. A crise ambiental, agravada pelas demandas globais relativas à mudança do clima, aponta para a Amazônia como foco duplo de preocupações: ora para sustar as emissões por queimadas e o desflorestamento, ora como região que será intensamente afetada pelos impactos da mudança do clima.
Simultaneamente afirmam-se a hegemonia de um mercado mundial unificado, sob o controle crescente do setor financeiro e a importância econômica e geopolítica da Amazônia. Esta importância é derivada da riqueza localizada no território, de um horizonte que se alarga com a perspectiva da integração sul-americana e de sua posição geográfica estratégica em relação à Europa, aos EUA e também à Ásia, sobretudo à China.
Neste contexto, registram-se igualmente conflitos sociais e ambientais na disputa pela destinação e uso da terra e dos recursos naturais, assim como novas formas e relações de produção são introduzidas na região, com registro de parcerias internacionais acopladas a projetos domésticos de diversas ordens. Na ausência de um padrão de desenvolvimento adequado à especificidade da região, por ela avançam rapidamente atividades predatórias, apesar de se ter em plena vigência, no âmbito global, novos modos de produzir, baseados na ciência e na tecnologia e que buscam otimizar o uso dos recursos naturais.
De modo a reverter este quadro, num esforço conjunto do Governo Federal e dos governos dos nove Estados da Amazônia Legal, foi elaborado o Plano Amazônia Sustentável (PAS), que propõe um novo modo de produzir, baseado na ciência e na tecnologia de ponta, que garanta o uso racional e sustentável dos recursos naturais nas atividades produtivas.
O PAS estabelece que projetos de infraestrutura estruturantes e indutores de grandes alterações na apropriação do espaço, caso não acompanhados de um planejamento estratégico das obras, podem implicar em riscos de ampliação do desflorestamento.
Entende-se que a infraestrutura é necessária ao desenvolvimento de qualquer região ou país, mas na Amazônia ela requer especificidades que devem ser atendidas. A região é extremamente carente em energia e transporte, bem como em insumos básicos tais como indústrias, serviços e ciência, tecnologia e inovação (CT&I). É necessário e possível conceber logística apropriada à região com base na CT&I e tal possibilidade é comprovada pela exploração da Petrobrás em Urucu e pela mineração na Floresta Nacional de Carajás e de Saracá-Taquera, com baixo impacto sobre a floresta.
O uso sustentável da água, a partir do planejamento de seus usos múltiplos e integrados, poderá gerar mais trabalho e riqueza, principalmente mediante a exploração de seu potencial como fonte de energia renovável e modal de transporte. Considerando as potencialidades da região, a biomassa também deve ser uma base essencial para seu desenvolvimento. Se os avanços do século XXI indicam que a competitividade se dará por soluções sustentáveis no uso de recursos, a Amazônia terá a vantagem de utilizar os seus sob novas formas de produção.
Salienta-se que a reconfiguração do planejamento da infraestrutura, do uso do capital natural e da logística, em geral, indispensáveis para um projeto de desenvolvimento regional que concilie as funções estratégicas internas e globais da Amazônia - com indicadores compatíveis com o desenvolvimento das forças produtivas da região e com os parâmetros da sustentabilidade –, pressupõe, necessariamente, a resolução da questão agrária, que deverá ser devidamente equacionada e enfrentada pelo Estado.
Superar definitivamente a carência histórica de desenvolvimento e de integração regional remete à organização da utilização do capital natural amazônico, de modo a gerar riqueza para as suas populações e para o País, assim como ampliar a presença e atividade do Estado Brasileiro na região. Se o Estado Brasileiro deixou de ter o comando exclusivo sobre o povoamento regional, seu papel continua a ser estratégico na consecução dos interesses gerais da Nação, sobretudo no que respeita à destinação das terras, aos fundos públicos e aos fundos específicos de financiamento das atividades econômicas.
Isso se evidencia pelo papel histórico das políticas públicas federais, como modeladoras do perfil do desenvolvimento regional, desde o ciclo da borracha, no início do século XIX, até a geopolítica dos anos 1960 de [integrar para não entregar], passando pelas políticas da [Operação Amazônia], da [colonização pela pata do boi], até a estruturação da Zona Franca de Manaus, entre outros, todas elas capitaneadas pelo Estado Brasileiro. Assim, não é exagero afirmar que o atual modelo de desenvolvimento da Amazônia é, em grande parte, o reflexo dessas políticas. Portanto, isso abre a possibilidade para se pensar que um outro modelo é possível. Mas para que esta transição ocorra é necessário estabelecer os fundamentos do novo modelo e as condições para sua implementação, dentre os quais o MacroZEE e os ZEEs estaduais.
1.2.Fundamentos
Mais que um instrumento para a gestão, o MacroZEE constitui um processo de mudança institucional vale dizer, um processo de implementação de regras que conduzam à organização eficaz da sociedade e de sua base econômica, em conformidade com os princípios e práticas da sustentabilidade. Além do seu caráter técnico, é sobretudo um instrumento político, de negociação entre os diversos interesses envolvidos. Um instrumento não de exclusão de qualquer ator, mas sim de compatibilização entre eles.
E de compatibilização também com a natureza. A revolução científica e tecnológica transformando o conhecimento e a informação em maiores fontes de produtividade, abriu possibilidades de utilização da natureza em novos patamares, transformando o patrimônio amazônico - biodiversidade, águas, florestas, serviços ambientais - em capital. No entanto, perduram ainda na região práticas do século XIX que vêm destruindo o capital natural.
Efetuar a passagem da fronteira agropecuária para a fronteira do capital natural é passo decisivo para beneficiar todos os atores e promover o desenvolvimento regional. O que não significa considerar apenas as florestas. Um novo modelo de desenvolvimento baseado no conhecimento, capaz de sustentar produção crescente sem destruir a natureza é possível para todas as atividades, se forem elas reguladas e renovadas. Um modelo que impulsionará a organização de índios, de pescadores e de populações tradicionais e camponesas, que conhecem a região, mas que necessitam de escala mínima de produção e de acesso ao mercado; um modelo que garantirá aos pequenos agricultores e empresários uma maior estabilidade e crescimento com base em melhor tratamento dos recursos por eles utilizados, no momento em que a eles cabe papel importante.
Enfim, as regras do jogo para uma organização eficaz do território da Amazônia Legal não visam, de modo algum, deixá-la intocada e improdutiva. Pelo contrário, o que se pretende é superar a trajetória histórica que dificulta o seu desenvolvimento, inserindo-a no contexto do século XXI. Para tanto, o Estado é um agente crucial e um dos seus instrumentos é o MacroZEE.
Análises e estudos têm sido crescentemente realizados sobre a Amazônia. Embora focalizando diferentes dimensões e com opiniões diversas, todos eles revelam a preocupação com o futuro dessa região, afetada por intensos conflitos de interesse e pelo desflorestamento crescente, estando hoje novamente no centro do debate mundial por seu papel na mudança do clima.
A complexidade do contexto amazônico torna difícil a elaboração de um projeto nacional para a região que, no entanto, faz-se necessário. A decisão da Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional de conceber e implementar o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal é um passo importante nesse sentido.
Se sempre foi necessário efetuar a análise local considerando o seu entorno e suas relações externas, hoje, com o acelerado processo de globalização baseado na conectividade e na informatização, é impossível entender um local sem situá-lo no contexto de sua articulação às diferentes escalas. Escalas gerando diferentes perspectivas, mas todas elas fundamentais para compreensão da dinâmica contemporânea e para estabelecer diretrizes de ação.
A perspectiva da escala macrorregional da Amazônia Legal é a do olhar da União, olhar que detecta a dinâmica desse extenso território da Nação para nele estabelecer uma diretiva capaz de ordená-lo e de dar-lhe a necessária coesão de um federalismo cooperativo. Não se trata, contudo, de desconsiderar os zoneamentos que estão sendo feitos pelos Estados, pelo contrário, pois que é da interação das diferentes escalas que decorrerá a compreensão básica que irá subsidiar as estratégias para implementar o Macrozoneamento da Amazônia Legal.
Compreensão que envolve os problemas inerentes à Amazônia Legal, bem como aqueles relacionados às suas relações com as forças globais e as políticas nacionais que nela incidem.
O patrimônio natural tem sido o fundamento do crescimento econômico do País, numa relação sociedade-natureza caracterizada como economia de fronteira, em que o crescimento econômico, percebido como linear e infinito, é sustentado pela incorporação contínua de terras e recursos naturais percebidos igualmente como inesgotáveis (BOULDING, 1966). Tal paradigma expressa-se territorialmente pela expansão da fronteira móvel, agropecuária e madeireira.
Os avanços na modernização e nas políticas públicas não romperam o padrão da economia de fronteira, que alcançou o auge com o Programa de Integração Nacional (PIN). Visando a rápida modernização da sociedade e do território e a articulação de um mercado interno, o PIN promoveu a implantação de extensa infraestrutura, incentivos à produção de grãos no cerrado e apoio a projetos minerários, mas, ao mesmo tempo, subsidiou a expansão da fronteira móvel, associada a intensos desmatamentos e conflitos de terra.
A crise ambiental, reconhecida no final do século XX, por alguns considerada como o mais importante obstáculo ao desenvolvimento do sistema capitalista (DALY, 1991), acarretou a valorização da natureza da Amazônia segundo duas lógicas: a lógica social, com o objetivo de preservação da vida, e a lógica econômica, com o objetivo da acumulação, atribuindo à natureza amazônica a condição de capital natural.
Ambas as lógicas convergiram para um projeto conservacionista, que apoiado pela política ambiental estabelecida em contraposição ao desenvolvimento a qualquer custo, trouxe duas grandes novidades: (1) a formação de grandes áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas), com a finalidade de assegurar direitos e meios de vida de populações indígenas e tradicionais, além de garantir a conservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais, que correspondem hoje a 40% do território da Amazônia Legal; e (2) uma maior atenção aos grupos sociais excluídos a partir da implementação de Reservas Extrativistas (Resex) e de projetos piloto, tais como os projetos demonstrativos para produção agrosilvicultural, do Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA), do Programa de Proteção para as Florestas Tropicais do Brasil, encerrado em setembro de 2009.
Se a política ambiental pareceu ter esmaecido o avanço da fronteira móvel na primeira metade da década de 90, coincidentemente com a crise econômica e do Estado no País, esta constatação foi logo posta em cheque por vários fatores, dentre os quais, a globalização econômica e a integração de mercados, em nível mundial, e a necessidade de retomar o crescimento econômico, no plano nacional.
A poderosa demanda por commodities em um mercado global estimula a crescente e acelerada produção, com expansão da fronteira móvel; por sua vez, embora não sendo mais o principal indutor da fronteira, o Estado Brasileiro, para retomar o crescimento econômico, reconhece a necessidade de apoiar a maior produção e a produtividade, por meio da intensificação das redes de circulação, comunicação e energia.
A valorização da base de recursos torna-se, assim, elemento crucial na retomada do crescimento, bem expressa no papel crescente das exportações de soja e carne no balanço de pagamentos. A fronteira móvel ressurge com extraordinário vigor. Se até o início do milênio a fronteira móvel havia se dado principalmente sobre o cerrado, hoje avança também sobre a floresta ombrófila aberta e a floresta ombrófila densa.
Com efeito, a fronteira agropecuária e madeireira localiza-se hoje, principalmente, no sudoeste do Pará e no norte de Mato Grosso, avançando pela Terra do Meio e pela rodovia Cuiabá-Santarém, no Pará, e pelo sul do Estado do Amazonas, a partir de Rondônia e do Acre.
Pecuaristas são atores tradicionais na apropriação da terra e no povoamento Brasileiro. Se até recentemente tinham como objetivo maior a apropriação da terra como reserva de valor, a demanda de carne tornou a produção rentável economicamente. O Brasil tornou-se o maior exportador mundial de carne, gerada em grande parte pela expansão da pecuária na Amazônia nos últimos cinco anos e estimulada pela implantação de diversos frigoríficos nos estados da região. A produção leiteira por produtores familiares acompanhou a expansão da carne e, graças ao apoio do Governo Federal, se consolidou, com fluxos importantes na região.
Madeireiros e proprietários de serrarias são também atores históricos do povoamento territorial no Brasil, via de regra em complementaridade com a expansão da pecuária, pois que derrubam a mata para que se implantem as pastagens. A exploração madeireira intensificou-se com a expansão da fronteira agropecuária na Amazônia, passando a madeira a atender o mercado doméstico, sobretudo São Paulo. Atualmente, tem se ampliado a proporção das exportações para os mercados globais.
Dados recentes do IBGE (REGIC, 2008) mostram que a expansão da exploração madeireira na Amazônia em áreas novas é ainda maior do que a da pecuária; essa expansão ocupa hoje todo o bioma amazônico, com intensidades variadas, à exceção do cerne do coração florestal, no centro do Estado do Amazonas, área ainda bastante despovoada. Tampouco a atividade é expressiva no bioma do Cerrado, nos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, onde as territorialidades da soja e da pecuária são dominantes. O padrão territorial da exploração madeireira é acompanhado pelo da produção de lenha.
Uma grande disparidade, contudo, caracteriza a exploração madeireira. Enquanto a área ocupada pela atividade é imensa, os fluxos da produção são muito pequenos, simples e de pequeno volume. Em outras palavras, ao contrário do que ocorre na pecuária, não há formação de cadeias produtivas, fato que revela o caráter recente da exploração e, provavelmente, o contrabando, como é o caso da madeira extraída no vale do rio Javari, que é enviada para Iquitos, no Peru, e daí transportada pelo rio Amazonas, sendo exportada por Belém ou Macapá como madeira peruana. Vale observar, também, a maior intensidade da exploração da madeira em áreas de fronteira entre estados - Pará/Amapá e Rondônia/Amazonas - sugerindo uma localização mais distante das cidades e da fiscalização.
Por sua vez, as atividades econômicas mais estáveis e ditas modernas modernizaram-se, na verdade, na logística e na produtividade, mas não no sentido da verticalização das cadeias, permanecendo a exportação da produção sem agregação de valor. É o caso da soja, cujo cultivo iniciado no Mato Grosso, na década de 70, introduziu a agricultura capitalizada na Amazônia meridional, com elevada produtividade graças ao forte apoio do Estado. O plantio do algodão herbáceo seguiu aproximadamente o mesmo padrão de localização da soja, no centro do Estado de Mato Grosso, e agora também o do milho. Embora a produtividade dessas lavouras seja elevada, trata-se de um agronegócio, e não de uma agroindústria, pois que na região apenas se produz farelo e óleo bruto, localizando-se o processamento industrial da produção primordialmente nas regiões Sul e Sudeste ou no exterior. A produção da soja na Amazônia está inserida em grandes cadeias e redes nacionais e internacionais, das quais a região participa como segmento, apenas.
Da mesma forma, corporações mineradoras transnacionais implantaram, a partir dos anos 1970, sistemas logísticos modernos que, contudo, mantiveram o padrão primário das economias exportadoras de matéria-prima. Organizaram cadeias produtivas incompletas, na medida em que não havia uma política industrial que atraísse para a região os elos subsequentes à extração mineral, tais como a siderurgia integrada e a metalurgia. A carente infraestrutura de transportes e energia retardou a entrada da indústria de transformação, sobretudo a eletrointensiva, tornando o custo de oportunidade favorável à exportação e à agregação de valor ao minério no exterior, nos mercados de destino da produção.
Uma multiplicidade de fatores condicionou o processo de ocupação do território, bem como os conflitos sociais e o desflorestamento que o caracterizam. Dentre eles, destacam-se:
Enfim, frente a fraca organização da base econômica da Amazônia, desprovida de cadeias produtivas completas e de uma rede de cidades que impulsione a economia, os processos dominantes são os da expansão da fronteira móvel, que destroem o valioso capital natural gerando uma renda para a população regional que, no entanto, não poderá ser auferida continuamente. Um imenso cinturão boi-soja cerca a floresta ombrófila densa, configurando um conflito entre dois modos de uso do território baseados em formas de produção e ecossistemas distintos - um uso atual e um desejado para o futuro (BECKER, 2005):
A contenção do desmatamento torna-se, assim, o foco crucial da problemática regional, com vistas à conservação do patrimônio natural e aliada à geração de riqueza para as populações regionais. Foco que se torna ainda mais importante considerando a necessidade de se reduzir as emissões de CO2 pelas queimadas, questão que remete à Agenda Global da Sustentabilidade. O caso do Fundo Amazônia é um exemplo importante de mecanismos institucionais que devem ser criados e ampliados para o financiamento de ações de combate ao desmatamento.
A concepção sobre desenvolvimento alterou-se rapidamente desde meados do século XX. A concepção baseada em estágios lineares de crescimento, que culminam na industrialização, foi superada frente a duas realidades cruciais: a primeira, referente ao fato de os países periféricos - sobretudo os da América Latina - não terem alcançado patamar elevado de desenvolvimento, apesar de terem se industrializado, e a segunda, referente à questão ambiental, tendo como marco o ano de 1972 quando o Clube de Roma publicou o relatório [Limits to Growth], relatando a vulnerabilidade da vida no planeta frente às práticas predatórias, que alcançaram grande intensidade no século XX.
A ruptura do conceito de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico foi crucial para os países periféricos, porque expôs as consequências sociais e ambientais de sua trajetória baseada na economia de fronteira, em que o crescimento econômico infinito se dá à custa da incorporação contínua e infinita de terras e de recursos naturais.
Passou-se, então, a buscar um conceito de desenvolvimento que incorporasse as dimensões social e ambiental. Em 1987, o desenvolvimento sustentável é proposto no relatório [Nosso Futuro Comum], conhecido como Relatório Bruntland.
Embora não seja um conceito claramente definido até hoje, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - a Rio 92 - consolidou a intenção de alcançar um desenvolvimento economicamente sustentável, socialmente justo e ambientalmente conservado. Documentos-chave foram então produzidos, constituindo referência para orientar as práticas ambientais de uma sociedade global, tais como a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Carta da Terra, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Convenção sobre Mudança do Clima e a Agenda 21.
Se até recentemente a degradação da biodiversidade era o foco das preocupações na agenda global, a esta soma-se, atualmente, a questão da mudança do clima, com a perspectiva de aquecimento global fortemente embasada em pesquisas ratificadas pelo Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), afetando a agenda global da sustentabilidade.
Nesse contexto, as florestas tropicais, e, portanto a Amazônia, passam a ser foco no debate por constituírem grandes estoques de carbono, e também por contribuírem nas emissões de gases de efeito estufa pela derrubada da cobertura vegetal e pelas queimadas. A contenção do desflorestamento torna-se, assim, crucial, e diversos projetos globais têm sido elaborados com essa finalidade.
Como essa questão se relaciona com o MacroZEE pelo menos de três formas:
A melhor compreensão dessas propostas requer uma incursão, ainda que breve, na agenda econômica e política global e sua influência na questão ambiental.
Mercantilização da natureza
Não há um interesse único na floresta. A floresta, e a biodiversidade como um todo, são carregadas de normas de valor relacionadas a diferentes funções que, por sua vez, resultam em diferentes formas de uso. Existem, portanto, diferentes interesses e diferentes projetos para a floresta, correspondentes à diversidade de valores a ela atribuídos e de meios disponíveis em diferentes grupos sociais. Para os povos indígenas e populações tradicionais, o interesse na floresta reside na sua própria reprodução, enquanto para outros a floresta interessa como possibilidade de obter matéria-prima para exportar.
Ciência, tecnologia e inovação estão intimamente relacionadas ao processo de globalização econômica e política, assim como à questão ambiental. A tecnologia dos satélites, permitindo ao homem olhar a Terra a partir do espaço, deu-lhe consciência da unidade do planeta como um bem comum. Colocou-se, então, o desafio ecológico como dupla questão - a sobrevivência humana e a escassez de recursos –, e a Amazônia tornou-se símbolo desse desafio (BECKER, 2005).
Por sua vez, a revolução científico-tecnológica na microeletrônica e na comunicação gerou uma nova forma de produção, baseada na informação e no conhecimento, revalorizando a natureza como fonte de conhecimento e criando condições para utilizá-la em novos patamares tecnológicos, sem destrui-la (BECKER, 2004, 2005, 2009a).
Mas como já assinalado, a natureza - inclusive a Amazônia - passa a ser considerada como recurso escasso e como capital natural. Ao lado da preocupação legítima em evitar a degradação do planeta, os interesses econômicos e políticos afloram, revelados no processo de mercantilização da natureza (POLANYI, 1944; BECKER, 2001, 2009b).
Hoje, dilata-se a esfera da mercadoria e novas mercadorias fictícias tentam ser criadas. Uma novidade histórica ocorre no uso da natureza: se por séculos até agora, os homens utilizam elementos da estrutura dos ecossistemas - resultado de interações de elementos bióticos e abióticos - como matéria-prima, hoje há a tentativa de utilizar também as funções dos ecossistemas a que os homens atribuem valor, ou [todos os benefícios prestados pela natureza], denominados de serviços ambientais ou ecossistêmicos.
Economistas esforçam-se para atribuir valor à natureza, seja pelo significado de uso, seja a cada um dos elementos de que é composta. Mercados reais se organizam para elementos naturais e/ou suas externalidades.
A complexidade de conceitos e valores atribuídos aos serviços ambientais pelos estudiosos da economia ecológica e da economia ambiental induz a buscar maiores esclarecimentos quanto aos serviços em outras disciplinas, sobretudo a sociologia, que vem sustentando a tese dos serviços para a produção, que se distingue dos serviços convencionais pelos mercados que servem: organizações - firmas privadas e entidades governamentais –, e não consumidores finais. Constituem insumos intermediários especializados, que sustentam produção e mercados crescentemente diferenciados.
A inovação institucional nas finanças - desregulação - e a inovação tecnológica na informação levaram à dispersão geográfica das atividades econômicas e dos serviços de produção, mantendo a integralidade do sistema através de redes de conectividade horizontal.
Percebe-se a tentativa de que os serviços ambientais passem a ser mercantilizados como insumos imateriais especializados para a produção; seriam utilizados na produção, mas não se tornariam parte do que é produzido. Basta ver como os serviços ambientais podem contribuir para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Os serviços ambientais constituem, certamente, uma oportunidade para a implementação de um modelo de desenvolvimento inovador na Amazônia. Para tanto estão em curso, no Congresso Nacional, diversos projetos de lei a esse respeito. Por outro lado, alguns municípios e estados já vêm trabalhando o pagamento por serviços ambientais a partir de marcos legais próprios.
A observação dos valores atribuídos aos diferentes tipos de serviços indica a tendência de se atribuir valor pelo não uso, cujos benefícios da conservação são potencialmente importantes globalmente, mas que podem restringir as opções de desenvolvimento no plano local. Esta lógica não interessa ao País.
Pesquisas teóricas e in loco no Estado do Pará demonstram que é necessário pensar políticas de contenção do desmatamento indissociavelmente ligadas a políticas de produção (MATTOS, 2008; COSTA, 2005).
Nesse sentido, a inovação institucional, por meio da mudança do marco legal, é fundamental para viabilizar os serviços ambientais como fator de desenvolvimento. Há um reduzido e incerto mercado voluntário, ou seja, não regulado por instituições oficiais (extra-protocolo de Quioto) que tenta trabalhar com projetos de conservação florestal (conservação do carbono). Porém, estes somente enxergam as florestas pela análise de carbono, compreendendo-a como uma commodity, e partir deste único critério para estabelecer seu preço. Trata-se então de uma valoração não só baixa, como extremamente limitada do capital natural amazônico.
Por outro lado, até o momento o único mercado institucionalizado, isto é reconhecido pelo governo do Brasil e pelas Nações Unidas é o que lida com os projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Em termos florestais somente são elegíveis neste mecanismo atividades de projetos que desenvolvam novos estoques florestais via atividades de reflorestamento ou florestamento em áreas que já foram desmatadas antes de 1989, seja para fins de produção de madeira ou para restauração de áreas degradadas.
Em relação ao MDL, os projetos desenvolvidos para a região amazônica ainda não aproveitam todo o potencial do mecanismo, em especial na realização de projetos ligados à geração de energia renovável. Segundo a Autoridade Nacional designada para o MDL (Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima), cerca de 40% dos projetos brasileiros são de pequena escala e quase 50% destes tratam da produção de energia renovável. Entretanto, os estados da região Norte apresentaram apenas 21 projetos no âmbito do MDL, 5% dos projetos brasileiros, para o primeiro período de creditação. A citada Comissão Interministerial estabelece que os participantes do projeto devem descrever se, e como, a atividade contribuirá para o desenvolvimento sustentável no que diz respeito aos seguintes aspectos: sustentabilidade ambiental local, contribuição para o desenvolvimento das condições de trabalho e geração líquida de empregos, distribuição de renda, capacitação e desenvolvimento tecnológico, integração regional e articulação com outros setores. Portanto, há um grande espaço para que as comunidades e localidades amazônicas se beneficiem do MDL para geração de desenvolvimento sustentável, com projetos, por exemplo, de geração de energia renovável em assentamentos, assim como projetos florestais de recuperação de áreas degradadas.
Inovações institucionais são, portanto, necessárias para valorar os serviços ambientais mais justamente.
Conectividade intensificada: redes e cidades
Mas a incorporação das funções ecossistêmicas pelo processo de globalização econômica não significa deixar de continuar mercantilizando os elementos de suas estruturas; pelo contrário, a mercantilização se dá com maior velocidade e mais ampla escala e com grande impacto na Amazônia.
A partir dos
2.MARCO CONCEITUAL E METODOLÓGICO
1.4.O desafio conceitual: como identificar as Unidades Territoriais da Amazônia Legal?
Para responder a esse desafio, resgatam-se conceitos e formulam-se novos, tendo em vista que nos vinte anos decorridos desde o início da preocupação com o zoneamento ecológico-econômico no Brasil intensas transformações ocorreram no planeta e na própria Amazônia, cujo povoamento é hoje bem mais diversificado e complexo.
Assumem-se como critérios que fundamentam a partição regional: significado do ZEE; o território como protagonista; nova forma de Estado e seu papel no planejamento; reestruturação escalar como base das unidades de análise e o zoneamento da natureza.
Decorridos vinte anos é necessário atualizar a compreensão de sua finalidade. Passo importante nessa direção foi dado com o documento de 1997mas, hoje, é possível aprofundar o seu entendimento. Resgata-se, assim, a contribuição de 1997 quanto à finalidade do ZEE como instrumento de gestão do território e acrescenta-se o seu significado político mais profundo como mudança institucional, condição do desenvolvimento regional.
No Programa Zoneamento Ecológico-Econômico o governo Brasileiro definia o ZEE como um instrumento para racionalizar a ocupação do espaço, um subsídio à estratégia e ações pelo desenvolvimento, cuja finalidade seria dotar o governo de bases técnicas para espacialização das políticas públicas visando o ordenamento do território. Por sua vez, o ordenamento do território foi entendido tal como definido na Carta Europeia de Ordenação do Território (1983), como: [expressão espacial das políticas econômica, social, cultural e ecológica], definição, aliás, pouco clara.
