Jurisprudência em Destaque

Compra e venda parcelada de veículo. Cláusula penal compensatória. Perdas e danos. Cumulação. Impossibilidade.

Postado por legjur.com em 06/06/2014
Trata-se de decisão da 3ª Turma do STJ, relatada pelo Min. Sidnei Beneti, julgada em 27/03/2014, DJ 22/04/2014 [Doc. LegJur 143.1652.8003.5500].

Trata a hipótese de compra e venda de veículo firmada entre particulares. A controvérsia gira em torna de saber, se é possível cumular a indenização correspondente à cláusula penal compensatória e a indenização pela desvalorização do veículo. A resposta da corte foi no sentido da inacumulabilidade.

Eis, no fundamental, o que nos diz o Ministro Sidnei Beneti, relator:


11.- A cláusula penal, também chamada de pena convencional, ensinam NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA NERY (Código Civil Anotado. 8ª ed.: Revista dos Tribunais, 2011, p. 526) «é o pacto acessório à obrigação principal, no qual se estipula a obrigação de pagar pena ou multa, para o caso de uma das partes se furtar ao cumprimento da obrigação».

12.- Nos termos do artigo 408 do Código Civil, a possibilidade de uma parte exigir a cláusula penal surge de pleno direito desde de que a outra parte contratante tenha, culposamente, deixado de cumprir a obrigação, ou incorrido em mora. No mesmo sentido, o artigo 921 do Código Civil de 1916, vigente ao tempo dos fatos, estabelecia: «Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que se vença o prazo da obrigação, ou, se o não há, desde que se constitua em mora».

13.- O artigo 409 (correspondente aos artigos 916 e 919 do Código Civil de 1916), na mesma linha, assinala que: «A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora».

14.- Já aí se percebe que existem essencialmente dois tipos diferentes de cláusula penal: aquela vinculada ao descumprimento (total ou parcial) da obrigação, e aquela que incide na hipótese de mora (descumprimento parcial de uma prestação ainda útil). A primeira é designada pela doutrina como compensatória, a segunda como moratória.

15. Conquanto se afirme que toda cláusula penal tem, em alguma medida, o fito de reforçar o vínculo obrigacional (Schuld), essa característica se manifesta com maior evidência nas cláusulas penas moratórias, visto que, nas compensatórias, a indenização fixada contratualmente serve não apenas de punição pelo inadimplemento como ainda de pré-fixação das perdas e danos correspondentes (artigo 410).

16.- Tratando-se de cláusula penal moratória, o credor estará autorizado a exigir não apenas o cumprimento (tardio) do avençado, como ainda a cláusula penal estipulada. Nesses termos a dicção expressa do artigo 411 do Código Civil, que, aliás, tem a mesma redação do artigo 919 do Código Civil de 1916: «Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.»

17.- A cláusula penal não visa a compensar inadimplemento nem substituir a execução do contrato, apenas punir o retardamento no cumprimento da obrigação. Por isso admite-se sua cobrança de forma cumulativa com perdas e danos (obrigação que já deflui naturalmente do próprio sistema jurídico) e até mesmo, de forma simultânea, com o cumprimento do contrato (REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 04/02/2013).

Referência STJ (Compromisso de compra e venda. Promessa de compra e venda de imóvel em construção. Inadimplemento parcial. Atraso na entrega do imóvel. Mora. Cláusula penal. Perdas e danos. Cumulação. Possibilidade. Precedentes do STJ. CCB/2002, arts. 402, 410, 411, 416 e 421).

18.- A cláusula penal compensatória, por outro lado, visa a recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente venham a decorrer do inadimplemento (total ou parcial). Representa um valor previamente estipulado pelas próprias partes contratantes a título de indenização para o caso de descumprimento culposo da obrigação. Tanto assim que, eventualmente, sua execução poderá, até mesmo substituir a execução do próprio contrato.

19.- Partindo-se dessa premissa, é de se concluir pela impossibilidade de cumulação entre cláusula penal compensatória e perdas e danos decorrentes do inadimplemento contratual. Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor, ainda seja acrescido um outro, com fundamento na mesma justificativa: a recomposição de prejuízos.

Vale lembrar que, nessas situações, sobressaem direitos e interesses eminentemente disponíveis, de maneira que, em princípio, não tem cabimento a majoração oblíqua da indenização pré-fixada pela condenação cumulativa em perdas e danos.

