Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 185.9382.8000.0700

1 - STJ Família. Alimentos. Filhos. Fixação diferenciada entre filhos. Civil. Processual civil. Ação de alimentos. Diferença de valor ou diferença de percentual na fixação dos alimentos entre filhos. Impossibilidade, em regra. Princípio constitucional da igualdade entre filhos, todavia, que não possui caráter absoluto. Possibilidade de excepcionar a regra quando houver necessidades diferenciadas entre os filhos ou capacidades de contribuições diferenciadas dos genitores. Dever de contribuir para a manutenção dos filhos que atinge ambos os cônjuges. Dissídio de jurisprudência. Cognição diferenciada entre paradigma e hipótese. Premissas fáticas distintas. CF/88, art. 227, § 3º. CCB/2002, art. 1.694. CCB/2002, art. 1.695. CCB/2002, art. 1.703.

«… O propósito recursal consiste em definir se é ou não admissível a fixação de alimentos em valores ou em percentuais diferentes entre os filhos. ... ()

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Comentário:

Trata-se de decisão da 3ª Turma do STJ [Doc. LEGJUR 185.9382.8000.0700]. Gira a controvérsia em definir, diante do princípio constitucional da igualdade entre os filhos, se é ou não, possível a fixação de alimentos em valores ou em percentuais diferentes entre os filhos.

A 3ª Turma entendeu ser possível a fixação diferenciadas dos alimentos entre os filhos diante das necessidades distintas de cada um deles, mesmo diante do princípio da igualdade entre os filhos, previsto no CF/88, art. 227, § 6º, já que aqui deduz-se que não deverá haver, em regra, diferença no valor ou no percentual dos alimentos destinados a prole, pois se presume que, em tese, os filhos – indistintamente – possuem as mesmas demandas vitais, tenham as mesmas condições dignas de sobrevivência e igual acesso às necessidades mais elementares da pessoa humana, segundo a 3ª Turma a igualdade entre os filhos, todavia, não tem natureza absoluta e inflexível, devendo, de acordo com a concepção aristotélica de isonomia e justiça, tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, de modo que é admissível a fixação de alimentos em valor ou percentual distinto entre os filhos se demonstrada a existência de necessidades diferenciadas entre eles ou, ainda, de capacidades contributivas diferenciadas dos genitores.

Eis o que nos diz, no fundamental, a relatora:

[...] .

Em síntese, a tese deduzida no recurso especial é de que tais dispositivos devem ser interpretados à luz do art. 227, §6º, da Constituição Federal, que veda o tratamento discriminatório entre os filhos, de modo que não seria admissível a fixação de alimentos em valor ou percentual distinto entre eles. Diz a norma constitucional, a propósito:

[...] .

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Inicialmente, é preciso destacar que a igualdade entre os filhos, havidos ou não na constância do casamento ou da união estável ou, ainda, como frutos de adoção ou de relações esporádicas ou extraconjugais, é princípio constitucional da mais alta grandeza e relevância, sendo merecedor de especial atenção porque por meio dele se pretende corrigir uma histórica discriminação entre os filhos a depender das circunstâncias de suas concepções.

Assim, é possível estabelecer desde logo a tese de que não deverá haver, em regra, a fixação dos alimentos em valor ou em percentual distinto entre a prole, na medida em que se extrai do texto constitucional a presunção de que todos os filhos – indistintamente e independentemente de sua origem – necessitam de alimentos em igual medida, a fim de que, sem esta ou àquela predileção, toda a prole seja atendida em suas demandas mais vitais, tenham todos os filhos condições dignas de sobrevivência e, ainda, que à prole seja dado igual acesso às necessidades mais elementares da pessoa humana (alimentação, saúde, educação, cultura, lazer, etc.).

A igualdade, todavia, não é um princípio de natureza inflexível, de modo que não pode ser interpretado sem que haja prévias categorizações, sobretudo porque se sabe que a igualdade absoluta é algo inatingível. Como há muito ensinou Aristóteles em «Ética a Nicômaco», o que se deve é «tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades».

Em seu clássico «Ética e Direito», o filósofo belga Chaïm Perelman, por sua vez, elenca, como um dos critérios de isonomia e consequentemente de justiça, que se deve observar a regra do «a cada qual segundo as suas necessidades». Explica ele:

Essa fórmula de justiça, em vez de levar em conta méritos do homem ou de sua produção, tenta sobretudo diminuir os sofrimentos que resultam da impossibilidade em que ele se encontra de satisfazer suas necessidades essenciais. É nisso que essa fórmula de justiça se aproxima mais de nossa concepção de caridade.