O documento Detalhamento da Metodologia para Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal (1997) contribuiu para superar a forte concepção biofísica do ZEE que dominava na ocasião, entendendo-o como um instrumento inovador no novo contexto histórico marcado pela revolução científico-tecnológica que, gerando um novo modo de produzir baseado no conhecimento e na informação, atribui novo significado à natureza como capital natural de realização atual ou futura. O ZEE foi, então, definido como um instrumento político e técnico do planejamento, cuja finalidade última é otimizar o uso do território e as políticas públicas. Esta otimização é alcançada pelas vantagens que ele oferece, tais como:
O ZEE, portanto, não é um fim em si, nem mera divisão física, e tampouco visa criar zonas homogêneas e estáticas cristalizadas em mapas. Trata-se sim, de um instrumento técnico e político do planejamento da diversidade, segundo critérios de sustentabilidade, de mediação de conflitos, e de temporalidade, que lhe atribuam o caráter de processo dinâmico, a ser periodicamente revisto e atualizado, capaz de agilizar a passagem para um novo padrão de desenvolvimento.
Ao analisar as instituições como cerne do desenvolvimento, Douglass North desvela o poder dessas (1990). Afirma que a verdadeira causa do desenvolvimento é a organização eficiente, implicando em arranjos institucionais e direitos de propriedade que incentivam o esforço dos indivíduos em atividades que aproximam as taxas privadas e as taxas sociais de retorno. Não são capacidades inovadoras, democratização do ensino, acumulação de riquezas, que causam o desenvolvimento - esses processos são o desenvolvimento. O desenvolvimento é o resultado histórico de certas formas de coordenação. Em outras palavras, o desenvolvimento reside nas instituições, nas formas de coordenar ações individuais e grupos.
Instituições são as regras do jogo - não só escritas, mas também valores e representações - que reduzem a incerteza; as organizações delas geradas são os jogadores. A mudança institucional pode ser realizada pelas organizações mediante escolhas técnicas apoiadas em conceitos científicos, e dependem de vasta rede social que envolve a aprendizagem de um conjunto de atores e um processo permanente de adaptação. Mas, mecanismos como a acomodação, após ter sido alcançada uma solução, e sobretudo a trajetória dependente de condições históricas originais, constituem poderosos fatores de inércia contra a mudança institucional e são centrais no comportamento das organizações.
A cada passo histórico há escolhas políticas e econômicas, alternativas reais, nem sempre assumidas devido àqueles fatores de inércia.
Desnecessário explicitar como a análise de North se aplica à Amazônia, e atribui ao ZEE o significado de mudança institucional. Mudança institucional que exige reconhecer a viabilidade de várias formas de acesso aos recursos naturais, entendendo o arcabouço legal como suporte a esse reconhecimento.
O processo de reestruturação geoeconômica global iniciado no último quartel do século XX trouxe à tona novos atores sociais, rompendo com a concepção dominante do Estado e do território nacional como únicas fontes de poder e única representação do político. Emergem, assim, múltiplos atores com respectivos territórios que não só o nacional (BECKER, 1988).
O planejamento territorial abandona suas bases centralizadas e funcionais, aproximando-se dos espaços vividos. A democracia consolida-se. Enfim, o território torna-se protagonista, e não mais objeto instrumentalizado (BECKER, 2009). Na Amazônia, a intensificação da ação antrópica nas últimas décadas resultou também em forte diversificação de atores e de usos da terra. Níveis de complexidade social e técnica diversos requalificam o espaço regional.
O conceito de zona associado ao conceito geográfico de zonalidade - uma certa uniformidade ecológica em função da distribuição de energia na superfície da Terra - permanece válido. Mas ele não pode mais ser aplicado às áreas onde a intensidade do povoamento, ou seja, onde a dimensão econômica do ZEE impõe-se sobre a dimensão ecológica.
A intensificação da conectividade global trouxe um novo elemento na formação do território: as redes e o movimento. Redes são um modo de organização e rede geográfica pode ser definida como um conjunto de ligações geográficas interconectadas entre si por um certo número de ligações.
Se as redes sempre existiram, no passado eram elementos constituintes do território, mas hoje são elementos constituidores do território. O território, portanto, não está relacionado apenas à fixidez e à estabilidade, mas incorpora como um de seus constituidores fundamentais, o movimento, diferentes formas de mobilidade. Em outras palavras, ele não é apenas um território-zona, mas, também, um território-rede (HAESBAERT, 2005).
Trata-se de um processo de organização em rede, emergente com os avanços tecnológicos nos anos 1990, que permite aos agentes econômicos no campo articularem-se e estruturarem-se para atender tanto ao mercado interno, quanto, principalmente, ao mercado externo, fazendo com que ocorra a ampliação da ação dos capitais privados bem como a margem de manobra para suas políticas territoriais.
A densidade de diferentes tipos de redes e fluxos - naturais, técnicas, de comunicação, econômicas e políticas - pode esboçar uma tipologia de territórios.
Menos analisadas, mas de crucial importância, são as redes políticas, instâncias e procedimentos de coordenação horizontal e descentralizada. Têm um papel estratégico nas relações de poder, gerando simultaneamente ordem/desordem, conexão/exclusão, integração/partição. São as redes políticas territorializadas que conectam e solidarizam poderes locais entre si, redesenhando contornos e forjando novas territorialidades.
Territorialidade é um conceito que remete ao de território, entendido este como o espaço da prática (BECKER, 1988). Por um lado é um produto da prática espacial: inclui a apropriação de um espaço, implica a noção de limite - um componente de qualquer prática –, manifestando a intenção de poder sobre uma porção precisa do espaço. Por outro lado, é também um produto usado, vivido pelos atores, utilizado como meio para sua prática (RAFFESTIN, 1980).
E a territorialidade humana é uma relação com o espaço que tenta afetar, influenciar ou controlar ações por meio do reforço do controle sobre uma área geográfica específica, o território (SACK, 1986). É a face vivida do poder, e se manifesta em todas as escalas. Ela se fundamenta na identidade e pode repousar na presença de um estoque cultural de base territorial que resiste à reapropriação do espaço.
A malha territorial vivida é, assim, uma manifestação das relações de poder, da oposição do local ao universal, dos conflitos entre a malha concreta e a malha abstrata, concebida e imposta pelos poderes hegemônicos.
Novas territorialidades na Amazônia têm importância crucial no sentido de fazer ouvir reivindicações de atores até há pouco sem voz alguma na cena política, com impacto positivo rumo à mudança institucional. Têm surgido com maior nitidez nos interstícios das esferas do poder das instituições estatais.
O protagonismo do território e da territorialidade é reforçado pelo novo regionalismo, que reconhece duas tendências na formação contemporânea das regiões:
A formação de regiões pelo processo de baixo para cima associa-se à territorialidade.
Não existem na Amazônia cidades-região globais, mas já se verifica a formação de algumas regiões urbanas pela presença de múltiplos centros próximos entre si, bem como grupamentos de dois ou três núcleos ou cidades, conformando um incipiente policentrismo e constituindo territorialidades.
Se aos zoneamentos estaduais cabem as análises e definições mais diretas quanto ao uso da terra e à questão fundiária, isto é, os estudos mais detalhados voltados às formas de povoamento do território-zona, ao Macrozoneamento cabe definir estratégias mais abrangentes de estruturação do território amazônico que envolvam, necessariamente, a logística de transporte e a rede de cidades, isto é, o território-rede, e as territorialidades, que podem ou não coincidir com o território-rede.
O entendimento conjugado desses ângulos de observação é que deverá demarcar a diferenciação regional ao privilegiar não só a contiguidade geográfica e as divisões político-administrativas, como, principalmente, os diversos fluxos (materiais e imateriais) e as redes políticas que se constituem, refletindo os diversos interesses internos e externos aí presentes.
Com grande força discriminatória na diferenciação regional proposta, será considerada, também, a delimitação de terras públicas enquanto marco territorial de referência, na definição das grandes extensões florestais pouco ocupadas e que devem, portanto, ser o foco das políticas privilegiadoras do uso da [floresta em pé].
Assim, ao contrário do planejamento territorial feito no passado recente, quando o espaço amazônico era quase que unicamente abordado a partir de suas articulações externas (Eixos de Integração do Avança Brasil - PPA 2000-2003), o Macrozoneamento ora proposto pretende avançar, com igual ênfase, na direção das articulações internas, fundamentais para a regulação atual das atividades econômicas no território amazônico, que, ao contrário do passado, possui fortes interesses econômicos estruturados na própria região (FIGUEIREDO, 2009).
A fluidez e a dinâmica atualmente existentes no uso do território amazônico colocam, como questão crucial, em termos conceituais e metodológicos, o desafio de se lidar, simultaneamente, com vários ângulos, atores e escalas de análise.
O Brasil tem sido um caso exemplar do planejamento centralizado no mundo entre o pós-guerra e 1970. Mas no último quartel do século, dadas a privatização de ativos nacionais, a expansão das corporações em rede, os movimentos sociais e as crises financeira e fiscal do Estado, o planejamento centralizado entra em crise; o termo gestão emerge, expressando a parceria público-privada, e políticas de descentralização são formuladas, como bem ocorreu no Brasil pós-1980 (BECKER, 1988).
Nesse sentido, seja qual for o grau de predomínio da esfera federal sobre a estadual e a municipal, na federação Brasileira, o que importa hoje é a capacidade de articulação da ação pública, seja na elaboração legislativa, seja em sua formulação política e/ou aplicação prática.
Tornam-se incertos os poderes do Estado e do planejamento. Esta questão é crucial para o Brasil e para a Amazônia. Quem governa hoje o território? Mesmo tendo consciência de que o Brasil e muito menos a Amazônia não são a Europa, é lícito conhecer o que se passa naquele continente onde ocorreu grande realinhamento da governança urbana e da política espacial.
Na Europa Ocidental, o projeto de pós-guerra de equalização do território nacional e redistribuição socioespacial é superado por estratégias qualitativamente novas nas escalas nacionais, regionais e locais, visando colocar as maiores economias urbanas em posição vantajosa nos circuitos globais e supranacionais do capital (BRENNER, 2004).
Tal processo revela que o território nacional não é mais a escala privilegiada de ação, favorecendo, no debate contemporâneo sobre a globalização, o argumento da maioria quanto à previsão do colapso ou o declínio do Estado, e o deslocamento do poder para a escala supranacional. Alguns poucos contra-argumentam demonstrando que os Estados nacionais estão sendo qualitativamente transformados, e não destruídos nas condições geoeconômicas contemporâneas. Em resposta, as diversas arenas de poder do Estado nacional, bem como as políticas e as lutas sociais, estão sendo redefinidas. E a governança urbana, entendida como a regulação da urbanização, torna-se o mecanismo político crucial por meio do qual vem ocorrendo a profunda transformação institucional e geográfica na transformação do Estado Nação de 1970.
Os acontecimentos recentes associados à crise financeira global confirmam o argumento da permanência do Estado como ator fundamental.
Significa que foi desestabilizada a primazia da escala nacional com novas hierarquias escalares da organização das instituições estatais e das atividades regulatórias do Estado. Mas as instituições do Estado nacional continuam a ter papel chave na formação das políticas urbanas, ainda que a primazia da escala nacional na vida político-econômica seja descentralizada.
As funções do poder do Estado estão, assim, passando por um processo de transformação qualitativa por meio de seu reescalonamento. Em contraste com as previsões de desnacionalização e da redução da capacidade regulatória do Estado, permanecem as instituições nacionais espacialmente reconfiguradas, como as mais importantes animadoras e mediadoras da reestruturação político-econômica em todas as escalas geográficas.
A noção de reescalonamento do Estado caracteriza, assim, a forma transformada do Estado no capitalismo contemporâneo. Se no século XX as estratégias políticas tinham como foco estabelecer uma hierarquia centralizada do poder, hoje elas estão superadas, na medida em que uma configuração do estatismo mais policêntrica, multiescalar e não isomórfica está sendo criada (BRENNER, 2004).
É o que se verifica na política regional europeia que, visando mais crescimento e emprego para todas as regiões e cidades, estabelece como escalas de ação as (1) ZIEM - Zona de integração econômica mundial: subespaços interregionais e transnacionais; (2) FUA - Área funcional urbana: núcleo urbano e área do entorno integrada pelo trabalho; (3) MEGA - Área de crescimento sub-metropolitano, que envolve 76 FUAS; (4) PUSH - Área de potencial urbano com horizonte estratégico; e (5) PIA - Área potencial de integração policêntrica, que envolve a PUSH (CARRIÈRE, 2006).
Para evitar os riscos de fragmentação territorial, a política regional destina quase 82% dos recursos para a política de coesão, assim garantindo a complementaridade e competitividade das regiões.
A transformação do Estado no Brasil foi considerável. De uma atuação que concebeu, financiou e executou a integração nacional entre 1965-1985, com grande impacto na Amazônia, o Estado tenta atuar por meio de agências reguladoras, permanecendo com ação direta, sobretudo, no setor energético, da infraestrutura pesada, no financiamento da produção e nas políticas municipais de educação e saúde. Regularização fundiária e revisão do Código Florestal são novas atuações específicas para a Amazônia.
Depreende-se que a construção de um sistema de cidades na Amazônia se impõe. Não apenas pela urgência em oferecer os serviços básicos à população e dinamizar as economias locais, mas também para fortalecer e qualificar as tarefas regulatórias do Estado por meio do seu reescalonamento.
Um sistema de cidades com distintas especializações econômico-funcionais competitivas e enraizadas na diversidade natural e histórica da região. Nas áreas alteradas, é necessário o planejamento coordenado dos centros estratégicos nos segmentos que comandam o setor mineral e agroindustrial e energético, cujas logísticas interferem nas áreas florestais. Nestas, é urgente equipar centros para articular o [complexo urbano-industrial com o complexo verde] mediante a valorização econômica da floresta em pé e a valoração dos serviços ambientais (BECKER, 2008), e a criação de complexos para verticalizar cadeias como as da madeira, carne, couro, frutos, dentre outras, bem como aqueles que possam favorecer a integração com os países vizinhos. Neste contexto, a produção local de alimentos para abastecimento de centros populacionais deverá ser contemplada.
O conceito de policentrismo, explicitando uma determinação política de intervenção no sistema urbano numa dada região, visando regular a difusão de atividades em áreas de menor dinamismo ou de características específicas de ordem natural e/ou legal, é bastante útil para a Amazônia (CONTI, 2007, apud FIGUEIREDO, 2009).
A erosão do keynesianismo, em outras palavras, a erosão do papel central do Estado nacional, não gerou um processo de descentralização em que uma só escala esteja substituindo a escala nacional como nível mais importante de coordenação político-econômica. Pelo contrário, verifica-se amplo realinhamento das hierarquias e das interações escalares, por meio das instituições do Estado em todas as escalas - supranacional, nacional, regional e urbana.
Tais análises mostram a necessidade de repensar e reconceituar escala.
Múltiplos atores, novo modo de atuação do Estado e múltiplos territórios, colocam em pauta a questão da escala de análise.
A Nova Economia Política da Escala (SMITH, 2004; JESSOP, 2002) constitui uma das maiores inovações da pesquisa contemporânea para análise do território (BECKER, 2009).
Termos como local, urbano, regional, nacional são usados como estáticos, perenes, congelados no espaço geográfico e para demarcar [ilhas] de relações sociais, escalas específicas para atividades sociais, mascarando a profunda imbricação mútua de todas as escalas.
Reconhece-se o escalonamento de processos sociais; as escalas geográficas não são dadas, nem fixas. São socialmente produzidas e, portanto, periodicamente modificadas na e por meio da interação social (SWYNGEDOUW, 1997). As características e a dinâmica de qualquer escala geográfica só podem ser entendidas em termos de seus laços com outras escalas situadas dentro da ordem escalar em que ela está inserida.
Ademais, a paisagem institucional do capitalismo não se caracteriza por uma única englobante pirâmide escalar em que todos os processos sociais e formas institucionais estão inseridos. Diferentes tipos de processos sociais têm geografias muito diferentes e nem todas cabem no mesmo conjunto de hierarquias embutidas. Cada processo social ou forma institucional pode estar associado a um padrão diferente de organização escalar, configurando um mosaico escalar.
As grandes formas institucionais do capitalismo moderno - firmas e Estados - contudo, produzem estruturas da organização aninhadas hierarquicamente (HARVEY, 1982). Estas emolduram a vida social em, [escalas fixas], provisoriamente solidificadas correspondentes a hierarquias geográficas temporariamente estabilizadas, que prevalecem sobre outras. O reescalonamento ocorre, assim, por meio da interação de arranjos herdados com outros emergentes apoiados em novas estratégias, em meio a intensas pressões para reestruturar uma dada ordem decorrente das resistências da antiga ordem dominante.
A Nova Economia Política da Escala contrasta com a [velha], que envolvia debates epistemológicos quanto à unidade de análise para a investigação sócio-científica desde a institucionalização dessas ciências no fim do século XIX. Só recentemente os cientistas sociais reconheceram explicitamente o caráter historicamente maleável e politicamente contestado da organização escalar.
Cabe, assim, entender como, porque e quando o processo social ou a forma institucional se subdividiu em uma hierarquia vertical de escalas separadas, mas intervenientes. E a partir daí, considerar as unidades espaciais relevantes.
Entendida como processo, a análise da escala demanda metodologias que enfatizem relações e transformações multiescalares, e não apenas uma só escala.
Reconhecendo a retomada da potencialidade social e política do espaço no último quartel do século XX, conceituamos escala como uma arena política, definida por níveis significativos de territorialidade, expressão de uma prática espacial coletiva fundamentada na convergência de interesses, ainda que conflitiva e momentânea (BECKER, 1988). Constituídas por redes políticas, estas territorialidades, criam novas escalas geográficas, novas escalas territoriais de poder, enfim, novas arenas políticas na Amazônia.
Processou-se, na região, sem dúvida, um reescalonamento das instituições estatais, como também processos sociais induzidos pelo Estado ou por ele apoiados, e processos espontâneos, tanto de empresários como de movimentos sociais, gerando novas territorialidades que compõem escalas de diferentes dimensões. O papel desempenhado pelas associações municipais é crucial nessa ruptura de escalas estabelecidas, pela insinuação de escalas insurgentes entre as escalas local e regional. Trata-se de redes associativas e federadas em sua própria natureza, e é o princípio federativo que tende a fortalecer alianças de um pacto local projetado regionalmente (LIMA, 2004). Da mesma forma, grupos indígenas e seringueiros sempre habitaram suas terras, mas só recentemente passaram a ter seus territórios demarcados e se organizaram, manifestando suas territorialidades.
A escala macrorregional foi, assim, rompida, e subdividida em várias outras. Tal rompimento é bem simbolizado na extinção e retorno da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), ao lado do fortalecimento do ente municipal, mas não se reduz à essa simplicidade.
Mais uma vez, as cidades despontam cruciais como centros de articulação entre as escalas e as redes.
Ecossistemas são complexos, constituindo-se de estrutura e funções interdependentes. A estrutura refere-se aos elementos bióticos e abióticos, compondo estoques de capital natural, e as funções são resultantes das interações entre os elementos estruturais. Enquanto os ZEEs dos estados amazônicos consideram os elementos estruturais, na escala macrorregional considera-se, sobretudo, a cobertura vegetal como indicador síntese dos ecossistemas. Ademais, a cobertura vegetal expressa, também, a potencialidade dos serviços ambientais.
Mapas do IBGE representando a cobertura vegetal original da Amazônia e sua cobertura em 2006 trazem importantes revelações. Até o momento, a floresta ombrófila densa e seus grandes vales - o coração florestal da Amazônia - permanecem relativamente preservados (BECKER, 2009a) constituindo um fixo escalar de grande magnitude.
Tal revelação implica em outras de grande significado político. Dentre elas, o reconhecimento da grande extensão do desmatamento regional e da urgência em garantir a permanência dessa imensa e preciosa extensão florestal; por sua vez, tal revelação indica onde ainda cabe a política de preservação, contra-argumentando com a ideologia preservacionista indiscriminada que propõe a região, toda ela, como um fixo escalar em nome de um desenvolvimento sustentável que não tem ocorrido.
O coração florestal dispõe-se, grosso modo, como uma diagonal que parte da porção ocidental do Estado do Acre, passando pelo sul do Estado do Amazonas até a costa do Estado do Amapá e parte do Estado do Pará, estendendo-se para o norte e oeste pela Amazônia sul-americana. Por características que lhe conferem unidade e diferenciação baseadas na extensão florestal, na circulação fluvial e na baixa densidade da população - que, à exceção da calha do rio Amazonas, concentra-se em cidades estagnadas –, o coração florestal constitui um fixo escalar, isto é, uma escala hierárquica temporariamente solidificada.
A natureza criou seu próprio zoneamento, profundamente desrespeitado pela ação humana. Trata-se da sucessão, do norte para o sul, das zonas de floresta ombrófila densa, floresta ombrófila aberta e cerrado. À exceção do nordeste do Pará, o povoamento a partir de meados do século XX envolve, sobretudo, as áreas de tensão: o cerrado e a maior parte da floresta ombrófila aberta, onde hoje a fronteira agropecuária vem dizimando seus remanescentes.
Torna-se, assim, clara a distinção básica da região, em geral pouco reconhecida, mas essencial ao ZEE: a Amazônia com Mata (correspondente, grosso modo, à floresta ombrófila densa) e a Amazônia sem Mata. Seja porque nunca teve floresta, ou porque ela tenha sido em boa parte destruída, a Amazônia sem Mata constitui hoje grande parte da Amazônia Legal. Tal distinção corresponde a um macrozoneamento primário que embasa a partição da região em Unidades Territoriais mais detalhadas, indicativas de processos diferenciados.
Coloca-se, assim, a questão de como garantir a permanência do fixo escalar constituído pelo coração florestal, componente maior da Amazônia com Mata, ao mesmo tempo em que se fortalecem os mecanismos de preservação e recuperação das demais formações vegetacionais, todas elas abrigando uma das mais ricas biodiversidades do mundo.
Sua presença influi decisivamente na partição regional. Se é do conhecimento geral que as estradas induzem o desmatamento, o que não é tão conhecido é o papel da natureza no traçado das estradas, e, portanto, no povoamento. Os grandes eixos rodoviários implantados na região seguiram as linhas de menor resistência através do cerrado e da floresta ombrófila aberta, e a Transamazônica está localizada no contato da floresta ombrófila aberta com a floresta ombrófila densa, como se a própria natureza tivesse tido, até agora, o poder de barrar a expansão do povoamento (BECKER, 2009a). Assim, pouco povoada e transformada, a floresta ombrófila densa mantém-se em sua maior parte como território-zona.
O que não significa mantê-la à margem do desenvolvimento. A defesa desse fixo escalar decorrerá de sua utilização inovadora e não do seu isolamento produtivo. E deverá ter impacto em seu entorno, barrando a expansão do povoamento predatório, pois que é nele que se poderá iniciar um modelo inovador de desenvolvimento, utilizando o capital natural com base em CT&I da fronteira da ciência.
As grandes zonas de floresta ombrófila aberta e de cerrado, já muito alteradas, requerem observar o grau de compatibilidade entre as atividades que vêm sendo desenvolvidas e as condições ambientais das terras que ocupam, permitindo sugerir sua consolidação, recuperação e/ou preservação.
A identificação das Unidades Territoriais indicativas do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal baseou-se nos conceitos expostos e nas informações e procedimentos operacionais que se seguem.
A Questão da Escala
Cumpre tornar claro que MacroZEE exige uma metodologia diferente daquela utilizada nos zoneamentos dos estados amazônicos, em decorrência de questões vinculadas às escalas diferenciadas de ação, tal como exposto a seguir:
Indicadores
Foram selecionados indicadores disponíveis e passíveis de rápida elaboração, sobretudo os já representados em mapa, compondo camadas de processo de complexidade, sobre os temas:
Dados disponibilizados e consultados
Inúmeros outros dados foram também utilizados para fundamentar a caracterização e as estratégias para as Unidades Territoriais estabelecidas, tais como:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ministério dos Transportes
Ministério de Minas e Energia
Ministério do Meio Ambiente
Ministério do Desenvolvimento Agrário
Redes Sociopolíticas
Outras pesquisas
O exame dos indicadores e dos demais dados consultados indicou a análise das informações em conjuntos, tendo sido produzidos os seguintes mapas temáticos para subsídio ao MacroZEE da Amazônia Legal:
1. Terras públicas na Vegetação Natural
2. Incorporação de Terras
3. Fluxos da Produção Agropecuária
4. Tipologia de Uso da Terra
5. Logística do Território
6. Densidade Demográfica
7. Institucionalidade Municipal e Organização da Sociedade
O desafio metodológico enfrentado foi o de pretender conjugar as características de contiguidade do território e os diversos fluxos (materiais e imateriais) que o transformam e lhe imprimem descontinuidades. Cumpre assinalar que o traçado não implica em limites rígidos, em limites de municípios e nem em limites de mesorregiões. A delimitação fluida das Unidades Territoriais se fez a partir da justaposição dos mapas temáticos elencados, com base em referências espaciais estratégicas, sejam as derivadas da ação humana, sejam os elementos naturais.
Ressalte-se que a análise das principais ações governamentais para a Amazônia - Plano Amazônia Sustentável, Programa de Aceleração do Crescimento, Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana, Políticas de Regularização Fundiária, Plano Nacional sobre Mudança do Clima - foi também importante para balizar a dinâmica contemporânea.
Como resultado, inicialmente distinguiram-se na Amazônia Legal os (1) território-rede, correspondentes às áreas de povoamento consolidado, caracterizado por dominância de redes e os (2) território-zona, com predominância de ecossistemas ainda preservados. O território-rede é espacialmente descontínuo, com extrema mobilidade, com fluxos e/ou conexões suscetíveis de sobreposições. No território-zona os limites tendem a ser demarcados e os grupos encontram-se significativamente enraizados.
A realidade, contudo, mostrou-se mais complexa. Além destas categorias, dentre as Unidades Territoriais há também a categoria território-fronteira, que se constitui de franjas de penetração com diferentes estágios de ocupação da terra, na direção dos ecossistemas circundantes e nos limites dos territórios-rede. Os territórios-fronteira apresentam diferentes estágios de apropriação da terra, de povoamento e de organização. Avançam por redes fluviais e/ou próximas às estradas e por não estarem plenamente integradas constituem-se em espaços onde é possível gerar inovações.