Nesse sentido, a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

Discute-se, em doutrina, se, em simetria com a diminuição proporcional da penal [cláusula penal compensatória] no caso de execução parcial, pode pedir o credor sua majoração, se se verificar a sua insuficiência para cobrir o prejuízo sofrido pelo credor. Exigida a multa e apurada sua inferioridade relativamente ao dano resultante do inadimplemento, indaga-se se cabe ao credor o direito de postular a diferença. A jurisprudência reflete esses casos, em que se torna francamente inadequada a cláusula penal à verdadeira compensação de prejuízo, em confronto com a consequência da inexecução. Mas, não obstante isto, pelo nosso direito não é possível a complementação. O credor pode pedir ou o cumprimento da obrigação ou a pena convencional. Optando por esta, concentra-se a obrigação, e, se ela for insuficiente, de si mesmo se queixe por tê-la estimado em nível baixo. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. II, 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 111)

...» (Min. Sidnei Beneti).»


JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE

Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito este julgado é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Ela está bem fundamentada pela Min. Sidnei Beneti. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição do ministro relator.

Como pode ser visto nesta decisão o Ministro Relator, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica deveriam conter. Neste sentido esta decisão deveria ser lida com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação.

PENSE NISSO

Para o estudante de direito que tanto busca modelos de peças processuais, este acórdão é o melhor modelo que poderia consultar uma vez que retrata uma hipótese real, uma tese jurídica real, com pessoas reais, e uma decisão real, certa ou errada, e no fundamental contém o que realmente uma peça processual deve ter, ou seja, as partes, o relatório (fatos), a fundamentação, certa ou errada, e finalmente a parte dispositiva (pedido/decisão) (na forma do CPC, art. 282), enfim tudo que uma peça processual requer, independentemente se a peça é de natureza penal, administrativa, tributária, previdenciária, trabalhista ou extrajudicial. Quanto aos detalhes cada pessoa tem seu modo particular de redigir e o estudante com o tempo vai encontrar o seu modo de refletir sua identidade e personalidade nas peças processuais que subscrever e ao serviço que prestar.

Note-se, em geral quando um estudante ou um profissional busca um modelo de petição ou de uma peça jurídica, o que ele efetivamente deseja é uma tese jurídica que não consegue desenvolver, ou no mínimo tem dificuldade em fazer, ou ainda, falta-lhe condições materiais para tanto, neste sentido, a leitura sistemática de acórdãos adequadamente fundamentados é um instrumento muito importante para um estudioso possa ser capaz de desenvolver uma tese jurídica acerca de uma questão que lhe é posta e traduzi-la dentro de uma peça jurídica, isto significa qualificação profissional, e esta qualificação não nasce do nada, ao contrário requer considerável esforço intelectual, material, tempo, além da própria vocação.

Modelos não qualificam o profissional, na medida que negam a possibilidade deste profissional compreender em toda a extensão o que está fazendo, ou seja, impedem de sentir-se seguro. Pense, como alguém pode defender uma tese jurídica, quando não está seguro e tem dificuldade de navegar num universo de leis e ainda interpretá-las adequando-as à Constituição, separando o que é de fato um normativo legítimo de um lixo ideológico, elementos dos quais esta tese jurídica deve nascer?.

É fundamental consultar sempre, e com olhar interpretativo e crítico, a Constituição e as leis, na medida que vige no nosso sistema jurídico o princípio da legalidade, isto quer dizer, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF/88, art. 5º, II), e quando fala-se em virtude de lei, significa lei material avalizada pela Constituição, obviamente, Constituição desembarcada do lixo ideológico que a nega. Assim somente lei, em sentido material, avalizada pela Constituição, também em sentido material, pode criar direitos e obrigações. Não há tese jurídica sem aval legal e constitucional. Não há tese jurídica por ouvi dizer. Não há jurisdição por ouvir dizer ou por qualquer tipo de «achismo», ou seja, «... acho que» «... parece que» ou «... disse que», sem aval material da Constituição há apenas lixo ideológico. Assim só há peça jurídica se houver ali uma tese jurídica, materialmente válida, algo que modelos em geral não proporcionam, nem como ponto de partida.

Não há alternativa para a qualificação profissional. A qualificação profissional no Brasil, ao menos, na área jurídica, não pode ser comprada diante da falta absoluta de fornecedores habilitados. A qualificação é uma questão que está dentro de cada pessoa e da sua capacidade de obter este conhecimento por si só (autodidata) é o que prevalece sempre. A determinação em buscar este conhecimento também é relevante. Todo o conhecimento produzido pelo mundo está a disposição de qualquer pessoa, apreendê-lo é uma questão de vontade, convicção e vocação. Acredite, o «não saber» talvez seja a forma mais cruel de escravidão, na medida que disponibiliza a pessoa para uso, fruição e disposição de qualquer espertalhão, e eles existem em abundância e em geral não revelam nenhuma forma de respeito, consideração ou, mesmo piedade. Qualifique-se de verdade, como dito, ela não nasce do nada. Saber, conhecer, compreender é ser livre, ter alma, ter vida e ter sonhos. Pense muito nisso.

