Legislação

Decreto 9.603, de 10/12/2018
(D.O. 11/12/2018)

Art. 7º

- Os órgãos, os programas, os serviços e os equipamentos das políticas setoriais que integram os eixos de promoção, controle e defesa dos direitos da criança e do adolescente compõem o sistema de garantia de direitos e são responsáveis pela detecção dos sinais de violência.


Art. 8º

- O Poder Público assegurará condições de atendimento adequadas para que crianças e adolescentes vítimas de violência ou testemunhas de violência sejam acolhidos e protegidos e possam se expressar livremente em um ambiente compatível com suas necessidades, características e particularidades.


Art. 9º

- Os órgãos, os serviços, os programas e os equipamentos públicos trabalharão de forma integrada e coordenada, garantidos os cuidados necessários e a proteção das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, os quais deverão, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de publicação deste Decreto:

I - instituir, preferencialmente no âmbito dos conselhos de direitos das crianças e dos adolescentes, o comitê de gestão colegiada da rede de cuidado e de proteção social das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com a finalidade de articular, mobilizar, planejar, acompanhar e avaliar as ações da rede intersetorial, além de colaborar para a definição dos fluxos de atendimento e o aprimoramento da integração do referido comitê;

II - definir o fluxo de atendimento, observados os seguintes requisitos:

a) os atendimentos à criança ou ao adolescente serão feitos de maneira articulada;

b) a superposição de tarefas será evitada;

c) a cooperação entre os órgãos, os serviços, os programas e os equipamentos públicos será priorizada;

d) os mecanismos de compartilhamento das informações serão estabelecidos;

e) o papel de cada instância ou serviço e o profissional de referência que o supervisionará será definido; e

III - criar grupos intersetoriais locais para discussão, acompanhamento e encaminhamento de casos de suspeita ou de confirmação de violência contra crianças e adolescentes.

§ 1º - O atendimento intersetorial poderá conter os seguintes procedimentos:

I - acolhimento ou acolhida;

II - escuta especializada nos órgãos do sistema de proteção;

III - atendimento da rede de saúde e da rede de assistência social;

IV - comunicação ao Conselho Tutelar;

V - comunicação à autoridade policial;

VI - comunicação ao Ministério Público;

VII - depoimento especial perante autoridade policial ou judiciária; e

VIII - aplicação de medida de proteção pelo Conselho Tutelar, caso necessário.

§ 2º - Os serviços deverão compartilhar entre si, de forma integrada, as informações coletadas junto às vítimas, aos membros da família e a outros sujeitos de sua rede afetiva, por meio de relatórios, em conformidade com o fluxo estabelecido, preservado o sigilo das informações.

§ 3º - Poderão ser adotados outros procedimentos, além daqueles previstos no § 1º, quando o profissional avaliar, no caso concreto, que haja essa necessidade.


Art. 10

- A atenção à saúde das crianças e dos adolescentes em situação de violência será realizada por equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde - SUS, nos diversos níveis de atenção, englobado o acolhimento, o atendimento, o tratamento especializado, a notificação e o seguimento da rede.

Parágrafo único - Nos casos de violência sexual, o atendimento deverá incluir exames, medidas profiláticas contra infecções sexualmente transmissíveis, anticoncepção de emergência, orientações, quando houver necessidade, além da coleta, da identificação, da descrição e da guarda de vestígios.


Art. 11

- Na hipótese de o profissional da educação identificar ou a criança ou adolescente revelar atos de violência, inclusive no ambiente escolar, ele deverá:

I - acolher a criança ou o adolescente;

II - informar à criança ou ao adolescente, ou ao responsável ou à pessoa de referência, sobre direitos, procedimentos de comunicação à autoridade policial e ao conselho tutelar;

III - encaminhar a criança ou o adolescente, quando couber, para atendimento emergencial em órgão do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência; e

IV - comunicar o Conselho Tutelar.

Parágrafo único - As redes de ensino deverão contribuir para o enfrentamento das vulnerabilidades que possam comprometer o pleno desenvolvimento escolar de crianças e adolescentes por meio da implementação de programas de prevenção à violência.