Como resultado foram identificadas no MacroZEE da Amazônia Legal, dez Unidades Territoriais, sendo seis territórios-rede, dois territórios-fronteira e dois territórios-zona (Anexo II):
Territórios-rede
Territórios-fronteira
Territórios-zona
1.5.A construção da proposta do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal
A construção do marco conceitual e metodológico adotado na elaboração do MacroZEE da Amazônia se valeu da experiência acumulada nos processos de zoneamento desenvolvidos no País, notadamente das reflexões realizadas no âmbito da CCZEE, do Consórcio ZEE Brasil e do diálogo com estados, municípios e agentes da sociedade civil, a partir da realização de diversas Mesas de Diálogo, dos trabalhos realizados no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e da expertise científica da Profa. Dra. Bertha Becker.
O arranjo institucional para a construção da proposta do MacroZEE da Amazônia Legal considerou os diferentes atores que atuam na região. Estes contribuíram para a elaboração da presente proposta, tanto no fornecimento de dados, estudos e diagnósticos, quanto na participação efetiva em mesas de diálogo, oficinas e outros encontros destinados à sua elaboração, apresentando demandas e expectativas e discutindo as Unidades Territoriais e estratégias propostas para o território.
Para além das instituições já envolvidas nos processos de Zoneamento Ecológico-Econômico - conforme definido no Decreto de 28/12/2001 - a CCZEE e o Consórcio ZEE Brasil –, este processo foi responsável por uma nova institucionalidade, fundamental para ampliar a arena de colaboração e o comprometimento dos estados federados. Assim, foi instituído pela Portaria no 414, de 20/11/2009, do Ministério do Meio Ambiente, Grupo de Trabalho para participar da elaboração do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal, composto pelas instituições do Consórcio ZEE Brasil e por representantes de cada um dos nove estados da região. A Portaria formalizou a constituição do grupo que, no entanto, já vinha trabalhando desde 2004, tendo sido sua constituição formal uma deliberação da CCZEE.
O processo contou ainda com a participação de inúmeras instituições da sociedade civil, do setor produtivo, da academia e de organizações não governamentais, que atendendo ao chamado das mesas de diálogo muito contribuíram para o adensamento da presente proposta do MacroZEE da Amazônia Legal (Figura 1).
O processo de construção da proposta do MacroZEE da Amazônia Legal contou com cinco grandes etapas: (1) marco teórico-conceitual; (2) levantamento e integração de dados; (3) consultas setoriais; (4) refinamento das Unidades Territoriais e suas respectivas estratégias; e (5) consulta pública.
Inicialmente foi identificada como essencial a elaboração de um marco teórico-conceitual que orientasse a construção da proposta e a definição das Unidades Territoriais e das estratégias. O desafio foi enfrentado com a colaboração da Profa. Dra. Bertha Becker, geógrafa e renomada pesquisadora, com mais de 30 anos de estudos teóricos e empíricos sobre a Amazônia e diversos livros publicados. A proposta teórico-conceitual e metodológica apresentada foi debatida e aprovada pela CCZEE em agosto de 2009, tendo sido adotada como documento de referência para o prosseguimento dos trabalhos.
O principal objetivo da fase de levantamento e integração de dados foi coletar e reunir informações sobre a Amazônia Legal dos órgãos que compõem a CCZEE e o Consórcio ZEE Brasil; assim, foram feitos contatos multi e bilaterais, com o objetivo de recolher dados e informações que pudessem subsidiar o processo de desenho das Unidades Territoriais, conforme estabelecido no marco teórico-conceitual e metodológico. Dentre as instituições do Consórcio ZEE Brasil, destaca-se nesta fase a atuação do IBGE, que se responsabilizou pela reunião das informações e pela produção dos mapas temáticos, subsídios fundamentais na elaboração da proposta das Unidades Territoriais. O produto final desta fase foi a versão zero do MacroZEE da Amazônia Legal, apresentado à CCZEE e ao GT para o MacroZEE da Amazônia Legal.
As mesas de diálogo constituíram-se nos fóruns de consulta setoriais, com a apresentação da versão zero do projeto para uma multiplicidade de segmentos, abrangendo a diversidade de atores cujos modos de vida e de produção influenciam e são influenciados pelas políticas públicas vigentes sobre a Amazônia Legal. Assim, durante o mês de outubro de 2009 foram realizados em Brasília oito encontros, contando com a participação de mais de 150 representantes, dos seguintes segmentos: organizações ambientalistas e Academia; representantes da indústria e da agricultura, liderados pela Confederação Nacional da Indústria e Confederação Nacional da Agricultura (CNA), respectivamente; movimentos sociais rurais; bancos públicos; representantes de municípios da Amazônia Legal; e povos e comunidades tradicionais.
A metodologia constou da apresentação da proposta, seguida de debates e da disponibilização do documento para que pudessem ser feitas contribuições posteriores. Dentre as diferentes demandas e conflitos detectados nos debates, podemos destacar:
Vencida a etapa das consultas setoriais e de posse dos subsídios preliminares obtidos, deu-se início à etapa de definição de estratégias, com o adensamento da proposta para elaboração da versão a ser submetida à consulta pública. A imersão no desenho da proposta se deu em três Oficinas, de dois a três dias de duração, com os representantes estaduais da Amazônia Legal, representantes do Consórcio ZEE Brasil e membros da CCZEE.
A metodologia partiu da análise da proposta de Unidades Territoriais do MacroZEE à luz do Mapa Integrado dos Zoneamentos Ecológico-Econômicos dos Estados da Amazônia Legal, anteriormente elaborado. O exame indicou que, em linhas gerais, as Unidades Territoriais propostas se harmonizavam com as macrozonas apresentadas no Mapa Integrado, procedendo-se à alguns ajustes. Foi identificada a necessidade de criação de duas novas Unidades Territoriais, de modo a refletir especificidades locais, uma no Pantanal Mato-Grossense e outra no Estado de Roraima, que apresenta realidade diferenciada em relação ao coração florestal. Ao longo das Oficinas o grupo foi consolidando os conceitos sobre as diferentes escalas de trabalho e os mecanismos para compatibilização entre o MacroZEE e os zoneamentos estaduais. A etapa final foi dedicada à revisão da caracterização e das estratégias para cada Unidade Territorial, tendo sido fundamental as contribuições dos estados e das instituições do Consórcio e da CCZEE.
Em janeiro de 2010, tendo sido aprovado pela CCZEE, foi disponibilizado para consulta pública, o documento intitulado MacroZEE da Amazônia Legal - Estratégias de Transição para a Sustentabilidade - Proposta Preliminar para Consulta Pública. A consulta foi lançada por meio do Edital no 1, de 26/01/2010, publicado no Diário Oficial da União em 1º de fevereiro de 2010, estabelecendo os procedimentos para acesso ao documento e envio de contribuições e com vigência até 6 de março de 2010. O documento, as orientações e o formulário para envio de contribuições foram disponibilizados no sítio do Ministério do Meio Ambiente na Internet, no endereço informado no edital.
Como estratégia de divulgação foram encaminhadas mensagens de correio eletrônico para extensa lista de destinatários, abrangendo vários setores e segmentos da sociedade, indústria, comércio, academia e governos federal, estaduais e municipais, autarquias, instituições de pesquisa, bancos, organizações não governamentais e veículos de comunicação, além de entrevistas concedidas a rádios, emissoras de televisão e jornais impressos de grande circulação.
Ao final do período da consulta pública, as contribuições recebidas foram analisadas, sistematizadas e submetidas à aprovação da CCZEE em sucessivas reuniões de trabalho. Em 23 de março de 2010 foi aprovado o documento final, selando o compromisso dos membros da Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional com as estratégias de transição para a sustentabilidade assumidas para a Amazônia Legal Brasileira (Figura 2).
PARTE II
MACROZEE DA AMAZÔNIA LEGAL: DINÂMICAS TERRITORIAIS E ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
3.Estratégias GERAIS para a Amazônia legal
1.6.Regularização Fundiária
É uma estratégia fundamental para a organização da sociedade e da economia, constituindo uma importante mudança nas regras do jogo regional. É uma reivindicação de todos - dos pequenos produtores e trabalhadores, porque precisam do acesso à terra, e dos grandes produtores, porque precisam garantir seu patrimônio e as benesses econômicas e políticas que ele assegura.
Duas observações merecem ser feitas quanto à regularização fundiária. Primeiramente, em função da recente lei de regularização fundiária na Amazônia Legal (Lei no 11.952/2009), que permite a alienação dos imóveis após três anos de sua titulação, serão necessárias medidas complementares que evitem a criação de um grande mercado de terras na Amazônia, ampliando a concentração da terra e a conversão da floresta.
A segunda observação refere-se à obrigação ou não da titularidade da terra em toda a extensão da Amazônia Legal. O que se propõe aqui, para tão extenso e diferenciado território, é que se aplique, além da titularidade individual, outras modalidades de apropriação e uso da terra. É possível que no sistema capitalista coexistam formas diferenciadas de apropriação no sistema de gestão da terra, inclusive a organização social coletiva, o que requer pioneira inovação jurídica. Em relação a povos e comunidades tradicionais, por exemplo, o reconhecimento de tais especificidades está de acordo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que prevê a definição de [modalidades de regularização fundiária adequadas às [suas] especificidades de uso, costumes e tradições].
No caso do coração florestal, onde há terras não tituladas, baixa densidade demográfica e grande presença das populações extrativistas, a propriedade individual da terra poderia gerar conflitos até agora inexistentes. Assim, sugere-se para essa área um processo de concessão de terras a ser renovado em função dos resultados socioambientais obtidos, resguardando a titularidade em nome da União, impedindo o fracionamento da área em lotes e evitando a consequente especulação imobiliária e expulsão das comunidades. A própria Lei no 11.952 já permite esta modalidade de destinação da terra nos processos de regularização de ocupações incidentes em áreas indubitavelmente de domínio da União - como, por exemplo, as várzeas de rios federais, de jurisdição da Secretaria de Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Nos casos em que a titulação prevalecer, como nas áreas de ocupações consolidadas, que atendam aos requisitos legais, será privilegiada a alienação de terras públicas a partir de títulos de domínio com cláusulas resolutivas, sem prejuízo ao cumprimento do Código Florestal.
Além disso, no coração florestal, os projetos de assentamento diferenciados (Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS, Projeto de Assentamento Agroextrativista - PAE e Projeto de Assentamento Florestal - PAF) seriam permitidos somente para contemplar comunidades extrativistas preexistentes na região, evitando-se, ao máximo, a atração de pessoas de outras áreas. Nessa lógica, esses modelos de projetos de assentamento ambientalmente diferenciados zelariam por um uso e ocupação mais adequados à realidade amazônica, provendo instrumentos para resguardar a manutenção e reprodução social das comunidades com um patamar econômico que vá além da simples subsistência.
Ademais, nas Unidades Territoriais do coração florestal e das fronteiras, propõe-se o fortalecimento de formas associativas da agricultura familiar, baseadas nos princípios do cooperativismo e da gestão coletiva dos recursos naturais, capazes de alcançar escala mínima de produção, com localização próxima às estradas e aos mercados e em detrimento dos projetos de assentamento convencionais, que não deveriam ser mais criados nessas Unidades Territoriais. Com efeito, a realidade hoje indica a persistência de projetos de assentamento sem acessibilidade e sem assistência técnica, levando com que os assentados tornem-se instrumentos de outros agentes na apropriação de suas terras, intermediários no fornecimento irregular de madeira ou que, simplesmente, abandonem seus lotes.
Contudo, para assegurar o sucesso de tais formatos inovadores de organização social - que permitiriam romper com o maior obstáculo à mobilidade social na região, isto é, o monopólio de acesso ao mercado –, é necessário ampliar o debate acerca da repartição das respectivas responsabilidades interinstitucionais, de forma a integrar os setores competentes da administração direta e indireta dos governos federal, estaduais e municipais.
A importância da estratégia de regularização fundiária para o desenvolvimento sustentável também se reflete nas áreas urbanas de muitos municípios da Amazônia Legal, cujas sedes, e também distritos e vilas, desenvolveram-se em terras da União sob jurisdição do Incra, antes destinadas para a implantação de assentamentos rurais. A falta de titularidade da terra nas áreas urbanas, que concentra a maior parte da população em muitos municípios, além de tornar insegura a posse da moradia dos ocupantes dessas áreas, impede a aplicação de recursos públicos pelos governos locais na provisão de equipamentos e serviços públicos e dificulta a execução da política de desenvolvimento urbano em bases sustentáveis, abrindo espaço para a ocupação desordenada das cidades.
A transferência para os municípios de terras da União/Incra que hoje apresentam ocupações urbanas permitirá a legalização das moradias dos ocupantes dessas áreas e, também, de atividades econômicas que não possuem registro devido à falta de regularidade patrimonial dos imóveis, o que permitirá uma atuação mais efetiva dos governos locais no desenvolvimento urbano. Tal condição se torna de suma importância para cidades que apresentam uma aceleração do seu crescimento a partir da atração de grandes contingentes populacionais em função de grandes projetos públicos e privados de desenvolvimento. Além de terem melhores condições de atender às crescentes demandas por habitação e serviços urbanos que surgem desse crescimento, os municípios também poderão atuar de modo mais efetivo na atração de investimentos para a implantação de atividades econômicas urbanas e na geração de empregos permanentes em seus municípios.
• Promover a regularização fundiáriaurbana e rural, adotando, em complemento à Lei11.952/2009, medidas que evitem a criação de umgrande mercado de terras, a concentração dapropriedade e a conversão da floresta. |
1.7.Criação e fortalecimento das Unidades de Conservação
Cerca de 20% do território da Amazônia Legal é constituído por Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais - que se dividem, quanto ao uso permitido, em Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável –, cuja finalidade principal é a conservação da biodiversidade e o aproveitamento sustentável dos recursos naturais e genéticos para as gerações futuras.
Conforme Resoluções do IV Congresso Internacional de Áreas Protegidas, realizado em 1992, foi estabelecido que, no mínimo, 10% de cada bioma devem ser integralmente protegido para que haja a preservação das nascentes de água, a reprodução de plantas e animais e a estabilidade do clima.
A criação e o fortalecimento de Unidades de Conservação é, sem dúvida, uma estratégia bem sucedida para barrar localmente a expansão do desmatamento. Nas áreas consolidadas, é importante para conter os limites atuais do desmatamento e da incidência de focos de calor e para a defesa de importantes remanescentes naturais. Para as áreas de fronteira, onde a pressão por novas áreas para a ampliação das atividades agropecuárias e madeireiras e o abandono de áreas degradadas são fatores preocupantes, é uma das principais, se não a principal, estratégia.
Com efeito, as UCs destacam-se nas áreas onde o desmatamento avançou: as florestas remanescentes correspondem às áreas que foram protegidas. No Estado do Pará esta estratégia foi notável, pois a expansão da atividade pecuária no oeste do Estado foi relativamente contida graças à implantação de várias Unidades de Conservação. Ademais, ainda que a criação de Unidades de Conservação vise, primordialmente, contribuir para a manutenção da diversidade ecológica e dos recursos genéticos, proteger e recuperar recursos hídricos e proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental, sua utilização como mecanismo de desoneração, conforme versa o Código Florestal, pode contribuir na regularização fundiária das UCs e, consequentemente, na regularização dos passivos ambientais no que se refere aos percentuais de reserva legal das propriedades rurais (artigo 44, § 6º, da Lei no 4.771/1965).
Contudo, a estratégia de implantação de UCs apresenta problemas, como os conflitos associados à sua regularização fundiária, a insuficiência de recursos humanos para gestão e fiscalização dessas áreas e a dificuldade de se estabelecer a categoria de UC que mais bem concilie a contenção do desmatamento à necessidade de aproveitamento dos seus recursos naturais, dado o parco conhecimento desses recursos. Entretanto, as Unidades de Conservação, independentemente de sua categoria (uso sustentável ou proteção integral), cada qual com seus objetivos específicos, são um dos poucos espaços político-institucionais que existem em função da manutenção do conhecimento tradicional local (uso sustentável) e o conhecimento técnico-científico dos ecossistemas locais (proteção-integral). Apesar dos problemas que atualmente enfrentam, são um potencial caminho para a construção de formas de exploração indireta desses recursos, bem como de formas alternativas de uso direto baseadas no conhecimento tradicional.
É também forte a pressão resultante da expansão das atividades econômicas no entorno dessas áreas, que em muitos casos tem se traduzido na ocorrência de crimes ambientais no interior das Unidades de Conservação. Estima-se que, entre 2000 e 2008, cerca de 2,25 milhões de hectares tenham sido desmatados em UCs e Terras Indígenas na Amazônia, com a exploração ilegal da madeira em várias delas. Além de comprometer a integridade dos ambientes naturais contidos nesses espaços, essa situação leva ao aumento das pressões pela redução das áreas protegidas, como vem ocorrendo em Mato Grosso, Rondônia e Pará.
Assim, faz-se urgente (1) o fortalecimento da gestão das Unidades de Conservação, dotando-as de equipamentos e corpo técnico em número suficiente, (2) a promoção de sua gestão participativa por meio da instituição dos conselhos consultivos ou deliberativos e do envolvimento das comunidades do entorno das UCs nas estratégias de gestão dessas unidades, inclusive com a disseminação de atividades educativas, (3) o aumento da colaboração com países vizinhos da bacia amazônica na implementação de mosaicos de áreas protegidas e corredores ecológicos em áreas fronteiriças e, sobretudo, (4) a elaboração e implementação de seus planos de manejo, que devem englobar as zonas de amortecimento e os corredores ecológicos.
Nas UCs de uso sustentável, ressalta-se que é desejável promover uma economia extrativista dos recursos naturais. Ainda, nessas UCs, os planos de manejo devem viabilizar tais atividades extrativistas, desde que não comprometam [a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção], conforme versa o artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Com isso se possibilita a ampliação da geração de renda e a própria viabilidade econômica da Unidade, o que pode ser reforçado com a adoção de tecnologias próprias para melhoria da produção agrícola e pecuária, compatíveis com o uso das Resex. E tanto as unidades de proteção integral quanto as de uso sustentável são passíveis de usufruir da prestação de serviços ambientais, que não se limita apenas ao carbono.
Para a implementação dessa estratégia, é fundamental também ampliar a cooperação e parceria entre a União, estados e municípios na criação e gestão das Unidades de Conservação, privilegiando-se as áreas propostas pelos ZEEs estaduais e em outros instrumentos de planejamento ambiental e territorial, dentre os quais a política de áreas prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade Brasileira, que identificou, para todos os biomas brasileiros, áreas de importância fundamental para a conservação da biodiversidade e de outros recursos naturais, como os recursos hídricos.
Importante destacar, nesse sentido, a instituição de Portaria Interministerial em dezembro de 2009, firmada entre a Secretaria de Patrimônio da União e o Ministério do Meio Ambiente, possibili
1.9.Fortalecimento de uma política de Estado para a pesca e a aquicultura sustentáveis
A Amazônia reúne condições excepcionais para o desenvolvimento sustentável da aquicultura e da pesca. Com cerca de 56% da área de drenagem do País, congregando o maior conjunto de estuários do globo e a maior faixa contínua de manguezais sob clima equatorial, a região detém uma megabiodiversidade de plantas e animais, especialmente de peixes, podendo reunir mais de 30% das espécies nacionais. Como não poderia ser diferente, esse vasto estoque pesqueiro contribui para a segurança nutricional na região, representada por um dos maiores consumos de pescado do mundo, chegando a quase 800 gramas por dia, para cada habitante, em algumas localidades.
Até agora, no entanto, apesar do enorme lastro social que a pesca sustenta, a atividade possui apenas uma relativa importância econômica e a aquicultura é bastante incipiente. A cadeia produtiva regional está concentrada em Belém, Manaus, Santarém e Tabatinga, que concentram a parte mais significativa da frota pesqueira, além da infraestrutura de beneficiamento, armazenamento e mercado consumidor.
No âmbito comercial, a pesca amazônica produz em torno de 280 mil toneladas por ano, com potencial de crescimento sustentável, no entanto, para mais de 900 mil toneladas anuais. A aquicultura também apresenta um potencial de expansão considerável e ainda pouco explorado, das atuais 45 mil toneladas por ano para o impressionante montante de 5,7 milhões de toneladas. Esse total deve ainda ser conjugado com o desenvolvimento das cadeias produtivas de peixes ornamentais e da pesca amadora, que hoje envolvem, respectivamente, mais de 5,5 milhões de dólares em exportação e mais de 10 mil turistas por ano. Assim, de caráter estratégico para a economia, sobretudo em função da pulverizada repartição de benefícios que promove, o conjunto das atividades relacionadas à pesca e à aquicultura tem gerado, atualmente, mais de 920 mil empregos diretos e mais de R$ 1,5 bilhão de reais a cada ano.
Fatos tais como a tendência à sobre-exploração de um número reduzido de espécies, o deslocamento de muitos trabalhadores rurais para a pesca profissional, o aumento demográfico desmedido e a ausência do poder público atuando como gerenciador nos problemas relacionados à pesca levaram ao surgimento de graves conflitos na região. Deve-se mencionar, ainda, a fragilidade da indústria de beneficiamento, que resulta em baixo valor adicionado à produção na região, e a existência de pontos de estrangulamento na infraestrutura, em especial no que se refere à capacidade de armazenamento do pescado no período de entressafra, dificultando a dinamização da atividade e demandando, por conseguinte, o emprego de sistemas adequados de beneficiamento e armazenamento do pescado, que propiciem também o aproveitamento de subprodutos e a redução dos desperdícios.
Como agravante, as normas de ordenamento existentes são geralmente desrespeitadas. Assim, o manejo dos recursos pesqueiros na região, apenas por meio de normas legais, é um assunto complexo e polêmico, agravado pela carência de recursos humanos para a fiscalização e o reduzido treinamento dos fiscais sobre os conceitos técnicos que fundamentam as normas ou sobre técnicas de educação ambiental. Considerando estes fatos, parece evidente que qualquer medida de ordenamento deve contar com um amplo apoio dos usuários dos recursos, que deveriam ser os principais interessados em preservá-los. Por isso, o controle da pesca, junto com um trabalho de conscientização sobre ecologia pesqueira, devem ser os principais instrumentos de ação, aliados à gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, onde as regras e medidas de manejo são negociadas e pactuadas entre o Governo e as comunidades. Para tal, metodologias de educação ambiental e o uso de material de comunicação de fácil assimilação pela população local, como músicas, folhetos e histórias em quadrinhos, podem gerar resultados positivos.
Dessa forma, inserida estrategicamente no contexto, a atividade pode inclusive colaborar na diminuição de frentes de desmatamento e promover a qualidade de vida de diversas áreas na região, sem agravar os impactos sobre a biodiversidade local. Para tanto, a disseminação de tecnologias de cultivo adequadas, o uso de espécies nativas e de práticas que não impliquem na supressão de vegetação para as instalações de cultivo, o fornecimento de insumos, a capacitação de mão de obra especializada, a melhoria da infraestrutura e o fortalecimento dos serviços de assistência técnica aos criadores precisam ser priorizados. De acordo com dados do Ministério da Pesca e da Aquicultura, a produção de tambaqui em tanques escavados ou em tanques-rede pode ser até 355 vezes superior à pecuária bovina, considerando o valor da produção de cada atividade, por hectare, em um ano. Isso corrobora a necessidade de ampliação e fortalecimento de linhas de pesquisa para peixes nativos de importância econômica para a aquicultura, evitando-se o cultivo de espécies exóticas que poderiam causar enormes prejuízos à biodiversidade aquática amazônica.
Outras estratégias para o setor, em consonância com o PAS e o Plano Amazônia Sustentável de Aquicultura e Pesca, lançado no último mês de novembro, são o fortalecimento e disseminação de mecanismos bem-sucedidos de resolução de conflitos entre a pesca artesanal, a pesca industrial e a pesca amadora, como, por exemplo, os Acordos de Pesca; a promoção de pesquisas sobre o estoque pesqueiro da região e dos instrumentos para seu monitoramento; a priorização do cultivo de espécies nativas; o aprimoramento dos programas de financiamento ao setor pesqueiro; a estruturação de redes de comercialização mais justas, que eliminem práticas de exploração de ribeirinhos e outras populações locais, fortalecendo cooperativas e associações; e a ampliação da participação dos produtos pesqueiros no Programa de Aquisição de Alimentos e em outros programas similares.
Em suma, são estratégias que, se implementadas com a participação da comunidade, respeitando-se as diversidades regionais, certamente contribuirão para o desenvolvimento responsável das cadeias produtivas da aquicultura e da pesca, de modo a promover de forma integrada o bem-estar social e a sustentabilidade ambiental e econômica da Amazônia.
• Fortalecer uma política de Estado para apesca e a aquicultura, incentivando, dentre outras medidas, adisseminação de tecnologias de cultivo adequadas, ouso de espécies nativas e de práticas que nãoimpliquem na supressão de vegetação para asinstalações de cultivo, o fornecimento de insumos, acapacitação de mão-de-obra especializada, amelhoria da infraestrutura e o fortalecimento dos serviçosde assistência técnica aos criadores. |
1.10.Planejamento integrado das redes logísticas
Igualmente fundamental para a organização da sociedade e da economia é a infraestrutura de transportes e energia, ou melhor, as redes logísticas. Assim como as demais estratégias, a logística deve variar, mas neste caso a diferenciação se dá entre as Unidades consolidadas (territórios-rede), de um lado, e as áreas marcadas por elevados remanescentes florestais - territórios-fronteira e territórios-zona –, do outro.
Nas áreas consolidadas as questões logísticas a solucionar são: (1) a implementação da [logística do pequeno], ou seja, estender a capilaridade dos transportes e da energia dos grandes eixos e linhões para o interior da região, via de regra excluído do acesso a essas redes, a exemplo do programa de estradas vicinais do Ministério dos Transportes, o Previa; (2) o esforço de criação e difusão das redes de informação e comunicação, sem as quais é difícil a inserção nas práticas do século XXI, a exemplo do processo já iniciado pelo Programa Navega Pará.
Nas fronteiras e no coração florestal a questão logística exige uma situação de forte governança, pois a opção rodoviária pode induzir à forte imigração e, consequentemente, na falta da referida governança e na retirada da cobertura vegetal original[15]. Tendo por princípio a vocação hídrica da região e a utilização ancestral dos rios pelos amazônidas como principal, e às vezes única via de transportes - haja vista o adensamento histórico das cidades ao longo de seus rios –, a natureza indica que a navegação fluvial, apoiada pela aeroviária, configura-se como opção adequada, cabendo, todavia, a análise caso a caso quando da definição do modal de transporte a ser implementado. Quanto aos custos de transporte, à energia despendida e ao consumo de combustível, o transporte hidroviário é mais econômico do que o rodoviário e ferroviário.