É óbvio que, para ser socialmente aplicável, essa fórmula deve basear-se em critérios formais das necessidades de cada qual, pois as divergências entre tais critérios ocasionam diversas variantes dessa fórmula. Assim, levar-se-á em conta um mínimo vital que cumprirá assegurar a cada homem, seus encargos familiares, sua saúde mais ou menos precária, os cuidados requeridos por sua pouca idade ou por sua velhice, etc. (PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Trad. Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 10/11).

Tendo em mente essa premissa, verifica-se que é possível vislumbrar situações em que a fixação de alimentos em valor ou percentual distinto entre a prole é admissível, razoável e até mesmo indispensável, seja a questão examinada sob a ótica da necessidade do alimentado, seja o tema visto sob o enfoque da capacidade contributiva dos alimentantes.

Exemplificando, um filho portador de uma doença congênita pode receber um valor ou percentual diferenciado em relação ao filho nascido saudável, pois possui uma necessidade específica que objetivamente justifica a distinção, não havendo ofensa ao princípio constitucional da igualdade.

De igual modo, é possível também vislumbrar diferenças justificáveis e não ofensivas ao princípio da igualdade, por exemplo, em razão da idade (pois o filho recém-nascido e incapaz de desenvolver quaisquer atividades sem acompanhamento poderá necessitar de mais recursos que o filho em idade mais avançada, com aptidão para o desenvolvimento de atividade laborativa, por exemplo) ou da capacidade cognitiva (filho que apresenta mais dificuldades na fase escolar poderá necessitar de mais recursos do que o filho que não apresenta essas restrições).

A mesma regra se aplica quando se examina a questão sob a perspectiva da capacidade de contribuição do alimentante, sobretudo quando se constata que a regra do CCB/2002, art. 1.703 estipula que é dever de ambos os cônjuges contribuir para a manutenção dos filhos na proporção de seus recursos. Assim, poderá ser justificável a fixação de alimentos diferenciados entre a prole se, por exemplo, sendo os filhos oriundos de distintos relacionamentos, houver melhor capacidade de contribuição de um genitor ou genitora em relação ao outro.

Na hipótese em exame, a fixação dos alimentos a serem prestados pelo recorrido em 15%, quando, ao outro filho originado de distinto relacionamento, destina o percentual de 20%, não se revela ofensiva ao princípio constitucional da igualdade porque, de acordo com a imutável moldura fática estampada no acórdão recorrido, apurou-se nos graus de jurisdição ordinários que há uma maior capacidade contributiva da recorrente – advogada e professora universitária – em relação à genitora daquele menor que percebe o maior percentual.

Seria possível cogitar de uma potencial violação ao princípio da igualdade entre filhos se houvesse sido apurado que os filhos possuem as mesmas necessidades essenciais e que as genitoras possuem as mesmas capacidades de contribuir para a manutenção de tais necessidades, mas, ainda assim, houvesse a fixação em valor ou patamar distinto.

[...] .» (Minª. Nancy Andrighi).»

JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE

Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito esta decisão é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante ou para o estudioso é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Certa, ou errada, podemos, ou não, concordar com ela, contudo, está bem fundamentada pela Minª. Nancy Andrighi. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição do ministro. Ter o hábito de ler jurisprudência de qualidade é qualificar-se.

Como pode ser visto nesta decisão, a ministra relatora, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica, ou peça processual deveriam conter, há, portanto uma tese jurídica definida, se esta tese está correta, ou não, o exame é feito noutro contexto. Neste sentido esta decisão deveria ser lida e examinada com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação. Decisões bem fundamentadas estimulam a capacidade de raciocínio lógico do estudioso e do profissional. O raciocínio lógico é a ferramenta mais importante para qualquer estudioso ou profissional desenvolver sua capacidade criativa e determina a qualidade do serviço que presta. Como dito, ler jurisprudência de qualidade é qualificar-se cada vez mais.

