Jurisprudência Selecionada
1 - STJ Família. Casamento celebrado na vigência do Código Civil de 1916. Regime de bens. Alteração. Possibilidade. Exigências previstas no CCB/2002, art. 1.639, § 2º. Justificativa do pedido. Divergência quanto à constituição de sociedade empresária por um dos cônjuges. Receio de comprometimento do patrimônio da esposa. Motivo, em princípio, hábil a autorizar a modificação do regime. Ressalva de direitos de terceiros.
«1. O casamento há de ser visto como uma manifestação vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de «asilo inviolável. ... ()
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Comentário:
Trata-se de decisão da 4ª T. do STJ, relatada pelo Min. Min. Luis Felipe Salomão, Julgado em 26/02/2013, DJ 12/03/2013 [Doc. LegJur 135.9184.4000.2100].
Na hipótese examinada pela Corte foi pleiteada a alteração do regime de bens do casamento dos ora recorrentes, manifestando eles como justificativa a constituição de sociedade de responsabilidade limitada entre o cônjuge varão e terceiro, providência que é acauteladora de eventual comprometimento do patrimônio da esposa com a empreitada do marido. A resposta da corte foi positiva aceitando a justificativa apresentada pelas partes. Foi examinada também pela Corte a possibilidade de alteração do regime de bens do casamento quanto o matrimônio for contraído na vigência do Código Civil de 1916. Aqui a resposta da Corte também foi positivo, lembrou também o Ministro relator que a jurisprudência do Tribunal é pacífica quanto ao tema.
Vale a pena relembrar algumas palavras do Ministro sobre as justificativas de que exige o art. 1.639, § 2º, do CCB/2002:
[...].
Assim, muito embora a inalterabilidade do regime de bens continue a ser a regra no ordenamento jurídico, o pedido de alteração deve ser guiado pela liberdade da vida conjugal, ficando, a um só tempo, preservados os valores atuais relativos ao casamento e resguardados todos os interesses que estavam subjacentes à antiga imutabilidade do regime.
5. Desse modo, a meu juízo, a melhor interpretação que se deve conferir ao supracitado art. 1.639, § 2º, do CC/02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada do consortes.
Certamente, a divergência conjugal quanto à condução da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona enveredar-se por uma nova carreira empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal.
Basta mencionar a corriqueira situação em que o sócio figura como avalista/fiador da sociedade, hipótese em que responderá ele pessoalmente pelas obrigações da pessoa jurídica. Nesse caso, no regime de comunhão parcial de bens, eventual patrimônio sobrevindo exclusivamente pelo trabalho do outro cônjuge, por fazer parte dos bens comuns (art. 1.658, CC/02), poderá ser chamado a solver o débito, mesmo que apenas parcialmente, dada a possibilidade de defesa da meação pelo cônjuge não devedor.
Assim, mostra-se razoável que um dos cônjuges prefira que os patrimônios estejam bem delimitados, para que somente o do cônjuge empreendedor possa vir a sofrer as consequências por eventual empreendimento malogrado.
[...].» (Min. Luis Felipe Salomão).»
JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE
Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito este julgado é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito e estar bem fundamentada pela Min. Luis Felipe Salomão. Tudo de forma didática, clara, fácil e de prazerosa leitura como é da tradição do ministro relator.
PENSE NISSO
Esta decisão permite, principalmente ao estudante de direito, interagir com pessoas reais, problemas reais e que requerem soluções reais, mas também introduz o estudante num novo mundo que é a hermenêutica jurídica, onde são necessárias análises de diversos dispositivos legais e constitucionais cada um tendo uma relevância própria que deve ser devidamente analisada pelo interprete para que ao final possa ser entregue uma prestação jurisdicional integral que o jurisdicionado merece e reclama, principalmente ser justa e portar aval da Constituição e por óbvio, quando se fala em aval constitucional deve ser primeiramente desembarcado da Constituição o lixo ideológico que a nega, não custa lembrar que o desembarque do lixo ideológico é, também, uma questão de hermenêutica jurídica, histórica e filosófica e não de ortografia, gramática ou de análise sintática.
A Constituição é guardiã incondicional de todos os valores legados pela humanidade, valores cujo reconhecimento e desenvolvimento retroagem a tempos imemoriais e foi pago com a vida de muitos, com o suor, com o sangue e com lágrimas dos outros. Valores estes que não estão na esfera de disponibilidade de ninguém, especialmente por aqueles que juraram guardá-los, refiro-me, especialmente aos que servem a jurisdição e a causa pública, como os parlamentares. Vale lembrar que muitos desses valores podem eventualmente não estarem ali expressos (na Constituição) nem por isso deixam de fazer parte inseparável dela, são valores que muitas vezes chamamos de direito natural ou direito humano. Como tenho dito e é óbvio que milita na esfera da inexistência qualquer lixo ideológico embarcado na Constituição que neguem os valores ali depositados, expressos, ou não, removê-los é uma questão básica de hermenêutica jurídica.
É bom sempre lembrar que não há advocacia, não há jurisdição, não há cidadania, não há democracia, não há um modo democrático de vida, enfim não há nada sem o respeito incondicional às pessoas e seus valores bem como as suas necessidades e dificuldades. O respeito incondicional às pessoas é um imperativo democrático, é um modo de vida e não há alternativas para ele.