Contudo, nenhuma modalidade de transporte deve ser desconsiderada a priori, pois sempre caberá uma análise, caso a caso, dos benefícios e custos totais das diferentes modalidades de transporte quando da implementação de um empreendimento. Assim, os aspectos ambientais têm que ser considerados em conjunto com os aspectos sociais e econômicos na decisão de implantar determinada infraestrutura de transportes. O modal rodoviário, por exemplo, é o de maior potencial de impactos negativos sobre a cobertura vegetal, mas em alguns casos deve ser utilizado por se tratar de um caminho que se escolhe, ao contrário do curso hidroviário, e ser o mais versátil, permitindo o trânsito veloz de todo tipo de veículo terrestre a qualquer horário e por iniciativa do próprio usuário. As vantagens do modal hidroviário não devem, também, desconsiderar os possíveis impactos ambientais desta opção.
A modernização das embarcações envolvendo segurança e velocidade é urgente para a circulação na Amazônia, associada ao planejamento das hidrovias, o que, por sua vez, remete à construção de eclusas nos projetos hidrelétricos, atendendo aos usos múltiplos e integrados da água, conforme previsto na Lei 9.433/97.
E, tendo em vista a articulação do PAC com a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) e as rodovias já estabelecidas, duas estratégias são essenciais para minimizar os impactos negativos destas obras: (1) articulação das diferentes modalidades de circulação (hidro, rodo, ferro e aeroviária), segundo as potencialidades naturais, tal como proposto na PNOT e levando-se em conta sua compatibilização com os vetores logísticos referidos no PNLT, e (2) a obrigatoriedade do planejamento integrado para todas as grandes obras de infraestrutura regional, conforme propõe o PAS.
O planejamento integrado envolve:
A definição de competências é crucial para projetos integrados. O destaque atribuído à empresa e à sociedade civil não significa, de modo algum, reduzir a importância dos demais agentes sociais. Os governos federal, estaduais e municipais, as universidades, o Sebrae e a cooperação internacional ajustada à agenda dos interesses regionais têm, todos, importante papel a cumprir.
Em outras palavras, o que se propõe é a concretização efetiva da Parceria Público-Privada: a empresa assumindo o papel efetivo de parceira do Estado, incluindo em suas ações investimentos produtivos e com finalidade social e, sobretudo, mobilizando outros parceiros do setor privado para a estratégia prevista. O Estado assumindo efetivamente a sua função reguladora baseada no zelo pelos interesses gerais da Nação. Nesse sentido, as empresas devem cumprir as condições estabelecidas para fazer jus ao financiamento público, notadamente do BNDES. Por sua vez, elas poderão cobrar do Estado a regularização fundiária antes de iniciarem as obras.
· Realizar o planejamento integrado das redeslogísticas, englobando o fortalecimento de uma agenda deintegração sul-americana, a conexão daprodução com o transporte e o processamento, aimplantação de vilas agroindustriais (de modo acriar densidade organizacional e escala à produçãodos agricultores familiares), a implementação, nasflorestas públicas, do manejo florestal sustentávelpara a exploração madeireira, não madeireirae de serviços, a organização de cadeias deuso da sociobiodiversidade e a instalação deequipamentos e serviços (educação, habitação,saneamento, comércio e indústria) nos núcleosurbanos.· Articular as diferentes modalidades de circulação(hidro, rodo, ferro e aeroviária), segundo aspotencialidades e fragilidades naturais.· Implementar a “logística do pequeno”,estendendo a capilaridade dos transportes e da energia dos grandeseixos e linhões para o interior da região, e ampliara criação e difusão das redes de informaçãoe comunicação. |
1.11. Organização de polos industriais
Cerca de 90% da produção industrial da Amazônia Legal está concentrada nos estados do Amazonas (que graças à indústria eletroeletrônica do Polo Industrial da Zona Franca de Manaus, onde mais de 100 mil pessoas estão empregadas no setor secundário, responde por cerca de 50% da produção industrial regional), do Pará e do Mato Grosso. Como um todo, a região é responsável por pouco mais de 6% do valor bruto da Produção Industrial Brasileira. Além disso, cerca de três quartos da atividade industrial estão concentradas em quatro grandes centros urbanos - Manaus, Belém, São Luís e Cuiabá - seguidas por cidades de médio porte, como Porto Velho, Macapá, Santarém, Marabá, Paragominas, Imperatriz, Rondonópolis e Sinop.
De modo geral, a região apresenta um processo de desenvolvimento industrial parcial e insipiente. Os elos entre as grandes corporações, e entre estas e a economia regional, são muito tênues, produto da importação de tecnologias e da especialização da produção nos setores mineral, agropecuário e florestal como forma de inserção em mercados mais amplos, todavia sem internalizar os segmentos mais intensivos em conhecimento e tecnologias avançadas. O resultado é o baixo valor agregado aos produtos, o baixo nível de internalização das cadeias produtivas e o caráter de enclave percebido em diversos empreendimentos, sem transbordamentos ou contrapartidas fiscais significativas. A maior agregação de valor, por meio do processamento industrial na própria região, está apenas em estágio inicial em setores como couros, calçados, carnes, alimentos e bebidas, além das indústrias de móveis e fibras vegetais.
Trata-se não só da agregação de valor reclamada por todos, mas também da construção de cadeias produtivas completas, inclusive com a implantação de complexos agrícolas, visando alcançar resultados semelhantes aos obtidos com o Polo Industrial de Manaus. As cadeias englobariam todos os produtos regionais, tanto os já explorados, como dendê, cacau, guaraná e madeira, quanto os novos, de modo a romper com o monopólio de acesso ao mercado; e se trata, ainda, de regular a produção de acordo com as características regionais, de modo a gerar benefícios para todos e compatibilizá-la com a natureza.
Tal estratégia é particularmente importante para as grandes produções regionais localizadas nas áreas de povoamento consolidado, de exploração mineral e da agropecuária capitalizada, visando criar, respectivamente, um polo minerometalúrgico na costa amazônica e um complexo agroindustrial baseado nos grãos.
Ambas as produções são apoiadas em logística moderna e abrangente e o processamento da produção na região deve ser considerado como fator preponderante para gerar riqueza e emprego.
Outra condição essencial para que essa estratégia se efetive refere-se à sua regulação quanto à compatibilização com a natureza. Nesse aspecto, iniciativas como a indústria eletroeletrônica amazônica, concentrada na Zona Franca de Manaus, de importância decisiva para a preservação dos recursos naturais do Estado do Amazonas, precisam ser consolidadas e disseminadas, priorizando-se sempre a industrialização da produção com agregação de valor econômico e de inovações tecnológicas na região. Além disso, para a concretização da estratégia de converter Manaus em um centro avançado de pesquisas e indústrias baseadas no aproveitamento da biodiversidade amazônica, faz-se necessário a revisão do marco regulatório sanitário e fiscal para as cadeias produtivas de fitoterápicos e a legislação relacionada ao acesso ao patrimônio genético Brasileiro.
No caso da transformação mineral de produção para ferro-gusa não há como manter práticas de produção do carvão vegetal com impacto negativo sobre a natureza e baseadas com o plantio de apenas uma espécie. Uma inovação a ser realizada, diz respeito ao fomento à criação de elos industriais sustentáveis, com o aproveitamento de outras espécies e do aproveitamento da madeira e de seus resíduos na cadeia madeireira e moveleira, para além do emprego de outras fontes não madeireiras. Outra questão delicada a ser devidamente equacionada diz respeito aos preços subsidiados de energia. Uma das soluções possíveis é a utilização desse instrumento para o fomento à verticalização da produção.
No setor agropecuário, a estratégia deverá ser a de não ultrapassar seus limites atuais. Para isto, esta atividade deverá se tornar intensiva no uso da terra, buscar maiores índices de produtividade e racionalizar o uso dos agrotóxicos e da água.
Mas a industrialização não é monopólio da grande empresa. É também particularmente importante a agroindustrialização e o extrativismo não madeireiro industrializado para produtores familiares de diferentes tipos. Com efeito, o fortalecimento de cadeias produtivas integradas ao consumo local e regional, contemplando o apoio a iniciativas de economia popular e solidária, reveste-se da maior importância. Essa proposição, para ser viável, associa-se àquela da regularização fundiária, referente à coexistência de formas coletivas de organização social sugeridas: gestão comunitária para industrialização do extrativismo não madeireiro e vilas agroindustriais para produtores agrícolas ou agroextrativistas familiares.
A agregação de valor deve, em suma, considerar o diferencial competitivo da incorporação de produtos amazônicos à produção industrial tradicional, especialmente valorizados nos mercados externos. Todavia, isso requer investimentos substanciais em ciência, tecnologia e inovação, que serão mais bem abordados a seguir.
· Organizar polos industriais com vistas àconstrução de cadeias produtivas completas eintegradas ao consumo local e regional (como um polomínero-metalúrgico e um complexo agroindustrialbaseado nos grãos) e que contemple, também, oapoio a iniciativas de economia popular e solidária. |
1.12.Mineração e energia com verticalização das cadeias produtivas na região
Os jazimentos minerais se encontram inextricavelmente ligados aos locais específicos onde os processos geológicos os formaram ou acumularam, constituindo áreas de tamanho variável distribuídas por toda a Amazônia Legal.
Apesar do potencial mineral da Amazônia Legal ser pouco conhecido, esta região é a maior produtora Brasileira de ferro, bauxita, caulim, níquel, cobre e ouro. Além desses minérios, extraídos em jazidas de classe internacional, já foram cubadas as maiores minas de potássio da região.
Atualmente, os grandes projetos de mineração situam-se no Estado do Pará. Nos estados de Rondônia, Amapá e Amazonas, à exceção do petróleo e gás natural no Amazonas, preponderam explorações de cassiterita, columbita/tantalita, entre outros metais, neste último caso pela Mineração Taboca, sob o Grupo Paranapanema. Garimpos de ouro, com características artesanais e cuja informalidade vem sendo trabalhada por intermédio de políticas públicas do Ministério de Minas e Energia (como o Programa de Formalização e Extensionismo Mineral), espalham-se por toda a região, tais como aqueles situados no rio Madeira (municípios de Humaitá e Manicoré, no Amazonas), no rio Tapajós (no Estado do Pará) e em Calçoene (Amapá), envolvendo milhares de trabalhadores.
No Estado do Pará, por exemplo, maior produtor mineral da região, há regiões como o Tapajós, com grandes indicativos de ser uma província mineral da mesma ordem de grandeza de Carajás, considerando sua formação geológica, e onde existem diversas áreas de prospecção mineral.
À medida que avança o conhecimento do subsolo da região, abre-se a oportunidade de novas explorações no coração florestal. Sabe-se que, além das ocorrências já citadas, em escala significativa, de minerais metálicos, também são encontrados minerais não metálicos, como é o caso do caulim, calcário e gipsita, entre Manaus e Presidente Figueiredo, e minérios de potássio, como, por exemplo, a silvinita no baixo curso do rio Madeira. Deste último bem mineral, essencial à agricultura, em conjunto com o fosfato e o nitrogênio, o País importa mais de 90% do que consome, o que indica a necessidade de se intensificar as pesquisas por jazimentos de minerais não metálicos. A oferta de calcário e fosfatos a preços mais competitivos é fundamental também para reduzir o custo da recuperação de áreas degradadas na Amazônia. Como exemplo, a tonelada de calcário custa, na região, cinco vezes mais do que em São Paulo ou no Paraná, constituindo-se fator limitante para as estratégias de recuperação.
Frente à demanda do mercado internacional, o potencial mineral da Amazônia Legal deverá atrair investimentos, resultando na abertura de novas fronteiras.
Na Amazônia Legal encontra-se também cerca de 70% do potencial hidráulico nacional, estimados em 120.000 MW. Atualmente, menos de 10% desse potencial está implantado e os aproveitamentos hidráulicos dessa região são necessários e estratégicos para o desenvolvimento nacional, sem prejuízo das questões socioambientais. Nesse sentido, as bacias hidrográficas amazônicas estão sendo inventariadas segundo critérios que incorporem as variáveis ambientais. Entretanto, os empreendimentos devem ser discutidos com a sociedade para sua implementação com mínimos impactos ambientais.
Em relação à exploração e produção de óleo e gás natural, existem campos concedidos em produção na bacia sedimentar do Solimões (Amazonas) e blocos exploratórios concedidos nas bacias do Solimões, Amazonas (Amazonas), Parecis (Mato Grosso) e Parnaíba (Maranhão), sendo que as principais reservas ocorrem nos municípios de Coari, Tefé, Carauari, Silves, Itapiranga e São Sebastião do Uatumã. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a reserva total da região amazônica é estimada em 90 bilhões de m³ de gás, o que corresponde a 15% de toda a reserva nacional, e de 164 milhões de barris de óleo, valores estes referentes apenas aos campos em desenvolvimento ou produção.
As atividades da indústria do petróleo constituem um poderoso vetor de desenvolvimento, em função do parque de produção de bens e serviços associado ao setor, e o exemplo de Urucu demonstra que o desenvolvimento tecnológico atual permite a coexistência das operações de exploração e produção de óleo e gás natural com grande parte dos demais usos do território.
Neste contexto, necessário será: (1) viabilizar atividades de interesse público, tais como a produção de energia, a mineração e a exploração e produção de óleo e gás natural por meio do incentivo ao desenvolvimento de tecnologias compatíveis com a proteção dos ecossistemas naturais e populações locais; (2) incentivar a industrialização in loco de parte da produção mineral; (3) incentivar os aproveitamentos energéticos de fontes não tradicionais, como energia solar (utilização de sistemas fotovoltaicos, para pequenas cargas em sistemas isolados), eólica, da biomassa (de florestas energéticas por meio de reflorestamento em áreas degradadas) e das marés, condicionando o uso do carvão vegetal a regramentos específicos, (4) fortalecer as relações sociais entre o setor produtivo e as comunidades locais; (5) desenvolver estudos para ampliação da matriz energética de uso doméstico e industrial, de acordo com os potenciais locais; (6) ampliar o polo mínero-metalúrgico, com políticas de incentivo à pesquisa mineral e de integração e verticalização das cadeias produtivas; e (7) estabelecer estratégias de minorar a dependência da economia local em relação à mineração.
· Atrelar a mineração e a geraçãode energia à verticalização das cadeiasprodutivas da região, viabilizando atividades de interessepúblico, tais como a produção de energia, amineração e a exploração e produçãode óleo e gás natural por meio do estímulo aodesenvolvimento de tecnologias compatíveis com a proteçãodos ecossistemas naturais e populações locais,incentivando a industrialização in loco de parte daprodução mineral, promovendo os aproveitamentosenergéticos de fontes não tradicionais, como energiasolar, eólica, da biomassa e das marés,condicionando o uso do carvão vegetal a regramentosespecíficos, fortalecendo as relações sociaisentre o setor produtivo e as comunidades locais, desenvolvendoestudos para ampliação da matriz energéticade uso doméstico e industrial, de acordo com os potenciaislocais, ampliando o polo mínero-metalúrgico compolíticas de incentivo à pesquisa mineral e deintegração e verticalização dascadeias produtivas e estabelecendo estratégias para minorara dependência da economia local em relação àmineração. |
1.13.Estruturação de uma rede de cidades como sede de processos tecnológicos e produtivos inovadores
Qual deve ser o papel das cidades em um contexto inovador cujo cerne deverá ser a utilização sustentável do capital natural na geração de cadeias produtivas e/ou na prestação de serviços ambientais a partir das funções ecossistêmicas da floresta?
Entende-se que as cidades, no âmbito da Amazônia Legal, deverão ser centros geradores de riqueza, trabalho e serviços para as populações regionais, de defesa do território e da soberania; no entorno do território-zona deverão constituir um cinturão de blindagem flexível contra a expansão do desmatamento, como também serem sedes de indução de mudanças nas áreas já povoadas.
Nesta perspectiva, considera-se que a estratégia inicial para que se alcance este perfil deve ser focada na (1) organização de cadeias produtivas, rompendo com o monopólio de acesso do mercado, e (2) na logística de circulação e de agregação de valor a partir de processos industriais, utilizando como insumos aqueles com maior potencial de geração de riqueza: os provenientes da biodiversidade florestal, os recursos aquáticos, minerais e cênicos.
A grande possibilidade de gerar riqueza e inclusão social sem destruir a natureza reporta à construção de cadeias e de articulação com múltiplos agentes, que vão desde as comunidades que vivem no âmago da floresta até os centros de biotecnologia avançados e a bioindústria (BECKER, 2004). Uma das cadeias que poderá ser construída é a de extração de dois tipos de óleos vegetais: os óleos fixos, que não evaporam facilmente e são mais utilizados na indústria farmacêutica e de cosméticos; e óleos essenciais, de fácil evaporação e geralmente com essência, amplamente utilizados na indústria de cosméticos, cujos mercados estão em franca expansão, mas é preciso que a atividade amazônica não se restrinja à obtenção da matéria-prima. É necessária uma articulação entre todas as esferas de governo para que sejam atraídos investimentos em capacidade de produção de produtos de consumo.
Outro segmento de grande importância refere-se aos produtos para a saúde humana, tendo em vista a saúde pública e a carência de milhões de brasileiros que deles necessitam. Neste segmento o Brasil deverá inovar, ousar, e estimular a produção de fitomedicamentos, de nutracêuticos e de dermocosméticos. A instalação da Fiocruz em Manaus e, recentemente, do Butantã em Santarém, o IEPA, em Macapá, indicam que iniciativas importantes estão caminhando para que isso aconteça.
Os critérios para seleção de cidades potencialmente aptas a comporem redes são: presença de significativas aglomerações produtivas, que permitam o estabelecimento de uma rede e garantam a produção em escala; presença e parcerias com entidades governamentais e/ou empresas representativas das dimensões científico–tecnológica e institucional; acessibilidade mínima; e localização estratégica para conter o desmatamento. Enfim, há de se dispor de políticas integradas que tornem o investimento produtivo em cidades da região mais atrativo do que a importação de suas matérias-primas para processamento em outras regiões do País ou no exterior.
A partir da identificação das aglomerações produtivas cabe selecionar as cidades que se constituirão em lugares centrais e de comando de redes associadas à produção. Além da relativa proximidade da produção, presença de apoio em CT&I e acessibilidade, devem ter quesitos que lhes propiciem deter a centralidade de gestão: significativa população e oferta de serviços públicos elementares e de particulares.
A gestão federal, avaliada pela presença de unidades da Receita Federal, Ministério do Trabalho, INSS, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Federal e a empresarial, avaliada pela presença de sedes de empresas com filiais em outros municípios e filiais de empresas com sedes em outros municípios, possibilitou desenhar uma rede de cidades, assim constituída: (1) Maués, comandando as cidades de Manaquiri, Barreirinha, Abonari, Urucará; (2) Manicoré polarizando a rede composta por Apuí, Novo Aripuanã, Nova Olinda do Norte, Humaitá; (3) Lábrea, polarizando as cidades de Camutamã e Humaitá; (4) Carauari, sediando um Laboratório da Floresta; (5) Tabatinga, comandando as cidades de Santa Rosa, Benjamim Constant, e articulando com Letícia/Islândia; (6) Cruzeiro do Sul, comandando a rede formada pelas cidades de Eirunepé, Ipixuna, Feijó, Tarauacá e Envira; (7) Itaituba, polarizando Óbidos, Alenquer e Belterra; (8) Laranjal do Jari liderando as cidades de São Francisco do Iratapuru, Vitória do Jarí e Soure; (9) Jacareacanga, sediando um Laboratório da Floresta; (10) Apiacás, Juruena, Juina, Guarantã do Norte.
A conexão entre as comunidades e as cidades e estas entre si é fundamental, o que demanda uma logística de transporte adequada entre as redes acima delineadas, de energia e de tecnologias de informação.
Em relação a estas, registra-se a iniciativa do Projeto Navega Pará, coordenado pelo governo do estado, com implantação de infovias no interior do Estado utilizando fibra óptica ou rádio e uma rede de alta velocidade na região metropolitana de Belém. Tal infraestrutura permitirá a conexão entre órgãos públicos, instituições de pesquisa, escolas, telecentros e núcleos de apoio para inserção na economia digital de micro-empresas, comunidades e associações, além de disponibilizar para uso livre por rede sem fio na sede de algumas dezenas de municípios.
É patente o grande investimento necessário - em termos de infraestrutura física e social - para que a Amazônia seja incluída nos setores mais dinâmicos da economia digital. A tecnologia para a implantação das infovias terá que ser diversificada - conexões por satélite ou rádio nos locais mais isolados e conexão por fibra ótica nas áreas um pouco mais densas, aproveitando os eixos de estradas, gasodutos e linhas de energia.
Softwares devem ser desenvolvidos para que o conhecimento das populações tradicionais seja sistematizado e ampliado a partir da construção de um banco de dados, obrigatoriamente considerando a repartição de benefícios. Nesta tarefa, os campi universitários, as extensões da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e outras instituições federais e estaduais devem assegurar a formação de núcleos de pesquisa nas cidades centro de rede.
A presente estratégia de estruturação de uma rede de cidades se insere num contexto mais amplo, constituído pela realidade urbana da Amazônia, do qual emerge o desafio do fortalecimento do processo de planejamento e gestão territorial urbana.
Ao longo das últimas décadas, a região amazônica vivenciou um aumento vertiginoso da taxa de urbanização de seus municípios, em média: na década de 70, a população urbana correspondia a 35,5% da população total; na de 80, alcançou 44,6%; na de 90, 61%; e, finalmente, em 2000, chegou à casa dos 70%. Esse processo urbanizador, aliado aos processos econômicos, intensificou a ação antrópica nas últimas décadas e resultou em forte diversificação de atores e do próprio uso da terra e do solo urbano.
O sucesso deste MacroZEE da Amazônia Legal deverá passar pelo entendimento desta dinâmica urbana emergente, da relação entre os vários núcleos urbanos da região, com novos e diversificados atores sociais que assumem um papel central no fortalecimento das estruturas de poder local, no próprio desenvolvimento socioeconômico e que se estruturam como elementos fundamentais para o entendimento da nova territorialidade da região.
Faz-se necessário, também, promover ações que fortaleçam as estruturas municipais de gestão e planejamento urbano, de modo a incorporar as diretrizes e instrumentos de planejamento do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, a partir da construção de políticas públicas que busquem garantir a previsão de sistema de infraestrutura e serviços urbanos que supram a demanda por saúde, educação, habitação, saneamento e mobilidade da população desta região e, mais que isso, fortaleça os processos decisórios locais e constituam estruturas locais de desenvolvimento do território, pensado de modo articulado à realidade regional.
· Estruturar uma rede de cidades como sede de processostecnológicos e produtivos inovadores, conjugada a açõesque fortaleçam as estruturas municipais de gestão eplanejamento urbano e que garantam a implantação deinfraestrutura e serviços urbanos que supram a demanda porsaúde, educação, habitação,saneamento e mobilidade da população, fortalecendo,assim, os processos decisórios locais e atraindoinvestimentos para ampliar a capacidade produtiva dessesmunicípios. |
1.14.Revolução científica e tecnológica para a promoção dos usos inteligentes e sustentáveis dos recursos naturais
A Amazônia hoje não é mais mero espaço para expansão da sociedade e da economia nacionais e, sim, uma região em si, com estrutura produtiva e dinâmica próprias, que requer não mais uma política de ocupação, mas sim de consolidação do desenvolvimento, demandado por todos os atores regionais. Essa demanda está em sintonia com a macropolítica nacional, cujos objetivos maiores são a retomada do crescimento econômico com inclusão social e conservação da natureza que, presentes nos planos diretamente direcionados à região, são norteadores de uma Política Nacional de CT&I, como os Planos Amazônia Sustentável, de Prevenção e Controle do Desmatamento e da BR-163 Sustentável.
É pela atribuição de valor econômico à floresta que a Amazônia será capaz de competir com as commodities. São diversas as formas de aproveitamento deste recurso de acordo com os usos dos diferentes grupos sociais, destacando-se o extrativismo vegetal e a pesca tradicional; a exploração de produtos que agregam valor mediante beneficiamento local, por meio de estruturas produtivas de pequena e média escala; a produção industrializada por empresas locais ou nacionais; e a produção de bens por meio de tecnologias de alta complexidade desenvolvida nos laboratórios das grandes empresas globais (CGEE, 2006).
Na Amazônia é a biodiversidade que oferece a maior possibilidade de geração de riquezas sem destruir a natureza, o que possibilita a formulação de políticas de escala regional e a inclusão de considerável parcela da população que habita as extensões florestais e as comunidades tradicionais.
Neste sentido, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em seu Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento (MP, 2008) considera que o principal vetor de desenvolvimento para o Bioma Amazônico é a revolução técnico-científica associada à biodiversidade, valorizando decisivamente os produtos da floresta e de suas águas.
O desafio da utilização econômica de seu patrimônio natural atribui à Amazônia a condição de questão nacional, e a CT&I deve contribuir para a solução dos problemas nele contidos. Acresce-se, a importância estratégica da região em fóruns globais referentes ao clima, à diversidade biológica, à água, e aos serviços ambientais, cujas negociações não podem prescindir de subsídios da CT&I. É indispensável a superação de problemas tradicionais, por meio da ampliação dos investimentos em pesquisa, nas universidades, pequenas e médias empresas e na qualificação de recursos humanos.
Cobra-se atenção para a agenda correspondente de pesquisa e desenvolvimento e sua interface com as mais importantes cadeias produtivas regionais. A produção de fármacos, de fitoterápicos e cosméticos, de alimentos e bebidas regionais, de madeira certificada e industrializada, móveis e outros artefatos, de fibras vegetais etc., cada qual com sua complexidade, precisa evoluir para se tornar a base de uma economia tecnologicamente avançada e adaptada ao meio.
A região é carente de competência em CT&I, mas conta com instituições antigas e novas de boa qualidade, como o Polo Industrial de Manaus e a Universidade Federal do Pará. Alguns centros de pesquisa têm atuação importante, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Museu Paraense Emílio Goeldi, além do Centro de Biotecnologia da Amazônia e Centro Tecnológico do Polo Industrial de Manaus. Novas oportunidades se oferecem com o processo de desconcentração do Sistema Nacional de C&T, graças ao esforço do MCT e a iniciativas regionais de governos estaduais por meio das suas Secretarias de C&T e campi universitários, e de algumas Organizações não Governamentais (ONGs).
Alguns estudos desenvolvidos a partir dos programas e projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia com vistas à formulação de uma política de CT&I para a Amazônia (CGEE, 2004) formulou como principais proposições, dentre outras:
Para agilizar e facilitar o acesso da comunidade científica nacional à biodiversidade é importante regulamentar a legislação, por meio de mecanismos institucionais ágeis, descentralizados e desburocratizados (MDIC, 2001), considerando: (1) aprimoramento contínuo da legislação sobre biossegurança, propriedade intelectual e acesso ao patrimônio genético; (2) identificação de pontos conflitantes e avaliação da legislação associada aos setores que afetam a diversidade biológica; (3) elaboração de sistemas inovadores e sui generis de proteção de conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos; (4) difusão contínua da legislação e de sua aplicabilidade nos diversos campos associados à biodiversidade.