Art. 12

- O Suas disporá de serviços, programas, projetos e benefícios para prevenção das situações de vulnerabilidades, riscos e violações de direitos de crianças e de adolescentes e de suas famílias no âmbito da proteção social básica e especial.

§ 1º - A proteção social básica deverá fortalecer a capacidade protetiva das famílias e prevenir as situações de violência e de violação de direitos da criança e do adolescente, além de direcioná-los à proteção social especial para o atendimento especializado quando essas situações forem identificadas.

§ 2º - O acompanhamento especializado de crianças e adolescentes em situação de violência e de suas famílias será realizado preferencialmente no Centro de Referência Especializado de Assistência Social - Creas, por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos, em articulação com os demais serviços, programas e projetos do Suas.

§ 3º - Onde não houver Creas, a criança ou o adolescente será encaminhado ao profissional de referência da proteção social especial.

§ 4º - As crianças e os adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou cujos responsáveis se encontrem temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, podem acessar os serviços de acolhimento de modo excepcional e provisório, hipótese em que os profissionais deverão observar as normas e as orientações referentes aos processos de escuta qualificada quando se configurarem situações de violência.


Art. 13

- A autoridade policial procederá ao registro da ocorrência policial e realizará a perícia.

§ 1º - O registro da ocorrência policial consiste na descrição preliminar das circunstâncias em que se deram o fato e, sempre que possível, será elaborado a partir de documentação remetida por outros serviços, programas e equipamentos públicos, além do relato do acompanhante da criança ou do adolescente.

§ 2º - O registro da ocorrência policial deverá ser assegurado, ainda que a criança ou o adolescente esteja desacompanhado.

§ 3º - A autoridade policial priorizará a busca de informações com a pessoa que acompanha a criança ou o adolescente, de forma a preservá-lo, observado o disposto na Lei 13.431/2017.

§ 4º - Sempre que possível, a descrição do fato não será realizada diante da criança ou do adolescente.

§ 5º - A descrição do fato não será realizada em lugares públicos que ofereçam exposição da identidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência.

§ 6º - A perícia médica ou psicológica primará pela intervenção profissional mínima.

§ 7º - A perícia física será realizada somente nos casos em que se fizer necessária a coleta de vestígios, evitada a perícia para descarte da ocorrência de fatos.

§ 8º - Os peritos deverão, sempre que possível, obter as informações necessárias sobre o fato ocorrido com os adultos acompanhantes da criança ou do adolescente ou por meio de atendimentos prévios realizados pela rede de serviços.


Art. 14

- Recebida a comunicação de que trata o art. 13 da Lei 13.431/2017, o Conselho Tutelar deverá efetuar o registro do atendimento realizado, do qual deverão constar as informações coletadas com o familiar ou o acompanhante da criança ou do adolescente e aquelas necessárias à aplicação da medida de proteção da criança ou do adolescente.


Art. 15

- Os profissionais envolvidos no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência primarão pela não revitimização da criança ou adolescente e darão preferência à abordagem de questionamentos mínimos e estritamente necessários ao atendimento.

Parágrafo único - Poderá ser coletada informação com outros profissionais do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, além de familiar ou acompanhante da criança ou do adolescente.


Art. 16

- Caso a violência contra a criança ou o adolescente ocorra em programa de acolhimento institucional ou familiar, em unidade de internação ou semiliberdade do sistema socioeducativo, o fato será imediatamente avaliado pela equipe multiprofissional, considerado o melhor interesse da criança ou do adolescente.


Art. 17

- No atendimento à criança e ao adolescente pertencente a povos ou comunidades tradicionais, deverão ser respeitadas suas identidades sociais e culturais, seus costumes e suas tradições.

Parágrafo único - Poderão ser adotadas práticas dos povos e das comunidades tradicionais em complementação às medidas de atendimento institucional.


Art. 18

- No atendimento à criança ou ao adolescente pertencente a povos indígenas, a Fundação Nacional do Índio - Funai do Ministério da Justiça e o Distrito Sanitário Especial Indígena do Ministério da Saúde deverão ser comunicados.