Num ambiente democrático as instituições públicas e privadas prestam serviços ao cidadão, que é seu cliente, ou até mesmo um paciente. Esta é uma questão de servir ao cidadão e não se servir dele. A sociedade é complexa demais e é impossível um cidadão dispensar ajuda profissional, a ajuda profissional é uma necessidade em qualquer sociedade democrática e ela existe em todas as atividades humanas e a jurisdição e a advocacia é apenas mais uma instituição que está a disposição do cidadão para servi-lo, lembre-se servi-lo. Nada indica que a sociedade no futuro seja menos complexa, daí a necessidade do profissional do direito qualificar-se para prestar um serviço de qualidade ao cliente e consumidor, pois é neste serviço de qualidade que reside a sua própria sobrevivência como cidadão e pessoa.
Devemos sempre ter em mente, principalmente o estudante de direito e o cidadão, que o advogado como depositário da confiança do constituinte é o árbitro natural para resolução das controvérsias e o seio privado é seu foro adequado, demitir-se deste compromisso é abdicar de parcela fundamental da advocacia e da jurisdição, abdicar do compromisso natural de encontrar uma solução justa e aceitável para o constituinte é compromissar-se com a litigância compulsiva que é desnecessária, cara, opressiva, antidemocrática, além de se protrair pela eternidade qualquer solução, mas não é só, tem mais, a litigância compulsiva é o vetor da discórdia, do ódio, do ressentimento eterno entre as pessoas, enfim este paradigma da negação da advocacia não consulta o interesse público e nem o interesse privado de ninguém. Superar este obstáculo exige que todos assumam compromissos mais sérios, construtivos e democráticos, e o principal deles é servir e respeitar incondicionalmente as pessoas. Portanto, encher-se de indumentárias, olhar as pessoas de cima para baixo, é simplesmente opressão e está muito longo da ideia e do compromisso da prestação de serviços de qualidade que o cidadão exige e lhe é devido, este compromisso é da essência e da natureza de uma sociedade democrática e pluralista.
Muitos casos poderiam ser solucionados, ou até arbitrados pelos advogados com o conforto que só o seio privado pode proporcionar, os advogados que representam as partes e estão muito mais próximos das partes estão mais habilitados para esta tarefa, do que aquele que está distante e não nutre qualquer sentimento ou respeito por elas. Esta confiança depositada no advogado é que impõe e legitima esta obrigação. Demitir-se desta obrigação é demitir-se da advocacia. Esta premissa também vale se uma ou ambas as partes forem instituições públicas, já que a atividade da advocacia é para resolver as questões que envolvem pessoas ou interesses empresariais, e não eternizar conflitos. Como dito, eternizar conflitos não consulta nem o interesse público e muito menos o interesse privado. Vale lembrar também que todos os envolvidos na prestação da jurisdição são formados na mesma escola, pelos mesmos professores, com a mesma ideologia e recebem o mesmo diploma, e vivem no mesmo ambiente. Portanto, não há justificativa de qualquer natureza para a inversão da ordem natural do procedimento.
Ajudar as pessoas a tomar decisões corretas, ou simplesmente, arbitrar os conflitos naturais que surgem entre as pessoas que recorrem aos advogados é um compromisso fundamental da advocacia, dado que a relação entre o advogado e seu cliente, como em muitas outras profissões e atividades, ela protrai-se pelo tempo, e é muito importante para o cidadão ter um advogado de confiança, da mesma forma que é importante ter um médico, um dentista de confiança, um pedreiro ou jardineiro.
Pois bem, a confiança é a eterna fonte da legitimidade e da obrigação. Arbitrar com seriedade os conflitos é permitir que as pessoas possam seguir com dignidade sua vida junto com sua família e em sociedade. Como dito, ajudar as pessoas a resolverem pacificamente seus problemas, arbitrando as controvérsias, se necessário, é consequência natural da atividade da advocacia e do imprescindível respeito incondicional que é devido às pessoas. Demitir-se deste compromisso é simplesmente abdicar da advocacia.
Pense muito nisso, principalmente se você é um estudante de direito e ainda mantém vivo algum sonho e está comprometido a futuramente substituir com melhor qualidade uma geração que parece não ter nada realmente importante para as deixar para aqueles que estão chegando.
Acredite, são os sonhos que sustentam a vida, o suor e o trabalho duro é que produzem riquezas. Portanto, não há vida sem sonhos, nem há parto sem dor e nem riqueza sem suor e sem lágrimas.
Prestar um serviço de qualidade não é apenas uma questão de certo ou errado é fundamentalmente um bom negócio e uma excelente e dinâmica atividade econômica, pois esta prestação de serviços de qualidade, se prestada com seriedade e da forma esperada, é, e será por todo o sempre uma fonte eterna de recursos, principalmente financeiros, para que cada profissional, como qualquer outra pessoa, possa com dignidade colocar um prato de alimentos na mesa para si e para sua família.
Não há alternativas, somente o trabalho duro e o suor são capazes de legitimamente depositar o pão e o alimento na mesa e todos e todos os dias e proporcionar ainda o conforto e a tranquilidade tão necessários para uma vida de qualidade.
O Direito é uma questão fundamentalmente de valores. Abdicar das pessoas e dos seus valores é servir a ideologias alternativas vazias, é sobretudo negar a si próprio e a tudo que tem valor e é importante. A advocacia como qualquer outra atividade humana é fundamentalmente um sacerdócio que requer muito esforço e sacrifício.
Pois bem, pense muito nisso.