· Promover uma revolução científicae tecnológica para incentivar os usos inteligentes esustentáveis dos recursos naturais, com o aprimoramentocontínuo da legislação sobre biossegurança,propriedade intelectual e acesso ao patrimônio genético,a identificação de pontos conflitantes e avaliaçãoda legislação associada aos setores que afetam adiversidade biológica, a elaboração desistemas inovadores de proteção do conhecimentotradicional associado aos recursos genéticos e a difusãocontínua da legislação e de suaaplicabilidade nos diversos campos associados àbiodiversidade. |
1.15.Planejamento da expansão e conversão dos sistemas de produção agrícola, com mais produção e mais proteção ambiental
A agricultura e a pecuária podem, e devem, desempenhar um papel estratégico no processo de mudança do padrão de desenvolvimento da Amazônia incentivado pelo Macrozoneamento. A meta é reverter a atual associação entre produção e degradação ambiental, para converter a agropecuária em promotora dos objetivos da melhoria das condições de vida das pessoas e da proteção dos ecossistemas da região. Com efeito, sobretudo na Amazônia, a reversão das causas vinculadas à mudança do clima, à perda da biodiversidade e à degradação dos recursos hídricos, para ficar apenas no domínio de três dos principais problemas socioambientais, passa, necessariamente, pelo planejamento da expansão do setor e pelo incentivo à adoção de novas práticas e modelos de gestão dos sistemas produtivos da agricultura e da pecuária, capazes de gerar ativos no lugar de passivos ambientais. E de que maneira esse resultado pode ser alcançado? Adotando-se, dentre outras, as seguintes medidas:
Essas medidas de ordenamento e gestão devem derivar, sobretudo, da consideração do Zoneamento Ecológico-Econômico integrado ao Zoneamento Agrícola, sem prejuízo da observância de outros instrumentos de planejamento, como, por exemplo, os planos de gestão de recursos hídricos. Quando operadas em escala adequada, tais medidas protegem os ecossistemas naturais e promovem as funções dos ecossistemas agrícolas, que além de produzirem alimentos e outros produtos, geram também bens e serviços ambientais. Diminuição da erosão, manutenção dos ciclos da água e de nutrientes, regulação de pragas e doenças, redução das emissões de gases de efeito estufa por queimadas e a polinização são alguns desses serviços que se revertem em benefício da própria agricultura e dos agricultores. Mas não apenas a eles.
A convergência e sinergia entre as políticas agrícola, agrária e ambiental é a condição mais importante para viabilizar as mudanças indicadas. Para tal, sugere-se as seguintes iniciativas:
A integração dos instrumentos no nível estadual não significa, em hipótese alguma, a desconsideração da importância estratégica do planejamento integrado nas escalas regional e nacional. Nem o setor agrícola nem a área ambiental, como de resto qualquer outro setor, podem abdicar da perspectiva destas escalas pela simples razão de que tanto a realidade como as necessidades regional e nacional da produção agrícola e da proteção do meio ambiente, não se conformam pela soma das realidades e necessidades estaduais.
Cientes desse desafio e para realizar a integração entre o ZEE e o Zoneamento Agrícola na escala regional da Amazônia, a Embrapa e o MMA elaboraram, em parceria com outras instituições do Consórcio ZEE Brasil e com órgãos estaduais, um projeto que foi submetido e está pré-aprovado pela Finep. A previsão é de iniciar os trabalhos no primeiro semestre de 2010.
Outra iniciativa que implica numa ação de âmbito regional diz respeito à realização de Zoneamentos Agroecológicos (ZAE), uma modalidade de zoneamento agrícola que, no contexto da Amazônia, é recomendada especialmente para as culturas destinadas à produção de agroenergia, a exemplo do ZAE do dendê que a Embrapa vem realizando. Pelo potencial de crescimento e importância que tem para o complexo mínero-siderúrgico e agroindustrial, o ZAE da expansão da silvicultura de espécies energéticas é outra prioridade que deve ser executada em sintonia com o ZEE da região e com ampla participação dos setores envolvidos.
A adoção destas práticas de integração entre instrumentos para ordenar a expansão de culturas econômica ou estrategicamente relevantes, com atenção às particularidades e fragilidades ambientais, pode ser a base para estimular uma agricultura tropical adaptada para a região. Com este marco regulatório e tecnológico estabelecido, culturas como cacau, seringa, bacuri, pau-rosa e espécies para produção de carvão, dentre outras, podem ser estimuladas, garantindo-se o retorno econômico esperado. Tais culturas podem ter impactos inclusive na balança comercial, estimulando exportações em alguns casos, e em outros diminuindo as importações, como no caso do cacau e da borracha.
A importância da aplicação dos resultados das pesquisas é ainda maior num cenário de incertezas em relação às mudanças do clima.
· Planejar a expansão e a conversãodos sistemas de produção agrícola, com maisprodução e mais proteção ambiental.· Restringir a expansão da produçãosobre áreas especialmente importantes para a recarga deaquíferos e para a manutenção da quantidade equalidade dos recursos hídricos, assim como sobre as áreasde proteção dos recursos naturais, em especial os dabiodiversidade.· Realizar o manejo dos sistemas de produçãocom adoção de práticas que minimizem osimpactos sobre o meio ambiente, como, por exemplo, a integraçãolavoura-pecuária, a conservação dabiodiversidade agrícola, a formação decorredores ecológicos, o plantio direto, a introduçãode sistemas agroflorestais e agrosilvopastoris, o controleintegrado de pragas, o uso eficiente da água e a manutençãoda reserva legal e das áreas de preservaçãopermanente.· Intensificar o uso das áreas jáincorporadas à produção, evitando novosdesmatamentos e o avanço da fronteira agropecuária.· Integrar o Zoneamento Ecológico-Econômicoe o Zoneamento Agrícola para orientar, em basessustentáveis, as atividades da agropecuária. · Criar programa de recuperaçãode áreas degradadas por pastagens e por outras formas deuso que resultaram na diminuição ou perda dacapacidade produtiva dos sistemas agrícolas (os ZEEsestaduais se constituem numa referência importante tantopara mapear essas áreas como para orientar o melhor uso aser feito). |
1.16.Conservação e gestão integrada dos recursos hídricos
Coberta pela maior extensão contínua de floresta tropical do planeta, a bacia amazônica é também a maior bacia hidrográfica do mundo, onde a interação entre o sistema hídrico e florestal estrutura e regula o funcionamento do bioma Amazônia. As formas de ocupação e uso do solo nessa bacia têm modificado e desequilibrado progressivamente o funcionamento desse gigantesco bioma, desencadeando mudanças nos diversos ecossistemas em escala regional e local, particularmente no meio aquático, comprometendo o equilíbrio do ambiente e o desenvolvimento sustentável de toda a região.
A questão ambiental, ecológica e a conservação dos recursos hídricos, na Amazônia, está diretamente ligada à conservação da vegetação nativa e vice-versa, visto que o desmatamento provoca aumento considerável no escoamento superficial da água e menor infiltração nos solos compactados das pastagens. Observa-se uma preocupação crescente com os impactos sobre a floresta amazônica e suas consequências para a biodiversidade e o clima global e, de forma equivocada, talvez pela sua abundância, os recursos hídricos em si não despertam a mesma atenção e preocupação. Tal viés declina da perspectiva de análise sistêmica, visto que, rompendo-se a dinâmica do ciclo hidrológico, sem floresta não haverá água e sem água não haverá vida. Torna-se, portanto, necessário dar a necessária ênfase aos recursos hídricos no âmbito do MacroZEE.
A alta umidade atmosférica decorrente das altas taxas de evapotranspiração da floresta, somada à massa de ar úmido proveniente do Oceano Atlântico, produz altos índices pluviométricos anuais, principalmente nas áreas cobertas pela floresta. Tal condição faz com que os rios amazônicos escoem para o mar quase um quinto de toda a água doce que circula no planeta. Se esta abundância cria oportunidades, remete também a grandes desafios, visto que as intervenções humanas afetam os fluxos de água de forma direta e indireta por meio da construção de barragens, hidrovias, pesca, demandas urbanas, das indústrias, da mineração e da agricultura.
Estudos indicam que as alterações na umidade do solo e na evaporação podem levar a secas duradouras e que a bacia do rio Amazonas é significativamente afetada por variações climáticas cíclicas; períodos anômalos de estiagem aumentam consideravelmente os riscos de incêndios e, por ocasião destes, milhões de hectares de floresta são queimados, provocando redução de visibilidade nas cidades, problemas respiratórios e, algumas vezes, fechamento de aeroportos. Períodos mais severos também causam o racionamento de energia, reduzem a capacidade de transporte fluvial e isolam as populações ribeirinhas, situações que demandam a intervenção do Governo Federal por meio das Forças Armadas, em articulação com governos estaduais e com altos custos de logística para envio de remédios e alimentos por via aérea.
O balanço das estimativas médias de longo período na bacia Amazônica indica uma precipitação de cerca de 11,44 x 1012 m3/ano de água, que gera uma descarga média de longo período de 182.170 m3/s ou 5,75 x 1012 m3/ano. Estima-se uma [perda] de água que retorna, via floresta, à atmosfera, de 5,69 x 1012 m3/ano, ou seja, cerca de 49,7% do ingresso total de água (Garcia, 1998).
Neste quadro, qualquer mudança no percentual de chuva que volta à atmosfera - quando se converte floresta em pastagem há diminuição deste percentual - implicará em perda considerável de água, tanto na própria região quanto em outras regiões onde as chuvas dependem dessa fonte (Fearnside, 2004). Portanto, a interação entre a floresta amazônica e os recursos hídricos presta um serviço ambiental de inestimável valor, tanto para a manutenção do equilíbrio climático e ecológico essenciais para a sobrevivência das espécies bióticas ali presentes, quanto para a agricultura do País.
Por sua vez, o sistema de drenagem presente na planície amazônica propicia a formação de uma rica região de áreas úmidas, o que faz da água um componente ecossistêmico vital ao bioma amazônico e, sendo um elemento frágil e vulnerável, deve ser preservado e conservado a partir de estratégias que considerem a riqueza biológica e a dinâmica hídrica natural dos diferentes ambientes aquáticos amazônicos. A Amazônia é formada por um mosaico de habitats com diferentes histórias evolutivas (Prance, 1987), o que possibilita a existência de alta variabilidade de ambientes. Cada um dos diferentes ambientes aquáticos amazônicos está submetido também a diferentes dinâmicas ecossistêmicas, o que gera a possibilidade de acomodação dessa alta diversidade de espécies, adaptadas a ambientes específicos.
Ambientes com características físicas e químicas diferenciadas resultam em diferentes habitats, muitos dos quais propícios à reprodução, visto se constituírem berçários de muitas espécies, com alta oferta de suprimento nutricional e possibilidade de abrigo e proteção. Tal é o caso, dentre outros, das lagoas marginais resultantes do ritmo sazonal de inundação das várzeas. Exemplos de alguns dos vários tipos de ambientes de
1.17.Desenvolvimento do turismo em bases sustentáveis
Considerando que o MacroZEE deverá subsidiar políticas e ações de implementação de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, que favoreça a integração e a compatibilização de atividades econômicas a partir da realidade da região, dever-se-á constituir em valioso e imprescindível instrumento para orientar e estimular o desenvolvimento do turismo ordenado e sustentável na região.
Com potencialidades reconhecidas para o crescimento econômico por meio da conservação dos ecossistemas e da geração de trabalho e renda para as populações, o turismo surge como valioso aliado na promoção do desenvolvimento sustentável. Traz oportunidades de melhorias sociais, econômicas e ambientais, devido a natureza de seus negócios, e mostra-se apto a atender aos desafios inerentes à região. Considera, também, a presença dominante da floresta e do meio ambiente da Amazônia como valores agregados à economia do negócio turístico, contribuindo, por sua vez, com a conservação dos ativos ambientais e para a educação ambiental.
É também uma das atividades econômicas que demanda menor investimento para a geração de postos de trabalho e afeta positivamente o desempenho das economias regionais. Na Amazônia, tamanho potencial torna-se ainda mais amplo pelas singularidades da oferta de atrativos frente ao grande desejo dos turistas por experiências de contato com a natureza.
O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (Proecotur), buscou novas formas de desenvolver o turismo na Amazônia a partir do reconhecimento de que isto representa um complexo desafio frente à extensão territorial e à diversidade ambiental, cultural e social da região. As iniciativas voltadas à melhoria da qualidade de vida de sua população demandam ações baseadas no profundo conhecimento das múltiplas realidades locais.
Para pavimentar o caminho do desenvolvimento da atividade turística na região, o Proecotur foi desenhado para acontecer em duas fases distintas, que permitissem planejar e calcular os impactos dos esforços previstos. A primeira fase esteve dirigida ao planejamento estratégico, e à geração do conhecimento e ao fortalecimento institucional necessários para a segunda fase. Esta última deve viabilizar os investimentos estruturantes da atividade, com a efetiva aplicação das medidas, diretrizes, propostas e projetos apresentados.
Os esforços de planejamento da primeira fase também se voltaram à identificação de áreas prioritárias para investimento, a partir da adoção de um conjunto de critérios e atrativos. Foram delimitados 15 polos de ecoturismo, compreendendo 160 municípios, que representam as áreas com maior potencial de desenvolvimento ecoturístico no território. E ao longo da fase de planejamento, foi ampliado o olhar para o conceito do turismo sustentável, incorporando outros segmentos além do ecoturismo. Para conclusão da primeira fase do programa foi apresentada a Estratégia para o Desenvolvimento do Turismo Sustentável para a Amazônia Brasileira onde foi possível identificar os territórios prioritários de ação dessa Estratégia.
A partir do cruzamento dos dados da demanda com a disponibilidade dos elementos da oferta, chegou-se aos 57 municípios que apresentam o conjunto de elementos de maior interesse do mercado, visando focalizar esforços para o melhor aproveitamento deste potencial. Na prática, esses municípios respondem pelos aspectos de interesse da demanda e possuem potencialidade para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de produtos turísticos. São eles: Barcelos, Careiro, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaus, Maués, Novo Airão, Parintins, Presidente Figueiredo, São Gabriel da Cachoeira, Silves e Tefé (Amazonas); Cruzeiro do Sul, Plácido Castro, Rio Branco e Xapuri (Acre); Cururupu e São Luis (Maranhão); Alenquer, Altamira, Aveiro, Belém, Belterra, Bragança, Conceição do Araguaia, Itaituba, Marabá, Maracanã, Monte Alegre, Oriximiná, Salinópolis, Santarém, Salvaterra, Soure e Tucuruí (Pará); Mateiros, Novo Acordo, Palmas, Ponte Alta do Tocantins e São Félix do Tocantins (Tocantins); Calçoene, Macapá e Oiapoque (Amapá); Costa Marques, Guajará-Mirim, Pimenteiras do Oeste, Porto Velho e São Francisco do Guaporé (Rondônia); Alta Floresta, Cáceres, Cuiabá e Paranaíta (Mato Grosso); Boa Vista, Bonfim, Caracaraí e Pacaraima (Roraima).
Propõem-se que estes municípios sejam priorizados como estratégia de desenvolvimento para o turismo sustentável na Amazônia Brasileira, mas tendo a clareza de que todos os 160 municípios abrangidos pelos polos identificados no âmbito do Proecotur poderão encontrar no turismo uma importante alternativa na busca por um novo modelo de desenvolvimento sustentável. Desta forma, foram apontadas abaixo apenas algumas das principais diretrizes recomendadas pelo Proecotur:
· Desenvolver o turismo em bases sustentáveis,promovendo, dentre outras medidas, a ampliação eadequação das instalações e serviçosrodoviários, aéreos e portuários, a fim depromover facilidades de acesso, conforto e segurança aosvisitantes, o fomento a um programa de desenvolvimento de arranjosprodutivos locais do turismo, visando o fortalecimento econômicodos prestadores de serviços turísticos e oenvolvimento das comunidades locais, e a criação deinstrumentos normativos municipais e/ou estaduais que objetivem oordenamento, o controle, o licenciamento e o monitoramentoambiental das atividades do setor do turismo. |
1.18.Redução das emissões de gases de efeito estufa provocadas pela mudança no uso do solo, desmatamento e queimadas
Cumpre inicialmente enfatizar que a aplicação das estratégias do MacroZEE não impedirá a manifestação dos efeitos e impactos relacionados às emissões de gases de efeito estufa, uma vez que as concentrações desses gases na atmosfera são originadas principalmente nos países desenvolvidos e já são suficientes para ocasionar alterações nos ecossistemas.
No entanto, o reconhecimento do fenômeno do aquecimento global e de suas consequências para o clima traz desafios para o MacroZEE da Amazônia no que se refere ao processo de planejamento e desenvolvimento de políticas públicas para a região, principalmente porque no Brasil, as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa estão relacionados ao uso e à mudança do uso da terra e florestas. De acordo com o 1º Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, este setor responde por 75% das emissões brasileiras de dióxido de carbono e o desmatamento na região Amazônica contribui com 59% das emissões líquidas provenientes da categoria conversão de florestas e abandono de terras manejadas
Em 2008, o governo Brasileiro lançou o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), com indicação de ações para a redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes das florestas e outros biomas, da agropecuária, energia, indústria, transportes, resíduos e saúde, além de estabelecer ações para adaptação à mudança do clima. Em 2009, a Lei no 12.187 instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima e estabeleceu os meios para implementar as ações voluntárias visando reduzir as emissões nacionais de gases de efeito estufa, de 36,1% a 38,9%, em relação às emissões de gases de efeito estufa a serem projetadas para o ano de 2020.
Neste contexto, as estratégias propostas pelo MacroZEE da Amazônia Legal convergem para alguns dos objetivos do PNMC, conforme as abaixo discriminadas:
É importante que seja tratada também a adaptação à mudança do clima, considerando-se previamente a identificação de impactos e o estabelecimento de medidas que diminuam a vulnerabilidade e aumentem a capacidade de resposta do sistema. Neste sentido, são estratégias do MacroZEE:
Cumpre ainda registrar que, historicamente, a política ambiental na Amazônia se baseou, sobretudo, em instrumentos de comando e controle e que, na atualidade, novas estratégias despontam como formas de desenvolvimento que valorizam os ecossistemas e o desenvolvimento sustentável na região, como Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
Esta estratégia pode potencializar o desenvolvimento da região amazônica de forma sustentável, visto que tem por base a conservação da biodiversidade, em especial das florestas, e a promoção de ações que reduzem o desmatamento.
Os serviços ambientais, de acordo com o Projeto de Lei no 792/2007, que institui a Política Nacional dos Serviços Ambientais e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, dizem respeito às funções ecossistêmicas imprescindíveis para a manutenção das condições ambientais e da vida - passíveis de serem restabelecidas, recuperadas, mantidas e melhoradas –, e que podem se constituir em serviços de provisão, de suporte e de regulação. O pagamento pelo serviço ambiental se dá por transação voluntária entre um beneficiário ou usuário dos serviços, denominado pagador, e um provedor de serviços ambientais, denominado recebedor.
De uma forma geral, os PSA existentes compreendem serviços ambientais associados à: (1) retenção ou captação de carbono; (2) conservação da biodiversidade; (3) conservação de serviços hídricos; e (4) conservação da beleza cênica. A Amazônia brasileira apresenta um grande potencial de oferta de serviços ambientais, principalmente, relacionados à biodiversidade e retenção de carbono em florestas naturais.
Independentemente da aprovação do referido projeto de lei, várias são as iniciativas em execução por prefeituras e particulares, inclusive na Amazônia.
Em uma linha diferente, uma estratégia inovadora diz respeito ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Este consiste na possibilidade de um país que tenha compromisso quantificado de redução ou limitação de emissões (Anexo I) adquirir reduções certificadas de emissão (RCEs, mais popularmente conhecidos como créditos de carbono) resultantes de projetos implementados em países em desenvolvimento como forma de auxiliar no cumprimento dos compromissos dos países do anexo I. Tais projetos devem implicar em reduções de emissões adicionais àquelas que ocorreriam na ausência do projeto, garantindo benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo para a mitigação da mudança do clima. Esse mecanismo tem duas funções:
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo tem especial importância para os países em desenvolvimento, tendo em vista que é o único mecanismo estabelecido no âmbito do Protocolo de Quioto que permite a participação voluntária significativa destes países. Cabe destacar que as atividades de projetos de MDL no setor florestal estão restritas ao florestamento e/ou reflorestamento, não cabendo a conservação de florestas.
· Apoiar ações que contribuam para aredução das emissões de gases de efeitoestufa provenientes da mudança no uso do solo,desmatamentos e queimadas, de acordo com os objetivos da PolíticaNacional sobre Mudança do Clima.· Promover projetos de aplicação doMecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e de pagamento porserviços ambientais. |
4.CARACTERIZAÇÃO E ESTRATÉGIAS DAS UNIDADES TERRITORIAIS
Na elaboração da primeira versão do Plano Amazônia Sustentável, em 2003, foi identificado um grande arco de povoamento mais denso em torno da floresta amazônica - via de regra chamado [Arco de Fogo] - de onde partiam três frentes de expansão para a floresta: do leste do Estado do Pará em direção à Terra do Meio, do norte do Estado do Mato Grosso rumo ao eixo da BR-163, no sudoeste paraense, e do norte do Estado de Rondônia e do noroeste do Estado de Mato Grosso para o sul do Estado do Amazonas.
No aprofundamento desta visão constata-se que a natureza tem o seu próprio zoneamento e que este está sendo profundamente desrespeitado. Do norte para o sul, em uma faixa diagonal que se estende, grosso modo, do Amapá ao Acre, sucede a floresta ombrófila densa - aqui chamadade coração florestal, que segundo o mapa de vegetação regional do IBGE encontra-se ainda bastante íntegra; a seguir sucedem-se a floresta ombrófila aberta e o cerrado. Detecta-se também que a expansão da fronteira agropecuária está se processando na área compreendida pela floresta ombrófila aberta - e não mais apenas no cerrado –, com os dados anuais do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes) indicando Pará, Mato Grosso e Rondônia como os Estados com as maiores proporções de desflorestamento.
Tendo, portanto, essa visão como ponto de partida, o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal procedeu a uma análise das transformações que ocorreram na região nos últimos anos, analisadas com dados atualizados e incorporando territorialidades até agora não consideradas na maioria dos Zoneamentos Ecológico-Econômicos - como as redes sociopolíticas e as redes urbanas –, resultando na divisão da Amazônia Legal em três grandes grupos de Unidades Territoriais, melhor descritas a seguir.
1.19.Territórios-rede
O arco do povoamento adensado, identificado em 2003, é, hoje, de povoamento consolidado. As Unidades Territoriais que o definem constituem territórios-rede, mas redes de vários tipos: naturais (fluviais); logísticas ou de infraestrutura; de transações (econômicas e políticas); de informação (infovias). As redes naturais e logísticas estão localizadas no território; as de transação e informação apóiam-se no território, mas agem no espaço virtual, conectando escalas. É a conectividade entre as redes que produz uma malha territorial integradora. A densidade e diversidade das redes variam muito no espaço em questão, resultando em níveis de consolidação diferenciados.
Caracterização da unidade
Este território-rede (Figura 3) está inserido na porção leste do Estado de Roraima e possui características que o diferenciam da Unidade Territorial do coração florestal, localizada ao sul. Tais características decorrem, sobretudo, de seu domínio morfoclimático, com duas estações climáticas bem definidas no ano - o inverno (período das chuvas, com pico nos meses de junho e julho) e o verão (período de estiagem, sobretudo entre dezembro e janeiro), em épocas opostas ao Hemisfério Sul –, relevo composto por planaltos ondulados de fraca declividade e escarpamentos setentrionais, como o Monte Roraima, e cobertura vegetal dividida em três grandes blocos: florestas (ombrófila densa, ombrófila aberta e estacional), campinaranas e campos gerais, denominados tecnicamente de savanas (estépicas e úmidas) e conhecidos na região como lavrados, formados por gramíneas e onde a presença de manchas de latossolos confere alto potencial para a agricultura.
Outra característica que distingue essa unidade, quando comparada ao coração florestal, é sua posição geopolítica regional, com maior conectividade econômica, social e cultural com o Caribe - favorecida por uma malha rodoviária em bom estado de conservação –, de fundamental importância para o Estado de Roraima. A rede viária tem como principal eixo a rodovia BR-174, que liga Manaus a Boa Vista e segue rumo à Venezuela, onde se conecta à malha rodoviária deste país e à costa do Caribe. De fato, o Estado de Roraima apresenta uma forte ligação com a Venezuela, país que detém a sexta maior reserva mundial de petróleo e que abriga um grande potencial hidrelétrico que abastece o Estado de Roraima com a energia gerada no complexo de Guri, na bacia do rio Caroni.
Uma bifurcação da BR-174 em Boa Vista estabelece um segundo eixo rodoviário (BR-401, passando pela cidade de Bonfim) em direção à Guiana, cujas atividades mais expressivas são a exploração da bauxita e da cana de açúcar. É intenso o fluxo de pessoas e de mercadorias rumo a esses países, configurando oportunidades de acesso ao mercado caribenho com o qual se vislumbra uma forte conexão no futuro, estimulada pelo estabelecimento das Áreas de Livre Comércio de Boa Vista e de Bonfim, em 2008, consideradas estratégicas para o desenvolvimento do comércio e consequente fortalecimento da economia do Estado de Roraima.
Outro fator de mudança e transformação é o desmatamento. Pode-se considerar que a região ainda não se encontra no centro das pressões sobre a floresta, mas é necessário que a exploração madeireira - principal produto da pauta de exportações do Estado - seja muito bem conduzida, por meio do manejo florestal e do extrativismo de produtos não madeireiros. É necessário equacionar o passivo ambiental da região, parte dele associado aos projetos de assentamento do Incra, localizados, em sua maioria, nas estradas vicinais das rodovias federais BR-174 e BR-401 e das rodovias estaduais RR-205, RR-170 e RR-203, nos quais a atividade agrícola de subsistência é acompanhada pela exploração da madeira como forma de melhorar a renda.
De modo geral, a região apresenta alta vocação para a agricultura, em especial do arroz, mandioca e milho. A produção de tomate e banana também é significativa, sendo que a laranja está presente em todos os municípios da região, com destaque para Mucajaí, Boa Vista e Bonfim. Entretanto, ainda é muito baixo o valor da produção, se comparado ao de outras regiões do País, com baixo padrão tecnológico e pequeno emprego de capital. O cultivo de arroz irrigado é uma exceção, com absorção de maior e melhor nível de tecnologia, resultando em uma produção de 111 mil toneladas em 2006 - 60% das quais exportadas, sobretudo para os estados do Amazonas, Amapá e Pará - e contribuindo para que a rizicultura responda por 10% do PIB do Estado de Roraima. Com a desintrusão da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, as grandes produções de arroz até então localizadas em seu interior estão sendo migradas para outras regiões do estado, já que os produtores detêm tecnologia e equipamentos adaptáveis em outras áreas.
