Jurisprudência Selecionada
1 - STJ Compromisso de compra e venda. Construção. Imóvel. Consumidor. Promessa de compra e venda de imóvel em construção. Atraso da obra. Entrega após o prazo estimado. Cláusula de tolerância. Validade. Prazo de 180 dias. Prazo superior a 180 dias. Invalidade. Previsão legal. Peculiaridades da construção civil. Atenuação de riscos. Benefício aos contratantes. CDC. Aplicação subsidiária. Informação. Observância do dever de informar. Prazo de prorrogação. Razoabilidade. Abuso de direito não caracterizado. Recurso especial. Civil. Considerações do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva sobre o tema. CCB/2002, art. 187. CCB/2002, art. 927. Lei 4.591/1964, art. 33, II. Lei 4.591/1964, art. 34, § 2º. Lei 4.591/1964, art. 43, II. Lei 4.591/1964, art. 48, § 2º. Lei 4.864/1965, art. 12. CDC, art. 18, § 2º.
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Comentário:
Trata-se de decisão da 3ª Turma do STJ [Doc. LegJur 177.2825.1002.9600].
Gira a controvérsia em torno de definir se é, ou não, abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, a permitir a prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra. Para a 3ª Turma do STJ, não é abusiva a cláusula em questão e tem suporte legal, caso este prazo de tolerância não ultrapassar 180 dias.
Eis o que nos diz, no fundamental, o relator:
[...] .
Cinge-se a controvérsia a saber se é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, a permitir a prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra.
[...] . 1. Da cláusula de tolerância para atraso de obra
De início, impende asseverar que a compra de um imóvel «na planta» com prazo e preço certos possibilita ao adquirente planejar sua vida econômica e social, pois é sabido de antemão quando haverá a entrega das chaves, devendo ser observado, portanto, pelo incorporador e pelo construtor, com a maior fidelidade possível, o cronograma de execução da obra, sob pena de indenizarem os prejuízos causados ao adquirente ou ao compromissário pela não conclusão da edificação ou pelo retardo injustificado na conclusão da obra (arts. 43, II, da Lei 4.591/1964 e 927 do CCB/2002, Código Civil).
Ademais, no contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, além do período previsto para o término do empreendimento, há, comumente, cláusula de prorrogação excepcional do prazo de entrega da unidade ou de conclusão da obra, que varia entre 90 (noventa) e 180 (cento e oitenta) dias: a conhecida cláusula de tolerância.
É certo que a esses contratos de incorporação imobiliária, embora regidos pelos princípios e normas que lhes são próprios (Lei 4.591/1964), também se aplica subsidiariamente a legislação consumerista sempre que a unidade imobiliária for destinada a uso próprio do adquirente ou de sua família.
Com efeito, o incorporador pode ser enquadrado no conceito de fornecedor, vinculando-se a uma obrigação de dar (transferência definitiva) e de fazer (construir), ao passo que o adquirente, sendo destinatário final da unidade habitacional, caracteriza-se como consumidor.
De qualquer modo, apesar de o Código de Defesa do Consumidor incidir na dinâmica dos negócios imobiliários em geral, não há como ser reputada abusiva a cláusula de tolerância.
Isso porque existem no mercado diversos fatores de imprevisibilidade que podem afetar negativamente a construção de edificações e onerar excessivamente seus atores, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros contratempos.
Assim, a complexidade do negócio justifica a adoção no instrumento contratual, desde que razoáveis, de condições e formas de eventual prorrogação do prazo de entrega da obra, o qual foi, na realidade, apenas estimado, tanto que a própria lei de regência disciplinou tal questão.
Confira-se a redação do art. 48, § 2º, da Lei 4.591/1964.
- «Art. 48 - A construção de imóveis, objeto de incorporação nos moldes previstos nesta Lei poderá ser contratada sob o regime de empreitada ou de administração conforme adiante definidos e poderá estar incluída no contrato com o incorporador (VETADO), ou ser contratada diretamente entre os adquirentes e o construtor.
- § 1º - O Projeto e o memorial descritivo das edificações farão parte integrante e complementar do contrato;
- § 2º - Do contrato deverá constar a prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação.» (grifou-se)
Logo, observa-se que a cláusula de tolerância para atraso de obra possui amparo legal, não constituindo abuso de direito (CCB/2002, art. 187).
Por outro lado, não se verifica também, para fins de mora contratual, nenhuma desvantagem exagerada em desfavor do consumidor, o que comprometeria o princípio da equivalência das prestações estabelecidas.
É que a disposição contratual de prorrogação da entrega do empreendimento adveio das práticas do mercado de construção civil consolidadas há décadas, ou seja, originou-se dos costumes da área, sobretudo para amenizar o risco da atividade, haja vista a dificuldade de se fixar data certa para o término de obra de grande magnitude sujeita a diversas obstáculos e situações imprevisíveis, o que concorre para a diminuição do preço final da unidade habitacional a ser suportada pelo adquirente.
De fato, quanto maior o risco do empreendimento, maior o preço final ao consumidor.
[...] .
No tocante ao tempo de prorrogação, deve ser reputada razoável a cláusula que prevê no máximo o lapso de 180 (cento e oitenta) dias, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts. 33 e 34, § 2º, da Lei 4.591/1964 e 12 da Lei 4.864/1965) e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC).
Assim, a cláusula de tolerância que estipular prazo de prorrogação superior a 180 (cento e oitenta) dias será considerada abusiva, devendo ser desconsiderados os dias excedentes para fins de não responsabilização do incorporador.
De qualquer modo, devem ser observados o dever de informar e os demais princípios da legislação consumerista, mesmo não sendo em si abusiva a cláusula de tolerância no compromisso de compra e venda de imóvel em construção desde que contratada com prazo determinado e razoável (até 180 dias), já que, como visto, possui amparo não só nos usos e costumes do setor, mas também em lei especial, constituindo previsão atenuadora dos riscos inerentes à construção civil, o que acaba por favorecer ambas as partes contratantes.
Dessa forma, o incorporador terá que cientificar claramente o consumidor, inclusive em ofertas, informes e peças publicitárias, do eventual prazo de prorrogação para a entrega da unidade imobiliária, sob pena de haver publicidade enganosa, cujo descumprimento implicará responsabilidade civil. Durante a execução do contrato, igualmente, deverá notificar o adquirente acerca do uso de tal cláusula juntamente com a sua justificação, primando pelo direito à informação.
Na espécie, a Corte estadual assinalou que era válida a cláusula de tolerância, tal como contratada, pelo período de 120 (cento e vinte) dias, e por isso condenou as demandadas a indenizar os autores pelo atraso na entrega do imóvel somente após o término de tal lapso (fevereiro/2010) até a efetiva entrega do bem (abril/2010).
[...] .
Logo, como nas construções de grande expressão há uma série de obstáculos, muitas vezes imprevistos que se interpõem à execução da obra, sendo válida a cláusula de tolerância para o atraso na entrega da unidade em construção com prazo determinado de até 180 (cento e oitenta) dias e cumpridos pelo fornecedor o dever de informar e demais regras do CDC, não há como prosperar a pretensão recursal.
[...] .» (Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).»