Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 184.3520.1002.1900

1 - STJ Família. Casamento. Civil. Processual civil. Divórcio consensual. Acordo sobre partilha dos bens. Homologação por sentença. Posterior ajuste consensual acerca da destinação dos bens. Violação à coisa julgada. Inocorrência. Partes maiores e capazes que podem convencionar sobre a partilha de seus bens privados e disponíveis. Existência, ademais, de dificuldade em cumprir a avença inicial. Aplicação do princípio da autonomia da vontade. Ação anulatória. Descabimento quando ausente litígio, erro ou vício de consentimento. Judicialização. Desjudicialização dos conflitos. Estímulo às soluções consensuais dos litígios. Necessidade. Possibilidade de celebração de acordo, com disposição diversa dos bens, após o trânsito em julgado da sentença homologatória da primeira avença. Alegada violação ao CCB/2002, art. 104, ao CCB/2002, art. 840, ao CCB/2002, art. 841 e ao CCB/2002, art. 842. CPC, art. 1.124-A, caput e § 1º (redação da Lei 11.441/2007) . CPC/2015, art. 190. CPC/2015, art. 733.

«1 - Ação distribuída em 14/09/2012. Recurso especial interposto em 20/10/2015 e atribuído à Relatora em 15/09/2016. ... ()

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Comentário:

Trata-se de decisão da 3ª Turma do STJ [Doc. LEGJUR 184.3520.1002.1900].

Gira a controvérsia no sentido de definir sobre a possibilidade de celebração de acordo, com disposição diversa dos bens, após o trânsito em julgado da sentença homologatória da primeira avença. A resposta da 3ª Turma foi no sentido positivo, ou seja, podem as partes dispor de forma diversa do que convencionado anteriormente sem que haja ofensa à coisa julgada, por aplicação do princípio da autonomia da vontade, principalmente quando as partes são maiores e capazes. A 3ª Turma levou em conta a necessidade de desjudicialização dos conflitos e estimular a busca de solução consensual aos conflitos.

Vale lembrar que a CF/88 assegura a inviolabilidade do domicílio, da intimidade e da vida privada, entre outros, não porque um grupo de constituintes resolveu ser generoso, mas que são valores fundamentais de um regime democrático e republicano, estes valores não estão na esfera de disponibilidade, principalmente de quem fez juramento como guardião e fiel depositários, inclusive do constituinte.

Isto quer dizer, no mínimo, que a mão violenta do estado ou de governos não têm acesso ao domicílio do cidadão, a sua intimidade e a sua vida privada, quando falamos de vida privada entenda-se em sentido amplo que inclui, não só a vida privada do cidadão, mas, os negócios e as empresas. Nesse sentido por óbvio, os conflitos que envolvem a intimidade é no seio da intimidade que estes conflitos se resolvem, caso necessário com assessoria de quem tem competência material para tanto e a confiança das partes, a confiança em questão, tem que ser vista em sentido material, da mesma forma o seio privado é o foro adequado para solução dos conflitos privados. Demitir-se deste compromisso é desserviço ao cliente e ao país.

Ao profissional que não os leva a sério estes compromissos e valores e opta pelo suposto caminho fácil da judicialização desnecessária, tem contra si a pior das penas, que é ter cada vez mais dificuldades para colocar um prato de comida na mesa, para si e para sua família. Pense nisso.

Eis o que nos diz, no fundamental, a relator:

[...] .

É induvidoso que a controvérsia, na hipótese, envolve pessoas maiores e capazes, que dissolveram o casamento de modo consensual e que dispuseram, inicialmente de determinada forma e agora de outro modo substancialmente distinto, sobre a partilha de um determinado número de bens imóveis privados e disponíveis.

A nova forma de partilhar os bens, aliás, foi expressamente justificada pela dificuldade encontrada pelas partes em cumprir o acordo da forma inicialmente avençada, o que, anote-se, parece bastante plausível diante do lapso temporal transcorrido entre a homologação do primeiro acordo e o pedido de homologação do segundo – pouco mais de 13 (treze) meses – sem que tenha havido a venda de nenhum dos bens arrolados.

Nessas circunstâncias, é possível concluir que podem as partes, livremente e com base no princípio da autonomia da vontade, renunciar ou transigir livremente sobre um direito ou um crédito reconhecido judicialmente em favor de uma delas, mesmo após o trânsito em julgado da decisão judicial que os reconheceu ou fixou, do mesmo modo que podem, por exemplo, sequer dar início à fase de cumprimento da decisão judicial ou à execução do título extrajudicial.

Ademais, as partes estavam autorizadas, ainda na vigência do CPC/73, a formar um título executivo judicial a partir da liberdade que possuem para transacionar, bastando que levassem o acordo extrajudicial de qualquer natureza para homologação judicial ou que houvesse, no âmbito de uma relação litigiosa, conciliação ou transação homologada por sentença, ainda que incluísse matéria não posta em juízo (art. 475-N, III e V), podendo, de igual modo, fazê-lo também no CPC/15 (art. 515, II e III).