O plantio da soja no Estado é recente e, ainda que as condições climáticas sejam favoráveis, dificuldades como a aquisição de insumos importados restringem o avanço da produção. A superação desse obstáculo, contudo, traz um alerta para a possibilidade de que pequenos agricultores possam ser expulsos de suas terras e procurem, como opção, a exploração de produtos florestais, acarretando um avanço sobre a vegetação nativa. Com vistas a evitar essa situação, deve-se orientar a expansão da soja para áreas já convertidas, a partir dos critérios estabelecidos pelo Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado e pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático da Cultura da Soja, elaborado pela Embrapa.
A atividade agropecuária concentra-se na porção sul do Estado e ocupa uma extensão de aproximadamente 44 mil km², com um rebanho aproximado de 400 mil cabeças. Desenvolve-se de forma extensiva e com baixo rendimento, em pequenas e médias propriedades, em pastos plantados e naturais. O gado é destinado para o corte e para a produção de leite, geralmente consumida nos arredores das fazendas.
Em termos numéricos, é marcante na estrutura fundiária da região a presença de minifúndios, com menos de 100 hectares; por outro lado, a concentração de terras é expressiva, com quase metade da área dos estabelecimentos agropecuários em somente 3% dos estabelecimentos. Apesar da falta crônica de financiamento, assistência técnica e extensão rural, a agricultura familiar responde pela maior parte da produção agrícola do estado, sobretudo do arroz, do feijão e da mandioca.
Boa Vista concentra cerca de dois terços da população do Estado de Roraima e a quase totalidade das atividades industriais desta unidade, baseada em pequenas indústrias de alimentos, bebidas, laticínios e calçados, bem como os ramos madeireiro e moveleiro e um variado comércio atacadista, que se beneficia do estreitamento das relações e da facilidade de acesso à Venezuela e à Guiana.
Outra característica marcante da região é a presença de vários povos indígenas, com diferentes níveis de integração à sociedade, como os Macuxi, os Wapixana, os Wai-Wai e os Waimiri-Atroari. Grande parte destes povos, que vive na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, apresenta alto grau de integração com a sociedade roraimense e está se organizando visando o turismo ecológico. É também nesta região (comunidade do Contão) que será instalada, futuramente, a primeira universidade índígena do Brasil, com currículo adequado ao desenvolvimento desta área indígena.
Contribuindo para a configuração de uma sociedade diversificada, deve-se mencionar também os intensos fluxos migratórios para o estado, iniciados na época do apogeu da exploração da borracha na Amazônia e retomados no início da década de 80, impulsionado pelos projetos de colonização e pelo interesse nos garimpos de ouro.
Estratégias propostas
As estratégias propostas para esta Unidade Territorial estão intimamente relacionadas às características físico-bióticas e ao processo de ocupação do Estado de Roraima.
Nas savanas estépicas, presentes no norte do Estado de Roraima e onde se localizam a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e o Parque Nacional do Monte Roraima, a atividade turística possui grande potencial, inclusive para o etnoturismo. O sítio arqueológico da Pedra Pintada, localizado no município de Pacaraima, é outro ponto turístico de grande beleza cênica, abrigando dezenas de pinturas rupestres. Para tanto, é necessária a implementação de um programa de desenvolvimento do turismo que estimule a divulgação dos pontos turísticos do estado, fortaleça a infraestrutura hoteleira da região e incremente as rotas de acesso aos principais destinos turísticos. Além disso, dotada de elevado potencial mineral (sobretudo de ouro e diamantes), faz-se necessário o aumento da fiscalização na região, de modo a impedir a presença de garimpos ilegais no interior das Terras Indígenas, ao tempo em que se busca a regulamentação da mineração em Terras Indígenas, conforme consta na Constituição. Também se apresenta como desafio a gestão desses territórios e sua organização política.
Na região das savanas úmidas, que concentra as mais expressivas atividades agropecuárias da região, grande parte da população rural é formada por agricultores que residem em estabelecimentos de pequeno porte, resultado do intenso processo migratório ocorrido nas décadas de 80 e 90. Nesse segmento, que sempre foi associado a uma agricultura migratória de derruba e queima, com pouca estabilidade territorial e diversidade agronômica, deve-se estimular a diversificação dos sistemas de produção, incluindo um programa de recuperação de áreas degradadas com foco nos sistemas de integração lavoura-pecuária, que permitem conciliar a produção animal e a produção de grãos em uma mesma área. Ademais, cabe ordenar a atividade madeireira e promover práticas de produção agrícola que causem menos impactos ao meio ambiente (a exemplo do cultivo mínimo, do plantio direto, do manejo de pragas, da rotação de culturas, etc.).
Nessa região, a piscicultura apresenta um grande potencial, sendo que os incentivos à produção conferem ao segmento (em especial o cultivo de tambaqui) um vasto potencial de crescimento, tanto para o mercado nacional como para o internacional. A região apresenta lagos ideais para a piscicultura, que pode ser desenvolvida com tecnologia de criação adequada, que reduza os riscos. A apicultura, ainda que não consiga atender atualmente o mercado consumidor local, tem apresentado significativo crescimento nos últimos anos e também se configura como uma atividade promissora, resultado da diversidade de formações vegetais nativas e do uso de equipamentos que possibilitam a produção do chamado mel orgânico.
Além disso, essa região apresenta um alto potencial para o desenvolvimento da fruticultura, destacando-se as culturas do abacaxi, do açaí, da acerola, da banana, do caju (castanha e polpa), do cupuaçu, da manga, do mamão, do maracujá e da uva, em sua maioria irrigadas. Registra-se também a possibilidade de instalação de uma fruticultura regional ainda não explorada comercialmente, mas com excelente potencial de desenvolvimento, como o buriti, a carambola, a goiaba, a graviola e o taperebá, que já despertam o interesse de empresários locais.
De modo geral, ainda é preciso promover a infraestrutura de processamento, armazenamento e escoamento da produção. Nesse sentido, além das áreas de livre comércio já criadas, está prevista a implantação de uma Zona de Processamento e Exportação em Boa Vista com o objetivo de estimular a instalação de indústrias na região, por meio do abono e da isenção de impostos para a exportação. Assim, e tendo em vista a posição interiorana de Roraima, a construção de um porto seco em Boa Vista para escoar a produção do Estado constituiria uma opção complementar ao processo de integração do Estado com a economia caribenha, contribuindo também para diminuir a atual dependência que a economia do Estado de Roraima tem do setor público - 80% das receitas do Estado são provenientes de transferências da União.
· Estimular a diversificação dossistemas de produção, incluindo o desenvolvimento deum programa de recuperação de áreasdegradadas com foco nos sistemas de integraçãolavoura-pecuária, que permitem conciliar a produçãoanimal e a produção de grãos em uma mesmaárea.· Ordenar a atividade madeireira no sul da regiãoe promover práticas de produção agrícolaque causem menos impactos ao meio ambiente (a exemplo do cultivomínimo, do plantio direto, do manejo de pragas, da rotaçãode culturas, etc).· Promover a cadeia produtiva da fruticultura,dotada de excelente potencial de desenvolvimento na região(buriti, carambola, goiaba, graviola e taperebá),acompanhada pela instalação de infraestrutura para oprocessamento, o armazenamento e o escoamento da produção.· Garantir a implantação de uma Zonade Processamento e Exportação em Boa Vista, com oobjetivo de estimular a instalação de indústriasna região através do abono e da isençãode impostos para a exportação.· Construir um porto seco em Boa Vista para escoara produção do Estado.· Implementar programa de desenvolvimento doturismo que estimule a divulgação dos pontosturísticos do Estado de Roraima (como a Terra IndígenaRaposa-Serra do Sol e o Parque Nacional do Monte Roraima),fortaleça a infraestrutura hoteleira da região eincremente as rotas de acesso aos principais destinos turísticos.· Aumentar as ações de fiscalizaçãona região para coibir a presença de garimpos ilegaisno interior de Terras Indígenas, ao tempo em que se busca aregulamentação da mineração nessasterras, conforme consta na Constituição. |
Caracterização da unidade
Trata-se de um território-rede (Figura 4) constituído pelas redes de estradas e de energia, bem como pelas redes da Vale e das capitais costeiras, sobretudo Belém, ou seja, redes logísticas, econômicas e sociopolíticas. Cabe registrar que é a unidade mais bem servida em energia e circulação.
Até recentemente denominada Companhia Vale do Rio Doce, antiga empresa estatal, hoje privada, a atual Vale é o agente de maior poder na organização territorial no norte-nordeste da Amazônia Legal, com forte influência nos Estados do Pará, Maranhão e Amapá, inclusive nas suas respectivas capitais estaduais.
Sua territorialidade fundamenta-se na atividade mineral, sobretudo do ferro e da bauxita, e numa logística intermodal de grande escala, que lhe garante controle de vasto território, além da possibilidade de diversificação de atividades - é hoje a maior empresa logística do País - e de exercer poder econômico no espaço global e poder político em nível local, estadual e nacional.
Cumpre registrar que a implantação deste sistema logístico intermodal pouco alterou o padrão primário de uma economia extrativista exportadora de matéria-prima. A insuficiência de uma política industrial culminou na organização de cadeias produtivas incompletas, com a maior agregação de valor ao minério ocorrendo no exterior, onde se encontra um menor custo de oportunidade. Em consequência, a despeito da Compensação Financeira pela Extração Mineral (Cfem) paga aos municípios, estados e União, o potencial de benefícios que a atividade poderia gerar para a região fica muito aquém do desejado.
A mineração da Vale é acompanhada por outras corporações estrangeiras na exploração da bauxita, por vezes em joint ventures, conformando um grande complexo mineral no Estado do Pará. A esse complexo mineral se associa a hidrelétrica de Tucuruí, necessária à produção de alumínio, a partir da alumina, que por sua vez é produzida a partir da bauxita. Foi com a exploração das minas de ferro e manganês de Carajás que a empresa se transformou em uma corporação transnacional com explorações em várias partes do globo e múltiplas parcerias estrangeiras. Acresce-se o grande número de autorizações de pesquisa mineral que a corporação possui na região, com possibilidade de futuras explorações.
Contudo, alguns benefícios indiretos da Vale para a região são importantes, tais como as vias de circulação, os portos fluviais e marítimos que acolhem navios oceânicos de grande porte e o crescimento de cidades e núcleos urbanos. Além disso, desde 2007 a empresa estabeleceu uma normativa de que não mais venderia minério a guseiras que não atendessem as legislações ambiental e trabalhista, o que deverá conter a explosão desse segmento siderúrgico. Por último, a Vale anunciou, em 2008, um projeto de investimento de US$ 5 bilhões até 2012 para a criação de um polo siderúrgico no Estado do Pará. A maior parte dos recursos, US$ 3,3 bilhões, será destinada para a construção de uma usina siderúrgica com capacidade de produção de 2,5 milhões de toneladas de aço ao ano, em Marabá, que deve entrar em operação nos próximos quatro ou cinco anos. Essa produção será voltada ao mercado interno e incluirá não apenas a produção de aço bruto, mas itens como bobinas a quente, chapas grossas e tarugos.
As regiões metropolitanas de Belém (com 2,15 milhões de habitantes, segundo as estimativas populacionais do IBGE para 2009) e de São Luís (1,27 milhão) e a aglomeração urbana de Macapá (478 mil) têm suas dinâmicas associadas em grande parte - mas não somente –, à logística da Vale, como portos fluviais e marítimos de suas cadeias produtivas. Outrora única metrópole da Amazônia Legal, Belém passou a dividir essa posição com Manaus, sendo hoje ainda uma metrópole, mas com influência em território muito menor, basicamente restrita ao próprio estado. Suas redes seguem o traçado dos grandes eixos de circulação. Sob influência da Belém–Brasília (BR-010), segue pela rodovia PA-150 para o sul até Redenção, através de Marabá; para oeste segue por duas vias: pela Transamazônica (BR-230), até Altamira e Itaituba, e pelo vale do Amazonas até Santarém e, daí, pela BR-163 até Novo Progresso, onde divide sua influência com Cuiabá, via Sinop; para o norte, estende sua influência até Macapá, centro regional classificado com o mesmo nível de Santarém e Marabá. São Luís, embora não seja metrópole, e sim capital regional, exerce forte influência sobre Imperatriz e todo o oeste e sul maranhense.
Assim, da combinação das redes logísticas da Vale, das empresas de mineração transnacionais, das cidades e da grande presença de produtores familiares no eixo da Transamazônica, resulta a atual configuração e dinâmica territorial diversificada, a seguir indicada.
1) CADEIAS PRODUTIVAS DA ATIVIDADE MINERAL
a) Cadeias da bauxita - alumina - alumínio em Oriximiná, Juruti e Paragominas
A cadeia principal, mais antiga, tem origem em Oriximiná, operada pela Vale, por meio da Mineração Rio do Norte: aí acontece a lavra da bauxita e seu beneficiamento primário, de onde segue, por via fluvial a partir de Porto Trombetas, distrito de Oriximiná, até o porto de Vila do Conde, em Barcarena, onde as empresas da companhia Alunorte e Albrás transformam a bauxita em alumina e alumínio primário, respectivamente; parte da bauxita de Oriximiná também é exportada por via marítima e transportada para outros municípios, inclusive para São Luís, onde está localizada a Alumar, empresa da Alcoa.
A Alcoa, corporação transnacional estrangeira presente na região, implantou recentemente imensa exploração de bauxita em Juruti, na fronteira do Estado do Pará com o Estado do Amazonas, devendo utilizar a mesma rota de escoamento da produção.
Além disso, a cadeia da bauxita foi ampliada recentemente com um novo ramal, pequeno, mas inovador: o concentrado de bauxita produzido em Paragominas é transportado até Barcarena, em forma de polpa, através de um mineroduto de aproximadamente 230 km de extensão. Essa inovação no transporte de minérios não se restringe à bauxita, sendo estendida ao caulim produzido também no Estado do Pará.
b) Cadeia do ferro em Carajás
O ferro é o recurso mineral mais importante de Carajás, uma das maiores reservas minerais do planeta. Sua cadeia é mais complexa: na mina o minério é explorado, britado e peneirado; em seguida é transportado pela Estrada de Ferro Carajás até o terminal de Ponta da Madeira, no porto oceânico de Itaqui, de propriedade da Vale, de onde parte é exportada ou transformada na usina de pelotização de São Luís. Ao longo do trajeto ferroviário há outros suprimentos na cadeia: são pontos de desembarque de minério de ferro para guseiras e embarque de ferro-gusa para Itaqui, localizados em Marabá, Açailândia, Santa Inês e Bacabeira, que se constituem também em núcleos residenciais.
A produção de ferro-gusa a partir do minério de ferro e do carvão vegetal produzido com base em fornos de carvoejamento é, até hoje, a atividade de maior valor agregado na região. Como se pode inferir, a cadeia do ferro-gusa é ao mesmo tempo causa e consequência do desmatamento para a obtenção de madeira, iniciado quando da época das políticas de governo para ocupação da região, com o aproveitamento dos restos para a produção de carvão vegetal e seu consumo pelas siderúrgicas do local.
Em 1997, após sua privatização, a Vale obteve a concessão de transporte de cargas e passageiros pela Estrada de Ferro Carajás, movimento que ganhou intensidade com sua conexão à Ferrovia Norte-Sul, de Açailândia à Estreito, no Maranhão, já operando atualmente até Guaraí, no Estado de Tocantins. A partir de então, é crescente a exportação da soja produzida no sul do Estado do Maranhão e do Estado do Piauí, no Estado do Pará e no leste do Estado do Mato Grosso pela ferrovia, e tem-se prevista também sua conexão à ferrovia Transnordestina, em Estreito.
c) Cadeia do ferro, ouro e caulim no Estado do Amapá, em substituição à antiga cadeia do manganês na Serra do Navio
Explorado até o final dos anos 1990 pela Indústria e Comércio de Minérios (Icomi), o manganês produzido na Serra do Navio constituiu-se como uma das mais importantes atividades econômicas do Estado do Amapá. Depois de extraído e submetido a um beneficiamento primário na mina, o minério de manganês era exportado pela Estrada de Ferro do Amapá até o porto de Santana, onde funcionou uma usina de pelotização. Esgotado o manganês, as jazidas de ferro e ouro da Serra do Navio passaram a ser exploradas pela Vale, utilizando-se a Estrada de Ferro do Amapá para escoamento, mas não mais pelo porto da Icomi e, sim, pelo porto da empresa Amapá Florestal e Celulose S.A. (Amcel), também no município de Santana.
Atualmente, a produção de caulim no município de Vitória do Jari pela empresa Caulim da Amazônia S.A (Cadam), subsidiária da Vale, é a atividade mineral de maior expressão no Estado do Amapá, representando 32% da produção brasileira.
A atividade mineral destaca-se nesta Unidade Territorial por constituir ilhas de crescimento econômico independentes da influência de Belém, fortemente dependentes dos recursos oriundos da Cfem - em um grande número de casos superior ao orçamento municipal - e das demandas por bens e serviços das empresas mineradoras e de seus empregados. Em síntese, esses enclaves da mineração na floresta ombrófila densa atuam com autonomia própria, tanto sob o aspecto político quanto econômico.
Contudo, esse crescimento econômico localizado nem sempre se dá sobre bases sustentáveis, devido, principalmente, a dois fatores: o acesso às vezes restrito da comunidade local às infraestruturas, bens e serviços criados para atender as demandas da mineração, e a inexistência de um planejamento de médio e longo prazo, que garanta a continuidade desse crescimento econômico, associado à inclusão social e à preservação ambiental, para a fase posterior ao fechamento da mina. Tal foi o caso da exploração mineral na Serra do Navio e, caso não se tome as medidas apropriadas, poderá ser o caso dos núcleos de exploração de bauxita em Oriximiná e em Juruti, ambos no Pará.
2) REDES E TERRITORIALIDADES DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DAS CAPITAIS
a) Comércio e serviços
O povoamento denso da faixa costeira dos Estados do Pará e Maranhão - com presença expressiva de assentamentos do Incra na proximidade das capitais, sobretudo em São Luís –, sustenta importantes redes comerciais e de serviços em Belém e São Luís e o crescimento de numerosos núcleos urbanos em seus entornos. Fluxos comerciais de longa distância alimentam igualmente o comércio das capitais: Belém recebe bovinos de Santarém e da Transamazônica, bovinos e milho da frente de São Félix do Xingu e milho e leite do nordeste paraense. Para São Luís (Itaqui) converge a grande produção de arroz e milho do próprio Estado e, em menor escala, a produção de soja do sul do Estado e do Estado de Tocantins.
b) Madeira
Menção especial deve ser feita a Belém como centro de produção de madeira em tora. Extenso arco florestal dispõe-se ao redor da cidade, estendendo-se desde o extremo norte da fronteira com o Estado do Amapá até o nordeste do Estado do Pará, onde se registra intensa exploração madeireira predatória. Destacam-se, sobretudo, os municípios de Monte Alegre e Almeirim, no Estado do Pará, sendo que no segundo, ao lado do manejo florestal realizado pelo Grupo Orsa, perdura a extração madeireira predatória em plena floresta ombrófila densa.
Traço marcante do nordeste do Estado do Pará, as áreas degradadas pelo uso inadequado da agricultura e da pecuária, para abastecimento de Belém e das áreas produtoras de seringa, desde a época do boom da borracha, são hoje foco de atração para plantações de dendê que, iniciadas com a Agropalma, registram a implantação de uma nova empresa, a Biopalma, com essa finalidade.
c) Pesca e aquicultura
Se as cadeias e redes logísticas e de transação superaram a histórica rede fluvial do rio Amazonas, esta ainda é importante via de circulação e, no estuário do grande rio, permanece forte a cultura paraense vinculada ao rio.
Neste particular, o destaque da pesca e da aquicultura, especialmente da primeira, é percebido histórica e massivamente em toda a zona costeira e ribeirinha, corroborada pelas estatísticas de produção dos Estados do Maranhão, Pará e Amapá, que congregam cerca de 20% do total da produção pesqueira nacional e têm mais de 33% dos quase 800 mil pescadores nacionais cadastrados.
Esta pesca, multiespecífica ou orientada, tem forte escoamento para as capitais, especialmente Belém, onde o processamento, ainda que não plenamente terminal, é feito objetivando diversos mercados, inclusive internacionais. Registra-se que no Estado do Amapá há expressiva evasão de divisas pesqueiras para frotas e mercados guianenses. A pesca amadora e a pesca ornamental, esta bastante alinhada à exportação, também constituem cadeias cada vez mais expressivas e, em certo grau, geradoras de conflitos.
d) Santarém
A territorialidade de Santarém, maior município do interior do Estado do Pará e centro regional, se expressa no crescimento da cidade e na organização de uma área de influência dinâmica contemporânea, graças à sua posição estratégica em relação a antigas e novas atividades. Fundada há mais de três séculos e situada na calha sul do rio Amazonas, Santarém cresceu devido à sua função de porto fluvial exportador de madeira e pescado, além de ponto de articulação entre Belém e Manaus.
A colonização do Incra implantada ao longo da Transamazônica, na década de 70, e vários outros projetos nos arredores de Santarém animaram seu crescimento comercial, então estagnado. Mas é a estrada Cuiabá-Santarém e sua frente agropecuária que fizeram crescer a importância estratégica de Santarém, hoje com cerca de 280 mil habitantes. A simples notícia de asfaltamento da estrada tem atraído migrantes para o município e a Cargill estimulou o plantio de soja mediante a construção de um porto graneleiro e o financiamento de produtores que implantaram esta lavoura no planalto de Santarém.
e) Quebradeiras de coco babaçu
A territorialidade das quebradeiras de coco babaçu é expressiva no Estado do Maranhão, onde cerca de trezentas mil pessoas vivem da extração do produto, das quais 90% são mulheres.
A expansão da atividade agropecuária, com a implantação de monoculturas e pastagens, tem gerado um aumento significativo do desmatamento e dos conflitos de interesse relacionados à utilização dos babaçuais, inclusive em Unidades de Conservação oficialmente reconhecidas. Mais recentemente, tem vindo da siderurgia uma forte ameaça para o extrativismo do babaçu: para suprir a grande demanda de carvão da atividade, tem sido produzido carvão a partir do coco babaçu sem a extração da amêndoa, o que inviabiliza os outros usos do produto e desarticula a forma tradicional de produção. Adicionalmente, a forma extremamente predatória e indiscriminada com que é feita a coleta dos frutos pode se configurar em ameaça para a espécie vegetal e tem causado preocupação a entidades ligadas ao setor ambiental. Ademais, a coleta é feita por trabalhadores sem afinidade com o extrativismo tradicional, o que instala um conflito com as quebradeiras de coco, que ficam privadas do recurso natural. Como agravante, as siderúrgicas não possuem capacidade de plantio e de reposição florestal que dê sustentação à cadeia produtiva.
Conflitos fundiários e ambientais estão presentes, na verdade, em toda essa Unidade Territorial. Os maiores conflitos, associados ao desflorestamento e à apropriação ilegal da terra, ocorreram entre os anos de 1970 e 1985 no nordeste do Estado do Pará e em torno de Carajás, entre posseiros nordestinos e fazendeiros e empresas do Sudeste-Sul. Hoje, estes conflitos têm forte incidência na área da Transamazônica, por onde avançam frentes comandadas por Belém, e na área de influência da rodovia Cuiabá-Santarém.
Há também conflitos de terra envolvendo a atividade mineral. Embora a Constituição Federal de 1988 faça diferença entre a propriedade da terra e do subsolo, este último pertencente à União, esses conflitos às vezes afloram quando se inicia a exploração mineral. Assim foi em Carajás, assim ocorre hoje em Ourilândia do Norte, de onde são deslocados colonos para outras áreas, sob forte indignação.
Por fim, em relação ao aproveitamento do petróleo, está prevista a instalação da Refinaria Premium I da Petrobrás, que quando em pleno funcionamento, previsto para 2015, será a maior refinaria da empresa, a maior da América Latina e uma das maiores do mundo. A refinaria será instalada no município de Bacabeira, no Estado do Maranhão, localizado 50 km ao sul de São Luís, em ponto estratégico da rodovia BR-135 e da Estrada de Ferro Carajás.
Estratégias propostas
Uma agenda bipartida é necessária nessa unidade, visando tanto o mercado externo quanto as condições de vida da população regional, mas condicionada à inovação, à industrialização e à regulação. Frente à alta de preços dos minérios no mercado internacional, retomada após a crise mundial de 2008, veio à tona a questão do modo de organização da mineração. Um novo quadro regulatório está em discussão, envolvendo questões tributárias, de royalties, formas de aplicação dos recursos gerados e novas regulamentações sobre como se dará as autorizações e concessões minerais, beneficiando os interesses nacionais.
Para que a atividade mineral beneficie a região, devem ser estabelecidas, pelo menos, as seguintes políticas: (1) industrialização in loco de parte da produção, mediante a implantação e expansão de siderúrgicas, de outras indústrias da transformação mineral e considerando que a comercialização destes produtos com outras regiões e com o exterior demandará ajustes no sistema de transporte; (2) planejamento integrado, articulando as cadeias com o contexto local, promovendo a diversificação da economia local, incluindo o desenvolvimento florestal e a diversificação produtiva de alimentos, e evitando-se, assim, a dependência excessiva de uma única atividade; (3) utilização de novas fontes de energia, além da hidrelétrica, aproveitando-se os potenciais locais e evitando-se os subsídios; e (4) proibição da venda de minérios a segmentos industriais que utilizam carvão vegetal de mata nativa além dos limites da reserva legal, em especial as guseiras.
Tais condições aplicam-se também a todos os projetos minerais, energéticos e rodoviários previstos para a Amazônia Legal e Sul-americana. Considera-se que o Plano Duo-Decenal (2010-2030) da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Ministério de Minas e Energia, em elaboração, configura-se em uma oportunidade de mudanças estratégicas na política mineral do País e é desejável que seus resultados sejam traduzidos em efetivo desenvolvimento para a região amazônica, que merece usufruir do fantástico potencial de recursos minerais existentes na região.
De fato, os recursos minerais, vitais para os Estado do Pará e Amapá, desde que utilizados em novas bases, podem compor um extenso polo mínero-metalúrgico, correspondente às cadeias das corporações hoje presentes e a outras que se formarem eventualmente. Belém e São Luís devem ser equipadas para tirar partido da inovação industrial integradora como gestoras do território transformado, além de poderem usufruir das oportunidades decorrentes de suas posições geográficas, que abrem possibilidades de ações marítimas.
Para o Estado do Amapá, a industrialização do minério e da bioprodução (que não deverá ficar restrita aos produtos da floresta e deve incluir, também, a pesca marinha) pode fortalecer a economia e conferir maior autonomia ao estado, com o apoio, inclusive, da construção de um porto offshore para escoamento desta produção, hipótese esta já cogitada pelo governo estadual.