Há um mercado enorme, inexplorado e sem fim para quem está habilitado a prestar serviços jurídicos verdadeiros e por serviço jurídico deve ser entendido aquele que é útil e capaz de satisfazer as expectativas do consumidor e jurisdicionado. Não há prestação jurisdicional legítima e nem serviço jurídico legítimo sem o respeito incondicional as pessoas.

Devemos sempre lembrar, principalmente ao estudante de direito, que o advogado como depositário da confiança do constituinte é o árbitro natural para resolução das controvérsias e o seio privado é seu foro adequado, litigar sem necessidade é demitir-se deste compromisso é abdicar de parcela fundamental da advocacia e da jurisdição. O compromisso natural de encontrar uma solução justa e aceitável tanto para o constituinte quanto para a parte contrária, se houver é exercer a advocacia, litigar sem propósito é compromissar-se com a litigância compulsiva que além de desnecessária, é cara, opressiva, antidemocrática, além de protrair pela eternidade uma solução, mas não é só, tem mais, a litigância compulsiva é o vetor da discórdia, do ódio, do ressentimento eterno entre as pessoas, o que é pior, não há honorários, e quando eles chegam são em geral pífios e humilhantes, sem honorários dignos não há uma profissão viável, enfim não consulta o interesse público e nem o interesse privado de ninguém. Superar este obstáculo exige que todos assumam compromissos sérios com as pessoas, com a democracia, com o modelo republicano de sociedade e de vida, entre outros, como servir e respeitar incondicionalmente as pessoas. Portanto, encher-se de indumentárias, olhar as pessoas de cima para baixo, é simplesmente opressão e está muito longo da ideia e do compromisso da prestação de serviços ao cidadão pelo Estado que é da natureza de uma sociedade democrática.

Nunca devemos esquecer que a litigância compulsiva e a prevaricação compulsiva de que tanto se fala, não é um serviço jurídico ou jurisdicional, é uma patologia, que apenas serve e beneficia governos despóticos e antidemocráticos, além de sedimentar e justificar a violência e o descrédito das instituições públicas e privadas perante a sociedade que deveriam servir.

Para os profissionais do direito que vivem da advocacia e da jurisdição a litigância compulsiva e a prevaricação compulsiva refletem-se diretamente em honorários pífios, futuros e incertos o que pragmaticamente é um negócio muito ruim na medida que é negada completamente a ideia de que o consumidor e o cidadão devem receber uma prestação de serviços legítima e eficiente, como também, não podem conviver num mesmo ambiente em que para um dos lados a remuneração vem todos os meses e em qualquer circunstância além de recheada com uma abundante aposentadoria e de outro lado a remuneração é subordinada ao término da prestação do serviço bem como a boa vontade de alguém que não tem compromisso com as partes como deveria ter.

Nunca deixe de ajudar e cuidar do cliente e consumidor. O advogado, como qualquer outro profissional responsável, é o suporte e o sustentáculo em que se apoiam as pessoas que o procuram e não o algoz delas. A confiança e o respeito não podem ser quebrados sem consequências. Não litigue. Trabalhe com confiança. Cobre honorários pelas consultas. Pense nisso e liberte-se.

Doc. LEGJUR 143.1652.8003.5500

STJ Compra e venda. Veículo. Direito civil e processual civil. Omissão no julgamento de apelação. Não configurada. CPC/1973, art. 535. Compra e venda parcelada de veículo. Rescisão por inadimplemento. Conceito. Cláusula penal. Cláusula penal compensatória. Cláusula penal moratória. Perdas e danos. Cumulação. Impossibilidade. Honorários advocaticios. Redistribuição de ônus de sucumbência. Sucumbência parcial. Recurso especial. Reexame de fatos e provas. Súmula 7/STJ. CCB/2002, art. 408, CCB/2002, art. 409, CCB/2002, art. 410 e CCB/2002, art. 411. CCB/1916, art. 916, CCB/1916, art. 919 e CCB/1916, art. 921. CPC/1973, art. 20 e CPC/1973, art. 21.

«1.- A jurisprudência desta Casa é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte. ... ()


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