Diante desse cenário, não se afigura correto indeferir o pedido de homologação de acordo que versa sobre o novo modelo de partilha de bens que as partes entenderam ser mais vantajoso e interessante para elas próprias, ao fundamento de que haveria violação à coisa julgada, que se trataria de mero arrependimento ou, ainda, que a modificação da avença estaria condicionada à propositura de ação anulatória, com demonstração de existência de erro ou de vício de consentimento.

Isso porque, em primeiro lugar, reconhecendo-se que possuem as partes uma gama bastante ampla de poderes negociais, assentados essencialmente na liberdade e na autonomia da vontade, há que não apenas se proteger, mas também efetivamente se estimular a resolução dos conflitos a partir dos próprios poderes de disposição e de transação que possuem as partes.

De outro lado, simplesmente remeter às partes a uma ação anulatória para a modificação do acordo, negando-lhes o acordo modificativo sobre transação havida naqueles próprios autos pouco mais de 01 (um) ano antes, traduz-se, em última análise, no privilégio da forma em detrimento do conteúdo, em clara afronta à economia, celeridade e razoável duração do processo.

Finalmente, anote-se que desde o ano de 2007 podem as partes dissolver consensualmente o matrimônio por eles contraído por escritura pública e independentemente de homologação judicial (CPC, art. 1.124-A, caput e § 1º, com a redação dada pela Lei 11.441/2007; CPC/2015, art. 733, caput e §§), que, imagina-se, não fora utilizado pelas partes em virtude de, à época do acordo, as filhas do casal ainda serem menores, circunstância que não mais se verifica na atualidade.

Em suma, quando mais se incentiva a desjudicialização dos conflitos e o sistema multiportas de acesso à justiça, mediante a adoção e o estímulo à solução consensual, aos métodos autocompositivos e ao uso dos mecanismos adequados de solução das controvérsias, sempre apostando na capacidade que possuem as partes de livremente convencionar e dispor sobre os seus bens, direitos e destinos do modo que melhor lhes convier (o que se reflete, inclusive no âmbito do processo, com a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais atípicos a partir de uma cláusula geral – CPC/2015, art. 190), conclui-se que o acórdão recorrido está na contramão deste movimento e materializa uma injustificável invasividade do Poder Judiciário na esfera privada.

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando-se ao juízo de 1º grau que, afastado o óbice da coisa julgada material e da necessidade de ação anulatória com demonstração de erro ou vício de consentimento, examine o conteúdo acordo celebrado pelas partes, homologando-o se presentes os requisitos previstos no CCB/2002, art. 104.

[...] .» (Minª. Nancy Andrighi).»

JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE

Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito esta decisão é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante ou para o estudioso é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Certa, ou errada, podemos, ou não, concordar com ela, contudo, está bem fundamentada pela Minª. Nancy Andrighi. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição da ministra. Ter o hábito de ler jurisprudência de qualidade é qualificar-se.

Como pode ser visto nesta decisão, a ministra relatora, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica, ou peça processual deveriam conter, há, portanto uma tese jurídica definida, se esta tese está correta, ou não, o exame é feito noutro contexto. Neste sentido esta decisão deveria ser lida e examinada com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação. Decisões bem fundamentadas estimulam a capacidade de raciocínio lógico do estudioso e do profissional. O raciocínio lógico é a ferramenta mais importante para qualquer estudioso ou profissional desenvolver sua capacidade criativa e determina a qualidade do serviço que presta. Como dito, ler jurisprudência de qualidade é qualificar-se cada vez mais.

A JURISDIÇÃO, A ADVOCACIA E A DEMOCRACIA

Vale lembrar sempre, que navegam na órbita da inexistência, decisões judiciais ou teses jurídicas que neguem a ideia do respeito incondicional devido às pessoas, que neguem a ideia de que deve ser dado a cada um o que é seu, que neguem os valores democráticos e republicanos, que neguem os valores solidificados ao longo do tempo pela fé das pessoas, que neguem, ou obstruam, a paz entre as pessoas. Pessoas estas, que para quem presta serviços é o consumidor e para quem presta a jurisdição é o jurisdicionado. Em suma, essas decisões e ou teses jurídicas orbitam na esfera da inexistência porque, negam o modo democrático de viver, negam o modo republicano de viver, negam o modo cristão de viver, negam o modo de viver de qualquer fé, já que nenhuma fé, em sentido material, é incompatível com o modelo democrático e republicano de ser e viver.

Neste cenário, nenhum indivíduo detém legitimamente o poder de dispor destes valores, principalmente quem fez da vida pública o seu meio de vida, e aí incluem-se os que são responsáveis pela advocacia, pela jurisdição e pela atividade parlamentar. Só exercem legitimamente a advocacia, a jurisdição e a vida parlamentar aqueles que acreditam, têm fé, compromissos e condições de serem os guardiões e fiéis depositários dos valores democráticos, republicanos, e da fé do povo.

Exceções não são legítimas, devem ser tratadas como lixo ideológico e não obrigam a ninguém. Prestar juramento à Constituição, obviamente despida do lixo ideológica que a nega, materialmente falando, e depois passar a vida negando-a, ou colocar-se na condição de violador, é muito ruim, desnecessário e humilhante para quem o faz. Ainda pior, é um desserviço, e um desserviço não ajuda ninguém a colocar um prato de comida na mesa. Pense nisso.