No nordeste do Estado do Pará, onde o governo paraense empenha-se na recuperação da atividade florestal com campanhas como o projeto Um Bilhão de Árvores, a floresta ombrófila densa destruída deve ser replantada, inclusive com espécies nativas de alto valor comercial, como o mogno e o paricá, cabendo às corporações, também, essa obrigação, mediante um sistema de parceria com os produtores familiares, atestando a efetiva responsabilidade socioambiental dessas corporações.
Iniciativa de recuperação da qual já participa a Vale é a terceirização da plantação de dendê, de agricultores familiares. Essa plantação, contudo, deve estar sujeita aos limites da área estabelecida pelo Zoneamento Agroecológico da Palma de Óleo, sob o risco de expandir-se a produção pela derrubada de florestas.
Pode-se ainda adotar uma reserva legal de 50%, visto que é possível reduzi-la de 80% para 50%, para fins de recomposição, se ZEEs elaborados na escala de 1:250.000 ou maiores assim o determinarem. Neste sentido, também se faz necessário investir na produção e adoção de fornos de carvoejamento mais eficientes e seguros, superando as formas atuais de produção em benefício de um modelo ambientalmente sustentável e socialmente includente.
Devem ainda ser aprofundados os estudos para avaliar a viabilidade da produção de carvão a partir das cascas de coco babaçu para suprimento da siderurgia. Do ponto de vista ambiental, a valorização do carvão das cascas de babaçu apresenta-se como oportunidade, pois além de diminuir a pressão sobre os recursos madeireiros, a coleta do coco não depende da derrubada das palmeiras. Do ponto de vista social e econômico, poderia ser uma alternativa para a valorização da cadeia produtiva do babaçu, desde que houvesse a inserção produtiva da população extrativista, com a geração de emprego, renda e justa repartição dos benefícios decorrentes. Ademais, e visando o fortalecimento do extrativismo vegetal, reveste-se de fundamental importância para as quebradeiras de coco babaçu a criação de sistemas de produção e comercialização em maior escala, por meio do incentivo ao associativismo e das organizações locais, que busquem, além do mercado interno, as exportações.
Há ainda duas outras ações de grande potencial para enriquecer as cadeias produtivas da região: a primeira é ampliar o uso da biomassa da floresta manejada, principalmente seus resíduos, de forma que o carvão vegetal venha a ser apenas um de seus muitos produtos; e a segunda é favorecer investimentos nas siderúrgicas da região para que possam produzir aço, não apenas ferro-gusa, e bens acabados, como chapas e perfis laminados. É preciso pensar na cadeia do aço verde (aço produzido a partir do uso de carvão vegetal de florestas plantadas), sob uma perspectiva de larga escala: embora não se possa descartar a possibilidade de uso de outras fontes de carvão vegetal (como o coco babaçu, por exemplo), a madeira permite um número maior de desdobramentos que podem, inclusive, alcançar a indústria moveleira. É importante ressaltar que também há, para esse setor, oportunidades de elaboração de projetos no âmbito do MDL. Recursos adicionais das finanças de carbono poderiam incentivar o estabelecimento de cadeias produtivas sustentáveis, e o uso sustentável de carvão vegetal como matéria-prima renovável poderia ser ampliado na região.
A pesca e a aquicultura - bem como sua vertente marinha, a maricultura - configuram-se como extremamente favoráveis à região, pela diversidade de ecossistemas e pelas crescentes demandas relativas à segurança alimentar, à diversificação da produção e à geração de emprego e renda. De fato, a pesca e a aquicultura responsáveis, a partir do manejo e de tecnologias sustentáveis, inclusive com a produção de rações alternativas, protagonizam excelente alternativa de produção de alimentos e divisas.
Por fim, a região do rio Tocantins, ao leste do Estado do Pará e oeste do Estado do Maranhão, constitui uma ecorregião bastante devastada, com aproximadamente 80% de sua formação vegetal original já desmatada ou degradada. Por outro lado, abriga importantes espécies da fauna e flora amazônicas e, dessa forma, a recuperação dos passivos ambientais e a preservação dos remanescentes florestais, habitat dessas espécies, deve ser promovida.
· Garantir o planejamento integrado da atividademineral, articulando as cadeias com o contexto local, promovendo adiversificação da economia local (incluindo odesenvolvimento florestal e a diversificação daprodução de alimentos) e evitando-se, assim, adependência excessiva da atividade mineral.· Aprofundar a discussão acerca da criaçãode um novo marco regulatório para a mineração,envolvendo questões tributárias, royalties, formasde aplicação dos recursos gerados e novasregulamentações sobre como se dará asautorizações e concessões minerais,beneficiando os interesses nacionais.· Promover a industrialização inloco de parte da produção mineral, mediante aimplantação e expansão de siderúrgicas,de outras indústrias da transformação minerale considerando que a comercialização destes produtoscom outras regiões e com o exterior demandaráajustes no sistema de transportes.· Favorecer investimentos para que as siderúrgicasda região possam produzir aço, não apenasferro-gusa, e bens acabados, como chapas e perfis laminados.· Aprofundar os estudos para avaliar a viabilidadeda produção de carvão a partir das cascas decoco babaçu para suprimento da siderurgia, promovendo ainserção produtiva da populaçãoextrativista, com a geração de emprego, renda ejusta repartição dos benefícios decorrentes.· Estimular a formação da cadeia doaço verde (aço produzido a partir do uso de carvãovegetal de florestas plantadas), sob uma perspectiva de largaescala, o que permitiria, inclusive, fomentar a indústriamoveleira.· Estimular a adoção de fornos decarvoejamento mais eficientes e seguros, superando as formasatuais de produção em benefício de um modeloambientalmente sustentável e socialmente includente.· Proibir a venda de minérios a segmentosindustriais que utilizam carvão vegetal de mata nativa Art. 22 - Readequação dos sistemas produtivos do Araguaia-Tocantins Caracterização da unidade Em duas áreas localizadas no cerrado, separadas apenas por estreita faixa de Unidades de Conservação e Terras Indígenas ao longo da fronteira entre os Estados de Mato Grosso e Tocantins, expande-se a pecuária e, de forma ainda fraca, a lavoura da soja. Compõem uma extensão situada entre as áreas de maior produtividade da pecuária no Estado do Pará e da soja no Mato Grosso; mais afastada dos grandes eixos de circulação rodoviária e de redes urbanas, só agora vêm sendo incorporada às cadeias dessas atividades neomodernizadas (Figura 6). Nesta Unidade Territorial existe uma diferenciação físico-biótica e das formas de uso e ocupação entre as áreas mais elevadas, situadas nos interflúvios das duas bacias e suas bordas, e a porção central relacionada ao vale do Araguaia, uma extensa faixa de região pantaneira, nos limites estaduais entre Mato Grosso e Tocantins, também conhecida como Pantanal do Araguaia. Essa é uma das maiores áreas alagáveis da América do Sul, com superfície muito próxima à área do Pantanal do Paraguai e onde situam-se a Ilha do Bananal, algumas Unidades de Conservação, Terras Indígenas e comunidades tradicionais, como os retireiros do Araguaia, com aptidão regular para pastagens naturais. No Estado do Mato Grosso, a expansão da pecuária dá-se na porção nordeste do Estado, ao longo da BR-158, entre o Parque do Xingu e a fronteira com o Estado do Tocantins, abrangendo tanto as áreas altas como a área pantaneira, comandada pelas cidades de Vila Rica - núcleo urbano situado no extremo nordeste do estado, no limite com o Estado do Pará –, Confresa e São Félix do Araguaia, região com baixa densidade populacional e segundo menor IDH mato-grossense. A pecuária extensiva é responsável pelos principais impactos ambientais nas áreas do Pantanal do Araguaia. Barra do Garças recolhe densos fluxos de bovinos originários da região, principalmente de Vila Rica, que destina também fluxos para Sorriso e, em menor escala, para Sinop. Esses fluxos indicam uma expansão comandada pelo centro-sul de Mato Grosso e também pelo sudeste do Pará, passando por Santana do Araguaia e Redenção, ligando as duas áreas e engrossando a cadeia da pecuária mato-grossense. O sentido da expansão sugere a busca da ferrovia Norte-Sul e/ou da Ferronorte. Nessa região, a ocupação obedeceu a diferentes cronologias, quanto ao grau de consolidação da fronteira; desta forma, apresenta características produtivas muito diversificadas. Possui uma rede urbana estruturada a partir do centro regional de Barra do Garças, que se caracteriza como um polo de média especialização das funções urbanas, associadas às médias densidades de equipamentos e estabelecimentos, e do subcentro de Nova Xavantina. A economia de Barra do Garças, situada na região sudeste do Estado de Mato Grosso, tem uma forte presença da agropecuária, base da economia regional, e conta ainda com limitada atividade de extração mineral e um movimento turístico regional, sob influência do rio Araguaia. A rodovia BR-158 e a MT-326 constituem o principal eixo estruturador da região. As demais rodovias do sistema viário regional não possuem pavimentação, com destaque para a MT-100 e a MT-326. Salienta-se que grande parte dessa região (porção centro-norte), devido à precária estrutura viária e à sua débil articulação com centros urbanos mais dinâmicos, principalmente com as capitais estaduais, são condicionantes que contribuem de forma decisiva para a baixa ocupação do território. As relações sociais e econômicas predominantes são com os Estados do Pará e, principalmente, Goiás. Quanto aos aspectos econômicos, destaca-se na região a presença de grandes estabelecimentos, fruto da ocupação histórica, representados por grandes fazendas de gado. A existência de dois ambientes bem característicos na região, um mais vinculado ao ambiente florestal de domínio amazônico e outro associado às planícies de inundação do rio Araguaia, subordina a exploração/manejo pecuário a um patamar de transição, onde estão presentes os condicionamentos específicos desses dois ambientes, ou seja, nas áreas florestais predomina a pecuária tradicional (propriedades dedicadas à cria, recria e à engorda do gado), enquanto nas áreas de inundação do Araguaia a atividade pecuária típica é a cria de gado. Assim, o baixo desenvolvimento da pecuária encontra-se associado, sobretudo, às limitações impostas pelo ambiente natural e à utilização de manejo pouco tecnificado e sob pastagens naturais, o que tem mantido a cobertura vegetal nativa relativamente conservada. A ocupação na bacia do Xingu caracteriza-se predominantemente por pastagens plantadas, secundariamente por agricultura em pequenas propriedades, além de áreas de retirada seletiva da madeira, sendo essa alteração mais notória nas proximidades das cidades de São José do Xingu e Santa Cruz do Xingu. Destaca-se a presença de pequenos produtores, fruto da colonização e de projetos de assentamento rural pelo Incra, o que se constituiu em um processo importante na dinâmica de ocupação do território, muito intenso na década de 90. A atividade agrícola continua pouco expressiva, sendo caracterizada pelo cultivo de lavouras tradicionais, voltadas para a subsistência do pequeno produtor, com índices de produtividade bastante baixos. Nessa porção, são muito deficientes as estruturas de apoio à produção, considerando os serviços de comercialização, armazenamento, agroindustrialização, cooperativismo, crédito rural e assistência técnica rural. Porém, essa realidade atualmente começa a ter um novo desenho, com o surgimento da cultura do milho e principalmente da soja, com utilização de manejo desenvolvido e uma estrutura de suporte e apoio à produção relativamente adequada. Essa nova realidade está presente numa área que compreende, principalmente, os municípios de Santa cruz do Xingu, Vila Rica, Confresa, Cana Brava do Norte, Porto Alegre do Norte, Querência, Bom Jesus do Araguaia e Ribeirão Cascalheira, no Estado de Mato Grosso. As atividades urbanas nas sedes municipais de São Félix do Araguaia, Luciara, Santa Terezinha e Novo Santo Antônio, que se localizam na planície do Araguaia, são de baixa intensidade. Sobressai-se a cidade de São Félix do Araguaia, pela importância do comércio atacadista. No contexto de atendimento às demandas sociais, São Félix do Araguaia destaca-se por sediar várias instituições públicas sociais como a Comissão Pastoral da Terra, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Prelazia, que desenvolve um importante trabalho em prol da população menos favorecida, e na resolução de conflitos sociais relacionados à questão fundiária. É uma região bastante precária em termos de condições de vida da população; com exceção do município de Barra do Garças, os demais apresentam indicadores baixos, apontando que o condicionante do próprio isolamento de grande parte da região, talvez seja o principal fator dessa realidade, mostrando a necessidade de implementação urgente de políticas públicas capazes de reverter tal situação. No Estado do Tocantins, a pecuária se renova no sudeste-sul do Estado sob impulso da atividade em Goiás, usufruindo da presença da rodovia BR-153 (Transbrasiliana), onde a cidade de Gurupi, nela situada, é o principal centro da rede nesta faixa do estado. Seguindo para norte, ainda no eixo da BR-153, a cidade de Paraíso do Tocantins polariza a cadeia do oeste tocantinense, no Vale do Araguaia. Outros centros menores, como Peixe, no eixo da BR-242, exercem funções subsidiárias, sendo destino de uma também pequena cadeia pecuária originária da fronteira do Estado com a Bahia, constituída de vários núcleos urbanos. Na reconfiguração da rede urbana do Estado do Tocantins, deve ser citada a constituição do novo centro administrativo do Estado - Palmas. A logística, a infraestrutura e a aglomeração populacional de Palmas e de sua área de influência - Porto Nacional, Paraíso do Tocantins e Miracema do Tocantins –, produz um rearranjo produtivo regional, que promove estímulos para a expansão das atividades agropecuárias voltada ao fornecimento de bens e serviços básicos para o atendimento de sua população local e microrregional. Vislumbra-se também, localmente, o aporte a empreendimentos de maior uso de capital e tecnologia, como aqueles associados a produção de grãos, para usufruir da proximidade geográfica com os intermodais ferroviário, rodoviário e hidroviário que estão sendo implantados no território tocantinense no sentido norte-sul. Nas porções sudeste e sudoeste do Estado - vinculadas a ambientes de dobramentos proterozóicos e que enfrentam problemas sazonais de estiagem, embora guardem no subsolo importantes reservas de água - estão em curso ações voltadas para promover a expansão de atividades agrícolas irrigadas, notadamente frutas e grãos, bem como para fomento do agronegócio vinculado aos biocombustíveis. De forma geral, tais atividades visam criar condições para a utilização plena das potencialidades regionais, considerando-se a diversificação produtiva, o estímulo à formação de arranjos produtivos e a inserção competitiva à dinâmica econômica regional e nacional, acompanhados pelo planejamento estratégico dos recursos hídricos da região visando seu aproveitamento em bases sustentáveis. Assim como no Estado do Mato Grosso, a base econômica é pouco dinâmica, com indicadores econômicos e sociais abaixo da média do estado. A produção é apoiada na pecuária extensiva, associada a cultivos de subsistência. A região recebe influxos econômicos oriundos dos Estados da Bahia e Goiás. A ocupação regional remonta ao ciclo do ouro, possuindo comunidades tradicionais remanescentes do período - quilombolas e núcleos urbanos pouco dinâmicos, que até pouco tempo usufruíam certo isolamento. Esta distância está sendo paulatinamente reduzida a partir da implantação de estruturas de circulação viária e produção de energia. Está em construção um conjunto de ações que visam a perenização de rios por meio de eixos barráveis; a ampliação da infraestrutura hídrica está ainda vinculada ao estabelecimento de um projeto de irrigação no Rio Manuel Alves, no município de Dianópolis, que busca estimular a fruticultura em nível regional. Quanto à soja, avança nas chapadas que fazem divisa com o Estado da Bahia. O sudoeste do Estado do Tocantins está delineado pela planície aluvial do Araguaia. Como marco da atividade agrícola regional tem-se o projeto de irrigação Formoso, criado em 1979 pelo então governo do Estado de Goiás para ser uma célula de desenvolvimento regional, com o aproveitamento das várzeas irrigáveis do Vale do Araguaia. Localizado no município de Formoso do Araguaia, o projeto Formoso possui uma área total de 29 mil hectares. Hoje, há a necessidade de recuperação e revitalização total do empreendimento. A cultura principal é o arroz produzido por subirrigação. Na entressafra cultiva-se soja, melancia, milho. Apesar do destaque da produção agrícola no contexto estadual, a pecuária é atividade de grande relevo espacial, aproveitando-se da favorabilidade natural à expansão de gramíneas. A rede urbana possui poucos centros ativos, estando subsidiária à cidade de Gurupi. Ainda no Vale do Araguaia, na porção oeste do Estado a pecuária bovina também é atividade destacada. Nesta área, as atividades de apoio à atividade agropecuária são mediatizadas pela cidade de Paraíso do Tocantins, enquanto os fluxos mais dinâmicos são conectados ao Estado de Goiás por meio da BR-153. Apesar da importância econômica, a expansão da fronteira agrícola, em alguns casos, promoveu impactos negativos a ecossistemas naturais mais frágeis, como aqueles vinculados a áreas úmidas e localmente conhecidos como [ipucas] [24]. Por fim, é bem diversa a situação dos Estados de Mato Grosso e Tocantins quanto à presença de assentamentos. Bastante expressivos no nordeste de Mato Grosso, são dispersos e muito pequenos no sul do Estado de Tocantins, sinalizando para maiores conflitos no Estado de Mato Grosso. Entretanto, nos últimos anos projetos de reforma agrária promoveram a implantação de vários assentamentos no oeste do Estado de Tocantins, especialmente nos ambientes ecotonais da Ilha do Bananal e do Cantão, com a consequente supressão da biodiversidade local. Há outros conflitos ambientais, sobretudo o cerco e invasão de terras nas nascentes do rio Xingu, nas bordas do Parque Nacional de mesmo nome, onde já se registram fluxos de bovinos. No contexto geral, trata-se, portanto, de uma Unidade Territorial desprovida de integração interna entre as redes de infraestrutura, de serviços e de comércio, que apenas começa a se inserir em segmentos de cadeias produtivas, configurando-se como um território-rede. Estratégias propostas Áreas povoadas que estão sendo incorporadas às atividades modernas - no caso a pecuária e a soja –, não constituem uma fronteira, visto que esta denominação refere-se às áreas de baixa densidade demográfica para onde avançam o povoamento e as atividades econômicas. Trata-se aqui, de uma readequação produtiva, isto é, a substituição de atividades estagnadas por outras, mais rentáveis. A questão é saber se as novas atividades são as melhores para o desenvolvimento da unidade. É difícil colocar um freio à expansão da pecuária, mas deve-se pelo menos exigir que seja feita em moldes melhorados, e não extensivos. E quanto à soja no sul do Estado de Tocantins, melhor seria implementar uma produção diversificada e industrializada, aproveitando-se o grande potencial de energia que o Estado possui, destacando-se a UHE Lajeado e a UHE Peixe Angical. A agropecuária é a base do dinamismo da economia desta unidade, concentrando a produção e as exportações em produtos de baixo valor agregado. Esta característica da economia regional diminui o impacto econômico e social das exportações e torna o território vulnerável a flutuações internacionais de demanda e preços das commodities. Diante disso, um planejamento estratégico deve promover a readequação da estrutura produtiva e a agregação de valor aos produtos regionais, além do fortalecimento e diversificação da agropecuária e do extrativismo, dos assentamentos de reforma agrária, da agricultura familiar e da pequena agroindústria. O turismo sustentável pode ser uma importante alternativa para contribuir com a dinamização da economia local. Destacam-se como potenciais para a atividade os aspectos de beleza cênica do Pantanal do Araguaia e da Ilha do Bananal, e do Parque Estadual do Cantão (ao norte da Ilha do Bananal). Assim, é indicado o aproveitamento racional dos aspectos cênicos do Pantanal do Araguaia e do rio das Mortes para o turismo, principalmente, de suas praias (proximidades de São Félix, Luciara, Santa Terezinha e Novo Santo Antônio), das praias de Caseara e Araguacema, no rio Araguaia, e a manutenção e/ou melhoria de seu estado geral de conservação. Destaca-se ainda o complexo aluvial do rio das Mortes, com feições ecológicas específicas que requerem ações conservacionistas para garantir a manutenção das formações ripárias e áreas significativas da vida silvestre, e restrições à ocupação das chamadas áreas úmidas do vale do Araguaia, visando à preservação de fragmentos florestais naturais ecotonais, os [ipucas]. Em termos de aporte à infraestrutura viária, cita-se a necessidade de consolidação de um corredor de transporte intermodal no território tocantinense, de forma a permitir a interligação norte-sul do País. Neste sentido, convergem ações para (1) a implementação da hidrovia do Estado do Tocantins que passa pela conclusão das eclusas de Tucuruí e Lajeados, já iniciadas, e a construção da eclusa de Estreito, simultaneamente com as obras da usina; (2) a finalização das obras da ferrovia Norte-Sul e (3) a interligação dos pátios ferroviários e dos portos fluviais ao sistema rodoviário, mediante o planejamento integrado das redes logísticas previstas para a região. Além disso, são necessárias ações para consolidar um sistema de circulação que permita uma efetiva conectividade às redes urbanas e produtivas dos Estados de Mato Grosso e Tocantins. Ainda é importante considerar que a conformação desse extenso território-rede, associada à abrangência de três importantes bacias hidrográficas da Amazônia - dos rios Xingu, Araguaia e Tocantins - indica sua riqueza em recursos hídricos e as peculiaridades de cada bacia diante do processo de ocupação e suas pressões sobre esses potenciais. Sua porção mato-grossense agrega ambientes de elevadas potencialidades/fragilidades hídricas, como as nascentes e planícies do rio Xingu e as extensas áreas úmidas da planície fluvial do rio Araguaia. As primeiras configuram o leque do Xingu, às quais se associam vastas áreas de florestas aluviais sobre solos arenosos e hidromórficos, e que têm grande expressividade, principalmente na porção sudoeste desta unidade, nos municípios de Água Boa, Canarana, Ribeirão Cascalheira, Querência e São José do Xingu. O eixo estratégico de uso sustentável dos recursos naturais deve articular, assim, um conjunto de ações que possam reduzir as pressões antrópicas da expansão da economia, contribuindo para a conservação do meio ambiente e reorientando o modelo de aproveitamento das riquezas naturais. As condições hídricas desta Unidade requerem estratégias específicas para a sistematização e definição de políticas para a preservação desse recurso, dentre as quais - de acordo com o Plano Estratégico da Bacia Hidrográfica dos rios Tocantins e Araguaia, formulado pela Agência Nacional de Águas-ANA - podem-se mencionar a criação de um colegiado gestor de recursos hídricos, dado que a falta de articulação institucional constitui uma das principais fragilidades da região; a definição de um pacto para regular a alocação da água e fomentar a irrigação considerando a sustentabilidade hídrica; e a instalação de um programa de saneamento básico para aumentar o acesso da população à água e ao tratamento de esgotos sanitários, universalizando os serviços de coleta e disposição de resíduos sólidos em aterros. De forma complementar, o Plano Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso elegeu três estratégias prioritárias para a região, a serem apoiadas pelas políticas federais de recursos hídricos: (1) desenvolvimento e implementação de instrumentos de gestão de recursos hídricos, tais como o cadastro de uso e usuários de recursos hídricos, a atualização e integração do cadastro de fontes potencialmente poluidoras, a elaboração de planos de bacias hidrográficas, o sistema de informações sobre recursos hídricos, a outorga de direitos de uso, a fiscalização, o estudo e o enquadramento dos recursos hídricos e a estruturação e implementação do acompanhamento e monitoramento do Plano; (2) desenvolvimento tecnológico e capacitação, considerando estudos sobre o potencial de geração e transporte de cargas poluidoras de origem difusa e pesquisas visando o manejo e a disposição de efluentes de atividades agrícolas e industriais; e (3) articulação institucional de interesse à gestão de recursos hídricos com o setor de geração hidrelétrica, visando a preservação dos usos múltiplos dos recursos hídricos e a implementação de conservação do solo e água e recomposição das matas ciliares em microbacias.
