Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ Lesão corporal gravíssima. Absolvição. Recurso ministerial desejando a condenação da recorrida, esta absolvida pelo reconhecimento da legítima defesa própria. Diante de tais argumentos, deve o referido excesso exculpante ser reconhecido como causa supra legal de exclusão da culpabilidade, com a mantença da absolvição, já agora por este fundamento. Considerações do Des. Gilmar Augusto Teixeira sobre a possibilidade de reconhecimento de causa supra legal exculpante. CP, art. 25 e CP, art. 129, § 2º, I. CPP, art. 386, VI.
«Esta é mais uma da contenda que findou em ofensa à integridade física e que somente não culminou com resultado mais grave por puro golpe do acaso. Não há qualquer dúvida que o casal envolvido viveu junto por cerca de um ano e meio, nascendo da relação um filho. A recorrida é do lar e a apontada vítima é um pedreiro, ambos morando em localidade humilde e separados de fato. O elo existente entre eles, qual seja a criança, fazia com que os contatos fossem constantes, sendo certo que ela já acionou seu ex-companheiro, ora vítima, para obter pensão alimentícia, mas nada logrou receber diante do inadimplemento. Há registros de ocorrências por agressões e ameaça feitos pela recorrida contra a vítima. A lesão corporal praticada pelo ex-companheiro é anterior ao fato narrado na denúncia deste processo e o crime de ameaça possui data posterior. Consta também que o ex companheiro, aqui vítima, já foi denunciado por furto tentado, aceitando a suspensão condicional do processo, estando extinta a punibilidade. Há notícia trazida pela recorrida e também pela tia desta informando que o ex-companheiro é pessoa agressiva, já tendo ofendido à integridade física da recorrida, sendo que tal ocorria com mais frequência quando ele bebia. Após este quadro da realidade do casal, surge o fato principal, onde a recorrida narra que, como de costume e antes de agredi-la, o ex-companheiro foi até a sua casa após ter bebido. Pediu para ir ao banheiro, estando ela com uma panela com água no fogão para fazer macarrão. Pouco tempo depois ele deixou o banheiro com uma faca na mão, na altura do rosto. Vendo que seria atingida, para defender-se, segurou a faca e se feriu, tendo ele largado o instrumento ao solo. Nervosa, ficou fora de si, pegou a água que estava no fogo e jogou na vítima, tendo esta saído em seguida. A vítima, por sua vez, quando ouvida em juízo, disse que foi visitar o seu filho e sua ex-companheira lhe jogou água quente porque não queria assinar os recibos referentes a entrega dos mantimentos que ele estava levando. Ocorre que, posteriormente, outra vez ouvido em juízo, ele já forneceu um colorido diverso daquele prestado nas últimas declarações, acrescentando que estava com o seu filho no colo quando ela jogou a água e que só conseguiu afastar o seu filho antes de ser atingido. Diante das duas versões trazidas aos autos, estando a da vítima divergente em dois momentos, pois acrescentou dado importante e principal até então inexistente nos autos, não há como afirmar, peremptoriamente, não ter havido agressão injusta e atual por parte da apontada vítima em relação à recorrida. Esta dúvida sobre a existência ou não de uma causa de exclusão da antijuridicidade leva ao reconhecimento da mesma em favor da recorrida, até porque, hodiernamente, e após o advento da Lei 11.690/08, que imprimiu nova roupagem ao inciso VI, do CPP, art. 386, adotando posicionamento já consagrado na doutrina, em havendo fundada dúvida sobre a existência de uma causa de exclusão do crime, deve tal interpretação da prova sofrer a aplicação do in dubio pro reo. Ocorre que neste processo situação peculiar existe, razão pela qual o exame não se esgota nesta análise. A própria vítima disse que, após defender-se da injusta agressão, a faca portada pelo ex-companheiro caiu ao solo, tendo ela ficado nervosa e fora si, o que a fez pegar a água que estava fervendo e jogar na vítima. Neste ponto devemos examinar a ocorrência do excesso de legitima defesa própria. A nossa legislação prevê a denominada legitima defesa justificante, qual seja, a que excluiu a antijuridicidade, conforme preceitua o CP, art. 25, punindo também os excessos praticados por dolo ou culpa, conforme art. 23, parágrafo único. No entanto, não há no ordenamento pátrio o denominado excesso exculpante, conforme reconhecido no direito penal alemão, português, espanhol, etc. Neste ponto surge a primeira indagação, qual seja, a da possibilidade de reconhecimento da referida causa, na modalidade de causa supra legal de exclusão da culpabilidade. A questão da exculpação constitui tema não convergente, havendo respeitável corrente doutrinária sustentando não ser reconhecível, por não admitir-se a analogia in bonam partem. Porém, a mais atualizada doutrina já evoluiu no sentido de admitir a analogia em matéria penal em normas permissivas e explicativas ou complementares, desde que in bonam partem. O que não é possível, sob pena de violação do principio da legalidade e da reserva legal, e a adoção da analogia em normas incriminadoras. Outro argumento a ser somado é o do necessário respeito que deve haver ao principio nullum crimen, nulla poena sine culpa. Caso contrário, e apenas pelo descuido do legislador, que deixou de regular determinada hipótese, estaríamos condenando alguém pela simples omissão legislativa, em total dissonância com o principio da culpabilidade. E foi nessa rota de entendimento que o próprio STJ, através do voto do Ministro Assis Toledo (RT 660/358), decidiu que «não age culpavelmente — nem deve ser, portanto, penalmente responsabilizado pelo fato — aquele que, no momento da ação ou da omissão, não poderia, nas circunstancias, ter agido de outro modo, porque, dentro do que nos é comumente revelado pela humana experiencia, não lhe era exigível comportamento diverso. ... ()
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