Art. 19

- A escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e dos direitos humanos, com o objetivo de assegurar o acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência, para a superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados.

§ 1º - A criança ou o adolescente deve ser informado em linguagem compatível com o seu desenvolvimento acerca dos procedimentos formais pelos quais terá que passar e sobre a existência de serviços específicos da rede de proteção, de acordo com as demandas de cada situação.

§ 2º - A busca de informações para o acompanhamento da criança e do adolescente deverá ser priorizada com os profissionais envolvidos no atendimento, com seus familiares ou acompanhantes.

§ 3º - O profissional envolvido no atendimento primará pela liberdade de expressão da criança ou do adolescente e sua família e evitará questionamentos que fujam aos objetivos da escuta especializada.

§ 4º - A escuta especializada não tem o escopo de produzir prova para o processo de investigação e de responsabilização, e fica limitada estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade de proteção social e de provimento de cuidados.


Art. 20

- A escuta especializada será realizada por profissional capacitado conforme o disposto no art. 27.


Art. 21

- Os órgãos, os serviços, os programas e os equipamentos da rede de proteção adotarão procedimentos de atendimento condizentes com os princípios estabelecidos no art. 2º.


Art. 22

- O depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária com a finalidade de produção de provas.

§ 1º - O depoimento especial deverá primar pela não revitimização e pelos limites etários e psicológicos de desenvolvimento da criança ou do adolescente.

§ 2º - A autoridade policial ou judiciária deverá avaliar se é indispensável a oitiva da criança ou do adolescente, consideradas as demais provas existentes, de forma a preservar sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social.

§ 3º - A criança ou o adolescente serão respeitados em sua iniciativa de não falar sobre a violência sofrida.


Art. 23

- O depoimento especial deverá ser gravado com equipamento que assegure a qualidade audiovisual.

Parágrafo único - A sala de depoimento especial será reservada, silenciosa, com decoração acolhedora e simples, para evitar distrações.


Art. 24

- A sala de depoimento especial poderá ter sala de observação ou equipamento tecnológico destinado ao acompanhamento e à contribuição de outros profissionais da área da segurança pública e do sistema de justiça.


Art. 25

- O depoimento especial será regido por protocolo de oitiva.


Art. 26

- O depoimento especial deverá ser conduzido por autoridades capacitadas, observado o disposto no art. 27, e realizado em ambiente adequado ao desenvolvimento da criança ou do adolescente.

§ 1º - A condução do depoimento especial observará o seguinte:

I - os repasses de informações ou os questionamentos que possam induzir o relato da criança ou do adolescente deverão ser evitados em qualquer fase da oitiva;

II - os questionamentos que atentem contra a dignidade da criança ou do adolescente ou, ainda, que possam ser considerados violência institucional deverão ser evitados;

III - o profissional responsável conduzirá livremente a oitiva sem interrupções, garantida a sua autonomia profissional e respeitados os códigos de ética e as normas profissionais;

IV - as perguntas demandadas pelos componentes da sala de observação serão realizadas após a conclusão da oitiva;

V - as questões provenientes da sala de observação poderão ser adaptadas à linguagem da criança ou do adolescente e ao nível de seu desenvolvimento cognitivo e emocional, de acordo com o seu interesse superior; e

VI - durante a oitiva, deverão ser respeitadas as pausas prolongadas, os silêncios e os tempos de que a criança ou o adolescente necessitarem.

§ 2º - A oitiva deverá ser registrada na sua íntegra desde o começo.

§ 3º - Em casos de ocorrência de problemas técnicos impeditivos ou de bloqueios emocionais que impeçam a conclusão da oitiva, ela deverá ser reagendada, respeitadas as particularidades da criança ou do adolescente.

Referências ao art. 26 Jurisprudência do art. 26
Art. 27

- Os profissionais do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência participarão de cursos de capacitação para o desempenho adequado das funções previstas neste Decreto, respeitada a disponibilidade orçamentária e financeira dos órgãos envolvidos.

Parágrafo único - O Poder Público criará matriz intersetorial de capacitação para os profissionais de que trata este Decreto, considerados os documentos e os atos normativos de referência dos órgãos envolvidos.