- Regulação e inovação para implementar o complexo agroindustrial Caracterização da unidade Em linhas gerais, essa região, que abrange grande parte do território do Estado de Mato Grosso, apresenta atividades econômicas diversificadas e assentamentos humanos estruturados, com infraestrutura de apoio à produção relativamente eficiente e um setor de serviços e de comércio bem desenvolvido (Figura 7). Contudo, na atualidade, esse espaço adquire importância marcante por sua participação no processo geral de transformação territorial do Brasil e, especificamente, naquele afeto às mudanças ocorridas no uso da terra, no qual a expansão/intensificação da agropecuária acaba determinando, em grande parte, a dinâmica econômica e demográfica desta região. De fato, no contexto amazônico, a agropecuária capitalizada - e não a agroindústria, na medida em que o processamento da produção com maior valor agregado dá-se fora da região - está altamente concentrada no Estado de Mato Grosso. Considerando-se os principais produtos agrícolas, a lavoura da soja está altamente concentrada no Estado de Mato Grosso em duas áreas: (1) no sul, nos municípios em torno de Rondonópolis, cidade que é o destino da maioria dos fluxos estaduais e de onde a produção é encaminhada para as indústrias localizadas em São Paulo e para exportação em Santos e Paranaguá; (2) nos municípios situados no centro-oeste do Estado, dispostos em extensa faixa horizontal, cuja produção tem vários destinos além de Rondonópolis, tais como Sinop, Sorriso - importantes centros de armazenamento - e, em menor escala, Cuiabá. De Sinop, também se destina para São Paulo e Santos. Seu avanço para o norte do Estado é barrado por condições geológicas de afloramentos rochosos e relevo montanhoso e, no Pará, pela excessiva umidade. Sua expansão dá-se, assim, por áreas planas de cerrado e áreas de vegetação alterada e menos úmida. Em direção a oeste, a lavoura caminha para o sul de Rondônia, cujos fluxos destinam-se a Cáceres. Sua extensão para nordeste do Estado de Mato Grosso prossegue pelo sudeste do Estado do Pará - destinando-se a Marabá - e para o Estado de Tocantins, cuja produção se destina à Imperatriz e São Luís. Pequena área isolada, cuja produção é diretamente exportada para o exterior, ocorre no planalto de Santarém, onde está instalado o porto graneleiro da Cargill. O fundamento básico do agronegócio da soja é a grande logística. Como regra, as corporações estrangeiras não investem em bens imóveis, como a terra, terceirizando a produção, financiando os produtores, investindo em redes de armazéns para recolhimento da produção e comprando vagões ferroviários para acelerar os fluxos. O Grupo Amaggi, nacional, diferencia-se por investir também na compra e arrendamento de terras. O plantio de algodão herbáceo segue aproximadamente o mesmo padrão da soja, porém em menor escala, concentrando-se no sul e em alguns municípios da faixa central, porém com descontinuidades. O grande centro algodoeiro é Rondonópolis, que recolhe fluxos de ambas as áreas, daí destinados à cidade de São Paulo e, secundariamente, ao porto de Santos. A expansão do algodão na região é bem restrita ao Estado de Mato Grosso, só reaparecendo na fronteira do Tocantins com a Bahia. A produção de milho capitalizada segue o padrão da soja e do algodão, com os fluxos destinando-se à Cuiabá e, em menor escala, para Rondonópolis, de onde seguem para São Paulo e Santos. A do arroz apresenta grandes diferenças: não é significativa no sul do Estado de Mato Grosso, mas estende-se por muito mais ampla área do que a daqueles produtos, envolvendo o [nortão] do estado, com produção menos intensiva, e destinando-se ao consumo local de Cuiabá, Sorriso e Sinop. A agroindústria da soja tem organização muito diversa à da pecuária. O cerne de sua produção está inserido em grandes cadeias nacionais, das quais participa como segmento organizado cujos fluxos seguem para a indústria localizada em São Paulo e/ou para exportação através de Santos e Paranaguá, não formando cadeias nesse território. Em áreas novas, grande parte da produção de soja converge, formando uma cadeia que envolve transporte por caminhão até a hidrovia do Madeira, por onde segue para o porto graneleiro de Itacoatiara e, finalmente, para o porto de Santarém. É uma cadeia incompleta, porque destinada à exportação sem agregação de valor, porém independente do Estado de São Paulo. Já a produção de milho está organizada tanto em fluxo para a exportação como para o consumo local, enquanto a do arroz somente em redes sub-regionais para o consumo local. Quanto à pecuária, distribui-se por todo o estado, num grande cerco à área central de domínio da soja e com cadeias organizadas em várias regiões do Estado de Mato Grosso, destacando-se Juara, Pontes e Lacerda, Cáceres e Barra do Garças. Não se verificam grandes fluxos externos a partir desses polos, significando que são destinados, em sua maioria, aos 51 frigoríficos sediados na região e, destes locais, exportados diretamente. Há, portanto, um processo de organização de cadeias produtivas da pecuária bovina no estado, envolvendo áreas produtoras - antigas e novas - cujos fluxos volumosos e densos destinam-se sobretudo à capital do estado, perpassando outras cidades. A logística de transporte que oferece suporte ao agronegócio baseia-se principalmente no sistema rodoviário, destacando-se dois eixos de interligação regional: as rodovias BR-364 (Cuiabá-Porto Velho) e BR-163 (Cuiabá-Santarém), atravessando alguns dos mais dinâmicos municípios agrícolas do Estado de Mato Grosso. A acelerada expansão desse conjunto de atividades, sobretudo da agricultura tecnificada, se expressa na criação e/ou crescimento de cidades modernas e dinâmicas, formando hoje um outro conjunto policêntrico na Amazônia Legal. A porção de consolidação mais antiga, polarizada pelos municípios de Cuiabá e Várzea Grande, é pouco significativa em termos de sua produção primária, destacando-se pela estrutura agroindustrial que concentra grande parcela da capacidade de armazenamento e as principais unidades processadoras da região, com frigoríficos, beneficiadoras de cereais, principalmente de soja, e grande número de laticínios. Também se constitui no principal centro prestador de serviços do Estado de Mato Grosso, contando ainda com estradas de boa capacidade de tráfego para escoamento da produção e intercâmbio com os demais municípios da região e do estado. Os municípios de Sinop, Sorriso, Tangará da Serra e Diamantino, por sua vez, têm sua estrutura produtiva baseada na agricultura moderna de grãos, desenvolvida com uso intensivo de tecnologia e capital, associadas predominantemente aos médios e grandes estabelecimentos. A posição estratégica, ao longo da rodovia BR-163, confere a Sinop e Sorriso uma função de polarização regional, possibilitando a concentração de algumas agroindústrias (serrarias, laticínios, usinas de álcool e beneficiamento de arroz) e indústrias domiciliares de caráter local e regional. A área de influência de Rondonópolis é a segunda maior do estado, em termos econômicos e demográficos, sendo a rede urbana constituída pelo centro regional de Rondonópolis e pelo subcentro de Primavera do Leste. Sua estrutura produtiva baseia-se na agricultura moderna de grãos, estando associada aos médios e grandes estabelecimentos, não sendo, no entanto, desprezível a parcela de pequenos estabelecimentos rurais em seu contexto. Destaca-se como segundo polo industrial e centro de serviços do estado, constituindo também um importante centro de logística e distribuição, que conta com estradas com boa capacidade de tráfego para escoamento da produção e intercâmbio regional, possibilitando o acesso à Goiânia e a Campo Grande. Vale registrar a presença de consórcios municipais, nova forma de organização de agentes sóciopolíticos na Amazônia, em que se sobressai o Estado de Mato Grosso. Enquanto a maioria dos Estados da Amazônia Legal tem apenas uma associação, o Mato Grosso tem várias, com a Associação Mato-Grossense de municípios envolvendo quinze consórcios intermunicipais, que buscam unir esforços para atrair investimentos e se inserir no agronegócio, zelando pelo desenvolvimento local em meio às poderosas territorialidades do agronegócio. Como suporte ao avanço dessas atividades, a base do capital natural da região caracteriza-se pela homogeneidade das paisagens dos extensos planaltos centrais do Estado de Mato Grosso - Parecis, Guimarães e Taquari-Alto Araguaia –, onde se observa o predomínio do cultivo de grãos nos chapadões e da pecuária extensiva nos segmentos mais rebaixados, em ambientes que apresentam características de relevo muito favoráveis à mecanização e ao plantio em extensas áreas. Os solos desses ambientes, considerados inaptos para atividades agropecuárias por longo tempo, foram incorporados ao processo produtivo só a partir da década de 70, em decorrência, principalmente, das pesquisas da Embrapa que possibilitaram reverter suas características químicas naturais por meio de adubações e correções adequadas, que associadas às excelentes características físicas levaram a obter os elevados índices de produtividade que caracterizam essa região. Também é característica desta região, nas áreas de planalto, a presença de extensos arcos de nascentes, onde se concentram importantes áreas de recarga de aquíferos das bacias Amazônica, Platina e do Tocantins-Araguaia. O Planalto dos Parecis, por exemplo, configura-se como o mais extenso divisor de águas entre as bacias Amazônica e Platina, destacando-se em Mato Grosso, como tributários da Bacia Amazônica, os contribuintes do Alto Xingu, Alto Teles Pires, Arinos e Juruena, e, na vertente Platina, as nascentes dos formadores dos rios Paraguai e Guaporé. Contudo, se por um lado as atividades econômicas ligadas ao agronegócio têm gerado muitas riquezas e empregos para o estado, por outro têm levado à degradação de certos aspectos naturais de difícil recuperação, especialmente da flora, do solo e dos recursos hídricos. As áreas de planaltos utilizadas de forma intensiva para produção de grãos, com sistemas de alto nível tecnológico, são ambientes naturais de savana e floresta bastante diversificados, fato desconsiderado quando da implantação de grandes áreas com monocultivos, definindo paisagens homogêneas do ponto de vista biológico. É preciso observar, também, a presença de extensas manchas de solos arenosos nos segmentos mais rebaixados dos planaltos, que impõem limitações ao uso agrícola, e de solos hidromórficos nas amplas planícies aluviais dos cursos d’água que drenam a região, de baixa fertilidade e importância estratégica para a manutenção do ciclo hidrológico. Destacam-se, também, nas bordas dos planaltos dos Parecis e dos Guimarães, áreas de elevada fragilidade, onde a base de recursos naturais é limitada e as fragilidades naturais elevadas em função de aspectos como: substrato rochoso friável, com elevado potencial à erosão concentrada; solos com elevada suscetibilidade à erosão, decorrente do grau de desagregabilidade, da estrutura, da profundidade e da baixa relação entre infiltração e escoamento de águas pluviais; escarpas e modelado do relevo marcado pela elevada dissecação da rede de drenagem e declividades muito elevadas das vertentes; cobertura vegetal de floresta e de contato de formações florestais e savânicas ainda com potencial biótico considerável, porém muito alteradas pelo uso e manejo inadequados; tipos de cobertura vegetal, como áreas de culturas anuais e de pecuária extensiva, com limitada capacidade de proteção do solo. Por fim, nesta região, dados de 2005 da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer) contabilizam a existência de 563 comunidades tradicionais, com 17.830 famílias, 222 assentamentos de reforma agrária, sendo 165 do Incra, com 18.806 famílias, e 57 do estado, com 3.867 famílias. Assentados ou não, os produtores familiares enfrentam grandes dificuldades para se manterem em atividade, sendo levados, muitas vezes, a venderem suas propriedades e deixarem o campo. Diante deste quadro, é claro que as possibilidades de inserção econômica num mercado mais ampliado demandam adequações aos condicionantes de natureza ambiental, social e logística. Diante deste quadro, é claro que as possibilidades de inserção econômica num mercado mais ampliado demandam adequações aos condicionantes de natureza ambiental, social e logística. Estratégias propostas Voltada essencialmente para a exportação, a atividade agropecuária desenvolvida na região exige a regulação e a inovação de seus processos, produtos e da distribuição de riqueza que promove. O termo regulação se refere, aqui, a sujeitar-se a certas regras, em conformidade com as normas já estabelecidas, tendo em vista o dinamismo e a sustentabilidade das atividades econômicas. Com a atual crise financeira mundial, que afetou a exportação das commodities, a região vem apresentando uma ligeira redução na produção de determinados produtos agrícolas, tornando ainda mais importante a necessidade de se avançar rumo à formação de um complexo agroindustrial que intensifique e agregue valor à produção e que envolva, também, a diversificação de sua base produtiva. Domínio da produção de grãos, particularmente da soja mediante uma agricultura mecanizada, graças à revolução tecnológica no setor de pesquisas agropecuárias e à extensão de grandes eixos de transporte, a agropecuária capitalizada do Estado de Mato Grosso tem, no entanto, como ponto frágil, a infraestrutura viária. A Ferronorte, uma das poucas iniciativas para solucionar o problema, não o conseguiu, tendo a questão se amenizado, em parte, pela hidrovia do rio Madeira, ainda que a carência de meios eficientes para o escoamento da produção não se resuma aos grandes corredores de exportação, referindo-se também à escassez de uma malha viária efetiva que conecte internamente o território. Para a solução das carências locais - que se não resolvidas podem comprometer a consolidação do complexo agropecuário mato-grossense - deve-se dar ênfase à articulação dos grandes projetos de infraestrutura logística do Governo Federal às políticas de desenvolvimento do estado. Além disso, é patente a necessidade de diversificar a produção frente às oscilações do mercado internacional, sendo a primeira e básica ação nesse sentido a implantação de indústrias em locais estratégicos, realizando no Estado o que é feito hoje em São Paulo e/ou no exterior. A estruturação de um polo de produção de insumos, rações e fertilizantes, próximo às regiões produtoras, e o estabelecimento de uma política para a implantação de indústrias de base que forneçam o maquinário e as peças necessários às atividades da região, por exemplo, devem ser estimulados. O uso de técnicas modernas, como o plantio direto na palha e o controle integrado de pragas, tem contribuído para promover o uso racional de agrotóxicos e reverter a compactação de solos agricultáveis e a perda de seus nutrientes; a ocorrência de erosão e o aumento da carga de sedimentos, que provocam o assoreamento das drenagens; o rebaixamento do lençol freático; e o ressecamento de nascentes, com alterações no regime hídrico que têm levado, inclusive, a processos de arenização, muito semelhantes aos que ocorrem no sul do Brasil. No que pese os avanços das inovações, ainda persistem áreas que apresentam baixo nível de adoção tecnológica e, portanto, incorrem nos problema relatados, como nas áreas com predomínio de pastagens, onde o desmatamento normalmente alcança as margens dos cursos d’água, o que afeta a qualidade da água e interfere fortemente na biota aquática, seja pela redução de nutrientes retidos pela mata ciliar, seja pelo pisoteio do gado e pela introdução direta de dejetos de animais no corpo hídrico. Para a pecuária, sugere-se o melhoramento e a intensificação da criação, inclusive para o abastecimento do mercado de consumo regional, com a industrialização avançada da carne e do couro, priorizando o financiamento para sistemas pecuários intensivos. Aproveitando-se do quadro de mercados locais dinâmicos e de polos de processamento conjugados a canais de escoamento da produção, a indicação de instalação de cadeias produtivas da aquicultura sustentável parece ser também recomendável nesta unidade. Afinal, assentados, indígenas e pequenos produtores rurais têm demandado cada vez mais o desenvolvimento desta atividade como alternativa de produção, garantia de segurança alimentar e promoção da inclusão social. Não há como esquecer, também, os potenciais turísticos representados pela beleza da Chapada dos Guimarães, dos lagos cristalinos de Nobres e do potencial de águas termais da serra de São Vicente. Os maiores problemas nessa Unidade, contudo, são de ordem social e ambiental, decorrentes da rápida expansão da agropecuária, onde se pode observar o avanço sobre as áreas de preservação permanente e reserva legal exigidas em cada propriedade, afetando as reservas de água. Há ainda a pecuária ilegal que avança sobre as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação da região. Severa legislação e fiscalização e um amplo pacto social terão que ser feitos para coibir o desmatamento ilegal e para recuperar os mananciais, recompor as matas ciliares, sustar as invasões a Terras Indígenas e Unidades de Conservação e promover os mecanismos de controle da ANA para o uso da água na irrigação agrícola, cada vez mais adotada nos sistemas produtivos da região. Situações que demandam, em suma, políticas especiais quanto aos recursos de solos e água, orientando as formas de ocupação e dos sistemas de manejo para que a exploração dos recursos seja adequada à capacidade de suporte do ambiente. No caso dos recursos hídricos, por exemplo, a importância estratégica dos arcos de nascentes das bacias Amazônica, Platina e do Tocantins-Araguaia presentes nesta Unidade Territorial, onde também se concentram importantes áreas de recarga de aquíferos e de manutenção das águas superficiais de tais bacias, levou o Estado de Mato Grosso a definir uma Política Estadual de Recursos Hídricos, expressa no Plano Estadual de Recursos Hídricos, que prioriza estratégias, diretrizes, programas e projetos estruturados em três eixos de ações: desenvolvimento e implementação de instrumentos de gestão de recursos hídricos; desenvolvimento tecnológico e capacitação; e articulação institucional de interesse à gestão de recursos hídricos, conforme já descrito na Unidade Territorial anterior. Também nesse contexto, as áreas de elevada fragilidade em relação a solos e relevo requerem estratégias de ocupação, exploração dos recursos e aplicação de sistemas de manejo compatíveis às suas limitações e fragilidades, tendo em vista a sustentabilidade das atividades nelas realizadas, tendo como principais estratégias o desenvolvimento de programas de recuperação de áreas degradadas, de controle de erosões, de alocação e adequação de rodovias e estradas rurais em posições corretas na paisagem, principalmente não cortando cabeceiras, e de recomposição de áreas de preservação permanente. É fundamental que em qualquer obra viária neste planalto se estabeleça procedimentos de contenção das águas pluviais, altamente desencadeadoras de processos erosivos.
- Ordenamento e consolidação do polo logístico de integração com o Pacífico Caracterização da unidade Essa Unidade Territorial (Figura 8) tem em comum a forte presença de pequenos agricultores familiares e de produtores agroextrativistas - herança da malha criada pela colonização do Incra –, de povos e comunidades tradicionais e de povos indígenas, fortemente afetados por outro elemento comum, a expansão da exploração madeireira e da pecuária que, no Estado do Acre, restringe-se ao eixo da rodovia BR-317, no leste do estado. Tal expansão é continua à que se dá no norte do Estado do Mato Grosso e sul do Amazonas, com a associação entre a exploração madeireira e a pecuária indicando que a expansão da fronteira agropecuária está se dando em toda a extensão da floresta ombrófila aberta, e não mais apenas no cerrado, formando um cinturão madeira-boi em torno da floresta ombrófila densa. Diferenças, contudo, são grandes entre os dois estados. No Estado do Acre, excetuado o leste pecuário, que se especializa como área de criação extensiva tanto para consumo interno quanto para outros mercados, o Estado busca consolidar a floresta como base da vida e da economia, expresso no modelo do [Governo da Floresta]. Vem-se fortalecendo a exploração do látex e da castanha do Brasil, ao lado do fomento ao manejo florestal madeiro e não madeireiro, e nele surgiu um fato novo: a organização comunitária para o manejo florestal madeireiro, inclusive com certificação. A separação entre a economia de base florestal e a agropecuária, ao contrário do que ocorre em outras áreas da Amazônia, onde as duas atividades se associam, tem garantindo a presença do ecossistema florestal neste estado. Em Rondônia, pelo contrário, associam-se a exploração madeireira e a pecuária com intenso desflorestamento, configurando uma fronteira em expansão, à semelhança do norte do Estado de Mato Grosso, com intensa pressão sobre as Unidades de Conservação e as Terras Indígenas locais. O Estado alcançou recentemente o maior percentual de área desmatada em relação ao seu território na Amazônia Legal (cerca de 28,50%), ocupou o terceiro lugar no crescimento do rebanho de bovinos e o segundo lugar na proporção cabeças de gado/habitante (7,66) e no número de frigoríficos presentes em seu território, dezoito. A maior intensidade da atividade reside na fronteira com o Amazonas, extravasando para o sul daquele estado. Porto Velho é o principal destino dos fluxos de bovinos dessa área, mas as cidades dispostas ao longo da BR-364 também são centros de destino, principalmente Ji-Paraná, que articula outra rede de curtos, porém densos fluxos. Ao lado da pecuária para produção de carne, desenvolve-se produção leiteira expressiva pelos agricultores familiares (que respondem, de fato, por aproximadamente 80% da produção leiteira do estado), estimulados pelo crédito do Governo Federal e pela chegada no Estado da indústria leiteira do Sul do País. Localizada no centro do Estado e na sua fronteira com o Estado do Mato Grosso, a pecuária leiteira de Rondônia estende um amplo arco leiteiro que se prolonga pelo sudoeste e sudeste do Estado do Mato Grosso e que segue, ainda que de forma tímida, pelo sudeste do Estado do Pará, onde predomina a pecuária de corte. A bacia leiteira tem como centro de destino Ji-Paraná, mas dois longos fluxos de leite articulados à bacia são estranhos à região: um destina-se ao Estado de São Paulo e o outro é proveniente de Palmas. A colonização também assegurou a presença marcante da agricultura no Estado de Rondônia, pouco representativa no Estado do Acre. Mas a grande diferença entre os dois estados decorre do impacto da logística no Estado de Rondônia, que já conta com o grande eixo rodoviário implantado nos anos setenta e que se configura hoje como importante polo logístico, com redes de vários tipos. Dado seu potencial florestal e energético e sua posição estratégica na fronteira com a Bolívia, e o Estado de Rondônia vem sendo objeto de novas políticas públicas que atraem grandes investimentos e, também, fortes impactos sociais e ambientais. Embora não explicitados, os projetos estão articulados à Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana, em termos de produção de energia e de abertura de vias de circulação. É o caso da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no rio Madeira, da intensificação da circulação fluvial neste rio, já transformado em hidrovia, da construção do gasoduto Urucu-Porto Velho e da recuperação de rodovia BR-319 (Porto Velho–Manaus). Prevê-se também um projeto de construção da usina binacional de Ribeirão, em Nova Mamoré. Porto Velho - transbordo dos produtos provenientes do Polo Industrial de Manaus (por via fluvial) e destinados ao mercado interno brasileiro, e dos carregamentos de soja provenientes de Mato Grosso (via rodovia) e embarcados por via fluvial para o porto de Itacoatiara, no rio Amazonas, com destino ao mercado internacional - constitui-se, assim, em centro do novo polo logístico no extremo oeste do País, irradiando efeitos por toda a Amazônia brasileira e sulamericana. Ademais, a logística de transporte planejada para integrar a Amazônia sul-americana também prevê grandes investimentos em território acreano, sobretudo graças à rodovia para o Pacífico, a ser inaugurada em 2010, que acessará os portos de Ilo e Matarani, no Peru, e de Arica, no Chile. Ainda no Estado do Acre, o asfaltamento da rodovia BR-364 e o reequipamento de Cruzeiro do Sul sinalizam para a articulação com a IIRSA, uma vez que representará uma integração rodoviária com o Peru pela parte oeste do estado. As oportunidades geradas por esta nova logística promoveram uma forte migração para o Estado de Rondônia - sobretudo para Porto Velho - e já se verificam impactos colaterais negativos, como a disputa pela terra e o desflorestamento, provocado pela abertura de uma nova frente de expansão que parte de Madre de Dios e de Pucallpa, no Peru. No que tange à dinâmica fronteiriça, merece destaque também o crescimento dos fluxos de brasileiros que trabalham ou migram para o lado boliviano (legal ou ilegalmente) em decorrência do preço mais barato da terra, da abertura de frentes de trabalho vinculadas à exploração da madeira e da baixa restrição à extração madeireira no país vizinho. A contextualização da problemática ambiental dessa extensa faixa ocidental da Amazônia Legal está intrinsecamente relacionada, portanto, ao processo de ocupação promovido pelo projeto oficial de colonização em torno da BR-364 e seu extravasamento por áreas contíguas, com sério risco de potencialização em decorrência dos empreendimentos previstos. Em decorrência das transformações deste espaço, a natureza vem respondendo por meio da retomada dos processos de degradação da paisagem, que vão desde escoamentos laminares até voçorocamentos. Testemunha-se, também, o acelerado assoreamento dos fundos de vales e dos canais de drenagem, como, por exemplo, no rio Javari (que alimenta a represa Samuel), no rio Ji-Paraná, no rio Cautário, no rio Comemoração e no próprio rio Madeira. Os solos, por sua vez, naturalmente frágeis por sua história de formação, passam a apresentar alto percentual de erosão, ao ficarem expostos diretamente à ação das águas pluviais, em decorrência do desmatamento. O aumento de espaços abertos tende a provocar também a diminuição progressiva das taxas de infiltração de água nos solos e, com isso, tem-se a diminuição das taxas de recarga dos aquíferos. Ademais, a degradação ecológica provoca o desencadeamento de uma série de doenças, que passam a ter caráter epidêmico recorrente, seja nas zonas rurais ou nas urbanas, como a malária. Estratégias propostas Conforme descrito anteriormente, não só a exploração madeireira e a pecuária caracterizam essa região. Considerando a grande diversidade de atores presentes, há necessidade de ampliar e complementar as políticas de fomento à agricultura familiar em bases agroecológicas, incentivando-se os pequenos produtores a desenvolverem cultivos perenes com espécies nativas (seringueira, castanha-do-brasil, pupunha, guaraná, cacau) e exóticas (banana, café, laranja, mamão, maracujá, manga e pimenta-do-reino). Para tanto, torna-se essencial (2) formular políticas e mecanismos visando criar e adequar linhas de crédito às espeficificidades dos sistemas agroflorestais, (2) implementar políticas de fomento à agroindustrialização de produtos, visando o mercado regional, nacional e internacional, (3) criar mecanismos específicos de proteção à produção familiar, com o fomento do cooperativismo, e (4) realizar campanhas voltadas ao manejo florestal de produtos madeireiros e não madeireiros, inclusive de produtos medicinais, assim como a valorização da floresta para fins de manutenção dos serviços ambientais que prestam. As políticas de recuperação ambiental e de incentivo aos sistemas agrícolas e agroflorestais sustentáveis devem ter como foco prioritário as grandes áreas desmatadas e degradadas existentes na região, inclusive com o estímulo à conversão dos sistemas de pecuária extensiva em sistemas sustentáveis de pecuária, incluindo tecnologias como pastagens consorciadas com leguminosas, sistemas silvopastoris e melhoramento genético do rebanho. Os grandes laticínios devem ser parceiros na implantação destas políticas, responsabilizando-se por ações de apoio aos produtores, como distribuição de sêmen e assistência para a formação de capineiras, dentre outras. Além disso, vigorosas políticas públicas estão criando um verdadeiro polo logístico. Implantam-se ou propõem-se novas redes de circulação e de energia no Estado de Rondônia (hidrelétricas no rio Madeira, que já constitui uma hidrovia; estrada Porto Velho-Manaus; gasodutos Urucu-Porto Velho e Coari-Manaus) e Acre (rodovia Transoceânica), articulando o Programa de Aceleração do Crescimento com os projetos da IIRSA, sobretudo os eixos Amazonas e Peru-Brasil-Bolívia. Se a logística é necessária ao desenvolvimento da região, deve, por outro lado, ser adequada à sua especificidade. Se intervenções não forem realizadas de forma articulada, inclusive entre diferentes esferas de Governo, é muito provável a ocorrência de impactos, tanto do ponto de vista social quanto do ponto de vista ambiental, além do risco de descolamento da realidade local. É necessário avançar em um planejamento integrado dos grandes empreendimentos previstos para a região, que contemple a consideração plena da sustentabilidade ambiental do conjunto de empreendimentos. Vale citar iniciativa do Ministério dos Transportes, que iniciou a estruturação da metodologia necessária para aplicar a avaliação ambiental estratégica em seu planejamento e pretende que todos os futuros empreendimentos no setor de transportes sejam apreciados sob uma ótica mais ampla de impactos sinérgicos e globais, o que certamente contribuirá para a diminuição dos problemas ambientais causados com a intervenção estatal apenas na fase de implementação das ações. Os projetos da IIRSA devem ser compatibilizados às diretrizes do PAS, prevendo as necessárias medidas mitigadoras dos impactos a eles associados, de forma a evitar a aceleração da degradação ambiental não só da Amazônia, mas também dos Andes e do Cerrado frente à forte atração de migrantes e aos impactos diretos e indiretos em áreas que detêm espécies únicas e vulneráveis, além da possibilidade de aumento das emissões de dióxido de carbono, via desmatamento. Portanto, é preciso (1) melhorar o processo de avaliação dos projetos; (2) antecipar a criação de áreas protegidas a partir da identificação de áreas estratégicas e vulneráveis; (3) promover a geração de renda a partir dos serviços ambientais prestados pelas comunidades locais, pautados na promoção de uma economia com base florestal sustentável; e (4) fomentar a implantação de parcerias público-privadas de caráter comunitário. Além destes procedimentos, é necessário (1) reforçar a intermodalidade, ampliando as possibilidades de escoamento dos fluxos produtivos a custos competitivos; (2) fortalecer instâncias trinacionais (Brasil, Peru e Bolívia) para discutir estratégias de avaliação, planejamento e monitoramento dos processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais que advirão dessa integração regional; e (3) adequar o modo de implantação das hidrelétricas e da logística, condicionando sua implantação ao planejamento integrado de toda a área em que serão construídas, compondo mesorregiões integradas. Uma alternativa para essa unidade é o turismo, como no Vale do Apertado, dotado de grande beleza cênica. O fortalecimento das cidades do Estado de Rondônia, que formam, também, um conjunto policêntrico na Amazônia, é essencial para apoiar os agricultores familiares e para o fornecimento dos serviços necessários aos empreendimentos que serão instalados na região.
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