A JURISDIÇÃO, A ADVOCACIA E A DEMOCRACIA

Vale lembrar sempre, que navegam na órbita da inexistência, decisões judiciais ou teses jurídicas que neguem a ideia do respeito incondicional devido às pessoas, que neguem a ideia de que deve ser dado a cada um o que é seu, que neguem os valores democráticos e republicanos, que neguem os valores solidificados ao longo do tempo pela fé das pessoas, que neguem, ou obstruam, a paz entre as pessoas. Pessoas estas, que para quem presta serviços é o consumidor e para quem presta a jurisdição é o jurisdicionado. Em suma, essas decisões e ou teses jurídicas orbitam na esfera da inexistência porque, negam o modo democrático de viver, negam o modo republicano de viver, negam o modo cristão de viver, negam o modo de viver de qualquer fé, já que nenhuma fé, em sentido material, é incompatível com o modelo democrático e republicano de ser e viver.

Neste cenário, nenhum indivíduo detém legitimamente o poder de dispor destes valores, principalmente quem fez da vida pública o seu meio de vida, e aí incluem-se os que são responsáveis pela advocacia, pela jurisdição e pela atividade parlamentar. Só exercem legitimamente a advocacia, a jurisdição e a vida parlamentar aqueles que acreditam, têm fé, compromissos e condições de serem os guardiões e fiéis depositários dos valores democráticos, republicanos, e da fé do povo.

Exceções não são legítimas, devem ser tratadas como lixo ideológico e não obrigam a ninguém. Prestar juramento à Constituição, obviamente despida do lixo ideológica que a nega, materialmente falando, e depois passar a vida negando-a, ou colocar-se na condição de violador, é muito ruim, desnecessário e humilhante para quem o faz. Ainda pior, é um desserviço, e um desserviço não ajuda ninguém a colocar um prato de comida na mesa. Pense nisso.

DA COMPULSIVA JUDICIALIZAÇÃO

Numa decisão recente de relatoria da Minª. Nancy Andrighi [Doc. LEGJUR 184.3520.1002.1900], mencionou a necessidade de desjudicialização dos conflitos.

Sobre o tema, e rememorando um pequeno aspecto da questão, vale lembrar que a CF/88 assegura a inviolabilidade do domicílio, da intimidade e da vida privada, entre outros, não porque um grupo de constituintes resolveu ser generoso com o cidadão, embora este mesmo constituinte concedeu na Constituição com um dedo, e retirou muito mais com as mãos na legislação inferior, como dito, estes são valores são fundamentais de um regime democrático e republicano de uma sociedade pluralista, estes valores não estão na esfera de disponibilidade do constituinte, do parlamentar, do magistrado, do advogado, do delegado de polícia, etc., principalmente por quem fez juramento como guardião e fiel depositários deses valores, juramento que o próprio constituinte fez.

Isto quer dizer, no mínimo, que a mão violenta do estado ou de governos não têm acesso ao domicílio do cidadão, a sua intimidade e a sua vida privada, por mais especial que seja a motivação, não é advogado, não é magistrado, nem é parlamentar quem se coloca como violador destes valores ou quaisquer outros valores que se inserem dentro do compromisso democrático.

Quando falamos de vida privada entenda-se em sentido amplo que inclui, não só a vida privada do cidadão, mas, os negócios e as empresas. Nesse sentido por óbvio, os conflitos que envolvem a intimidade é no seio da intimidade que estes conflitos se resolvem, caso necessário com assessoria de quem tem competência material para tanto e a confiança das partes, a confiança em questão, tem que ser vista em sentido material, da mesma forma o seio privado é o foro adequado para solução dos conflitos privados. Demitir-se deste compromisso é desserviço ao cliente e ao país.

Ao profissional que não leva a sério estes compromissos e valores democráticos e republicanos e opta pelo suposto caminho fácil da judicialização desnecessária e compulsiva, tem contra si a pior das penas, que é ter cada vez mais dificuldades para colocar um prato de comida na mesa, para si e para sua família, na medida que, materialmente falando, não prestou nenhum serviço ao seu cliente, quem prestou, se prestou algum serviço este alguém foi o governo, e por óbvio, se o profissional não prestou materialmente o serviço contratado, onde está a legitimidade dos honorários por um serviço que foi prestado por outrem, que no nosso caso foi pelo governo? e pago pelo contribuinte? Pense nisso.

Só para melhor esclarecer, e é muito fácil compreender, já que ao motorista de táxi não podem ser pagos honorários, e nem ele os exige, pela cesariana que o médico fez na cliente que ele levou para a maternidade. Pense nisso.